Querem ser mães depois do cancro

Grávida

Vanda Amaral tem onze óvulos congelados. Alexandra Martins seis. Estão à espera que o cancro lhes permita ser mães. Que os médicos lhes deem alta para cumprir o sonho que têm desde meninas mas que a doença adiou. Os tratamentos de quimioterapia e radioterapia – usados pela medicina para lutar contra o cancro – podem causar infertilidade mas não significam que as mulheres que por ele passam estão impedidas de ser mães. Podem consegui-lo de forma natural mas também podem criopreservar o material genético antes de começarem os tratamentos. Em Portugal é possível fazê-lo através do Serviço Nacional de Saúde na Maternidade Alfredo da Costa (MAC), em Lisboa, no Hospital Garcia de Orta, em Almada, no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra e no Hospital de São João, no Porto.

“A Consulta de onco-fertilidade foi oficializada em 2012 na MAC, mas no final de 2011 já estávamos a realizar consultas. Já nos contactaram cerca de 80 mulheres e temos cerca de 60 ciclos de preservação realizados”, conta ao Delas.pt a médica responsável por este serviço na Maternidade Alfredo da Costa.


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“O mais habitual é fazer a colheita e a vitrificação de ovócitos, para isso temos que utilizar medicamentos para estimular o ovário de modo a que eles produzam vários folículos (contêm os ovócitos) nesse mês. Quantos mais ovócitos conseguirmos vitrificar maiores as hipóteses de no futuro se conseguir embriões e uma gravidez. Em situações em que não se pode esperar 10 a 12 dias que é o tempo necessário para estimulação podemos ter de recorrer à criopreservação de tecido ovárico, que implica uma laparoscopia para a recolha. Os ovócitos podem ficar vitrificados (uma técnica de congelação rápida) durante os anos que forem necessários”, acrescenta a especialista. Não há lista de espera para estas mulheres. Foi aqui que Vanda Amaral, uma fisioterapeuta de 29 anos, fez o procedimento clínico.

“Foi um processo rápido, eu soube que tinha cancro de mama a 4 de Janeiro, a 12 tive a primeira consulta de oncologia e a médica encaminhou me para a Maternidade Alfredo da Costa para a Dra. Teresinha. No dia 13 estava eu na MAC a ter a primeira consulta e comecei logo a fazer o tratamento hormonal e análises. Depois até dia 22 de janeiro ia à MAC dia sim, dia não fazer análises e ecografia endovaginal, para perceber o estado de maturação. No dia 22, foi realizado a intervenção cirúrgica para se proceder a crio preservação. Foi um processo de 9 dias, onde fui sempre acompanhada e onde me esclareceram sempre as minhas dúvidas”, conta a fisioterapeuta.

“Quando saí do gabinete [depois do diagnóstico dizer que tinha um carcinoma Invasivo de grau 3 da mama direita “caíram-me as lágrimas, pensei em tudo, na queda do cabelo, no futuro se poderia ou não ter filhos, se ia aguentar ou não este período longo de tratamentos, cirurgia, reconstrução etc. A sensação de medo sobre a noite aparecia, a insegurança, tudo nos passa pela cabeça. Mas logo a seguir limpei as lágrimas e disse, um dia de cada vez, vamos levar esta experiência com calma, dia após dia, lágrimas? Algumas, mas não muitas. Sorrisos? Muitos”.

Uma das primeiras preocupações de Vanda foi precisamente o medo de poder não conseguir ser mãe no futuro. “E sabia bem quais os riscos da quimioterapia, e que me podia afetar o aparelho reprodutor, mas também sei que muitas mulheres já passaram pelo mesmo e engravidaram sem problemas nenhuns. Mas já que tinha essa oportunidade, preferi jogar pelo seguro e passar primeiro pelo processo de criopreservação e depois iniciar a quimioterapia mais tranquila e descansada”, acrescenta a fisioterapeuta. Tem ali o ‘futuro’ preservado para quando decidir avançar para o projeto da maternidade, ela que neste momento está solteira.

Mas mesmo que tivesse um companheiro não seria possível na Maternidade Alfredo da Costa congelar embriões (produto das primeiras transformações do óvulo já fecundado pelo espermatozoide). “Em Portugal, neste momento existe a indicação oficial de que não deve ser realizada a criopreservação de embriões. Segundo estudos americanos em cerca de 50% dos casais em que surge um problema oncológico ocorre um divórcio. Se a mulher só tiver embriões congelados, em caso de divórcio não pode utilizá-los por Lei e acaba sem qualquer material genético. Nesta altura em que a vitrificação de ovócitos é uma técnica bem estabelecida e em que os resultados de um ciclo são semelhantes se se utilizam ovócitos a fresco ou após desvitrificação não se justifica fazer embriões”, explica Teresinha Simões.

Vânia Castanheira é uma jornalista portuguesa de gema mas vive no Brasil, onde trabalha. No país irmão é possível congelar embriões, foi o que fez, numa decisão tomada em conjunto com o marido. Foi também no Brasil que descobriu que tinha um cancro na mama no dia 13 de Janeiro de 2013. “Nunca pensei que fosse morrer. Não sentia isso em mim, na minha pele, no meu corpo, na minha alma. Eu ainda não tinha feito o que era suposto fazer nesta vida”.

