Jerónimo: Ser ou parecer? Pensar ou dizer?

Carla Macedo
Carla Macedo

As palavras de Jerónimo de Sousa soaram mal: “Nós podíamos apresentar um candidato ou uma candidata assim mais engraçadinha, com um discurso ajeitadamente populista, que pudesse aumentar o número de votos. São opções e eu não quero criticá-las.” O registo está aqui.

A parte da resposta aos jornalistas em que o secretário-geral do PCP parece referir-se a Marisa Matias dá origem a risada entre os que assistem à noite eleitoral na sede de campanha de Edgar Silva. Nas redes sociais o buzz cresce em torno do soundbite. Crescem as críticas ao líder dos comunistas portugueses pelo comentário “sexista” e os simpatizantes ou militantes do partido respondem que os direitos das mulheres estiveram sempre nas prioridades do PCP.

Ser ou parecer? Pensar ou dizer? Jerónimo de Sousa cometeu uma gafe. Diz-se que não corresponde ao que pensa. Mas disse o que disse e quem ouviu (e ouviu os risos da plateia) tem dificuldade em acreditar numa versão não sexista do “engraçadinha” – podia estar a referir-se a Tino de Rans, dizem. Jerónimo de Sousa estava em noite de desaire e tem direito a enganar-se. Tem mesmo?

Eu não usaria “engraçadinha” para descrever nenhuma das candidatas. Nenhuma mulher usaria porque sabe que essa palavra as diminui. Eu usaria mulher bonita, sim, com bom aspeto e não deixaria de fora da descrição a força que a forma como se apresenta sempre transmite, assim como seriedade, sem deixar de parte a feminilidade, mesmo se não está sempre impecável. Tem graça. Descreveria da mesma forma Assunção Cristas antes do revamp que fez e que a tornou numa das políticas mais elegantes da nossa praça. A forma como se apresentam demonstra respeito pelos cargos que desempenham.

O que não tem graça é que, sucessivas vezes, as mulheres da política portuguesa sejam alvo de críticas ou insinuações. Quando Ana Drago e Joana Amaral Dias eram deputadas do BE, houve um jornal a fazer capas com a beleza de ambas e não com as ideias, o mesmo jornal que as chamou “meninas” quando foram substituídas na AR.

A pergunta que se impõe é por que razão continuam a ser julgadas todas as mulheres pela aparência, de tal forma que se torna inequívoco para quase todos que a piada de Jerónimo é machista? Se a mentalidade não fosse esta, acharíamos assim tão grave o “engraçadinha”? Ser bonita continua a ser sinal de fraca inteligência ou pouca capacidade de trabalho. Mas a fraca aparência também é muitas vezes interpretada como desleixo que se reflete no trabalho… talvez não tanto na esquerda mais tradicional.

Em que é que ficamos? As mulheres veem-se obrigadas a adivinharem a dose certa de rímel, blush, altura do salto, tamanho da saia… sob pena de não terem o aspeto adequado para as tarefas de que se ocupam. Um milímetro a mais – matrafona que não tem competências para ser chefe. Um milímetro a menos – subiu na horizontal, de certeza. Os dramas da aparência são semelhantes entre mulheres anónimas e as políticas. Não há regras de estilo infalíveis. A mulher com mais bom senso a vestir-se não ficará imune a críticas: haverá quem lhe aponte o dedo da futilidade, da vaidade ou até da preguiça.

A forma como nos arranjamos diz muito de nós, é verdade. Mas o que dizemos diz muito mais, mesmo quando somos homens e estamos tristes com o papel que a sociedade nos está a reservar. A única forma de combater esse lugar é mudar os sinais que damos aos outros. Marisa, Assunção e muitas as mulheres estão a fazer isso, com bom senso na roupa e no discurso.