Vânia, que na altura se preparava para começar a tentar engravidar, só soube que poderia perder a fertilidade “muito em cima da hora. Nem tive muito tempo para pensar. Se eu quisesse preservar este desejo teria que começar o processo naquele dia mesmo. Fui para uma consulta à espera de definir quantas radioterapias precisaria e sai de lá com a bomba de que teria que fazer uma quimioterapia muito agressiva, ficaria careca, sem pestanas, sem sobrancelhas, sem forças para me levantar e provavelmente, na menopausa e ou infértil! Não foi preciso processar a informação ou pensar muito para agarrar a oportunidade de vir a engravidar, um sonho na minha vida. Então, sai do oncologista e fui para um médico de fertilização. No mesmo dia, na mesma hora”, recorda agora ao Delas.pt. “Quando o ginecologista disse que os embriões tinham mais chances de sobrevivência e já que éramos casados, então fomos pelos embriões. Cada decisão foi tomada aos poucos, conforme era necessário e a informação ia entrando. A toda a hora tínhamos que fazer uma escolha sobre algo e escolhíamos de acordo com as probabilidades e o instinto. E, sinceramente, ao preenchermos o questionário, levámos na brincadeira mesmo sendo uma decisão seria. Precisávamos trazer leveza à nossa vida. Se aquela era a minha única chance de engravidar, mesmo que eu viesse a me separar do meu marido, eu teria, pelo menos a opção, de utilizá-la”, acrescenta a jornalista, que pagou 13 mil reais (cerca de 3 mil euros) para fazer este procedimento e paga 170 euros a cada seis meses para que a clínica mantenha os embriões congelados.

Ao blogue que assina na internet – minhavidacomigo.com – a jornalista de 33 anos vê chegar várias histórias de pessoas na mesma situação. “Recebi exemplos de pessoas que puderam fazer a escolha de preservar ou não a fertilidade e outras pessoas ficaram a saber pelo meu blogue ou pelo livro que escrevi que isto era possível. Também conheço mulheres que não o fizeram por questões financeiras”, continua Vânia, que hoje é também, e acima de tudo, Medical Coach. Em Portugal, se optarem pelo Serviço nacional de Saúde – também há privados a fazê-lo – as pacientes só pagam a medicação para a estimulação dos ovários (ronda os 400 euros), embora a Maternidade Alfredo da Costa tenha muitas vezes amostras gratuitas que cede às mulheres que passam por este processo. “Infelizmente ainda não é do conhecimento de toda a comunidade médica, muitas vezes estão tão concentrados na cura do paciente que se esquecem que a quimioterapia tem efeitos colaterais e que os/as pacientes sobreviventes vão querer ter uma família no futuro.
Existe uma janela de oportunidade muito curta para as podermos ajudar, o ideal é que após o diagnóstico sejam referenciados, para podermos coordenar a criopreservação com os tratamentos”, alerta a ginecologista e obstetra Teresinha Simões.

Alexandra Martins perdeu o pai e o avô muito cedo, ambos com cancro nos intestinos. Apesar de por várias vezes ter alertado a médica de família para a necessidade de ser seguida neste sentido – por causa da predisposição genética – os seus pedidos não foram ouvidos, nem mesmo quando há dois anos surgiram os primeiros sintomas. “Em agosto de 2016 eu e o meu companheiro decidimos que estava na hora de engravidarmos: fiquei radiante, estava cada vez mais perto de realizar o grande sonho da minha vida ser Mãe, então fui novamente ao meu centro de saúde para dar início a esta nova fase. Apanhei uma médica nova que me mandou fazer logo uma colonoscopia”, que trouxe o diagnóstico de cancro. “Chorei muito nesse dia, aliás chorei tudo nesse dia, não voltei a fazê-lo ate ao dia em que me disseram que talvez nunca iria ser mãe…tive medo nessa altura. Enfrentei muito melhor a ideia de ter cancro do que não ser mãe…Mas tenho no meu companheiro o meu melhor amigo que me disse tudo se vai resolver e que tudo ia correr bem, só tinha que tratar de ficar viva e ganhar esta guerra. ‘Vais ver que vamos conseguir!’, e até hoje me agarro a esta frase”, conta emocionada esta recepcionista de 37 anos. Alexandra começou a ser seguida no Hospital dos Capuchos onde a encaminharam para a Maternidade Alfredo da Costa. “Conheci a Dra. Teresinha Simões e logo na nossa primeira conversa fiquei muito aliviada quando ela disse: ‘Toda a mulher tem o direito de ser mãe. Saí dali com a certeza que eu ser mãe!”, assume.

“Na MAC foram 10 dias de tratamento, era o tempo que tínhamos, 10 dias de horários rigorosos de muitas picadelas, muitas ecografias (psicologicamente muito desgastante) é um período de muita ansiedade porque nunca sabes se vai dar certo, e no meu caso só tínhamos uma hipótese, aquela hipótese, os tratamentos de quimioterapia não podiam esperar mais…mas senti-me muito acompanhada na MAC, as palavras de conforto foram muitas e na hora certa. Quando a recolha foi feita estava uma pilha de nervos, mas o resultado não foi mau.. Em tão pouco tempo consegui 4 ovócitos maduros mais 2 que depois de descongelamento estariam bons”, revela, para logo a seguir perguntar, como se falasse consigo própria: “São poucas hipóteses? São! Mas é uma hipótese que me foi dada!”