Serão as nossas crianças viciadas digitais?

Ao deixar os mais pequenos brincar com as novas tecnologias estamos a privá-las do contacto com o “outro” e a viciá-los em “realidades” virtuais que podem afastá-los da família e dos amigos? Jogar à apanhada ou subir às árvores – mesmo que caiam de quando em quando – ainda são das melhores brincadeiras do mundo. Durante estas férias incite-os a sair à rua e a “jogar” à infância!

Festa de família século XXI: os pais e avós riem, conversam, recordam o passado, falam do que os espera no futuro. E as crianças? Provavelmente estão presas aos novos presentes: tablets, smartphones e consolas de jogos, uma nova forma de “droga”, um vício digital que atinge cada vez mais as crianças. Pesquisas recentes mostram que a utilização dos jogos eletrónicos afeta o córtice frontal do cérebro – o que controla o funcionamento executivo, incluindo o controlo dos impulsos, um processo descrito como exatamente igual ao da cocaína ao entrar no cérebro. A tecnologia aumenta os níveis de dopamina – o neurotransmissor que está na origem da sensação de bem-estar, segundo Peter Whybrow, diretor de neurociência da Universidade da Califórnia de Los Angeles (UCLA). Investigadores chineses apelidam a utilização dos meios eletrónicos de heroína digital.

Tecnologia: é mesmo necessária?

Hoje em dia os pais compram tablets logo nos primeiros anos escolares, pensando que estão a contribuir para o desenvolvimento intelectual dos filhos, o que não deixa de ter fundamento desde que a utilização seja feita com conta e medida. Aliás, o tema não reúne consenso: a terapeuta canadiana Cris Rowan, por exemplo, defende que o uso de tecnologia por menores de 12 anos é prejudicial ao desenvolvimento e aprendizagem infantis.

Segundo esta especialista, a superexposição da criança a telemóveis, Internet, tablets e televisão está relacionada com o défice de atenção, atrasos cognitivos, dificuldades de aprendizagem, impulsividade e problemas em lidar com sentimentos como a raiva. Outras complicações decorrentes são a obesidade (porque a criança passa a fazer menos atividade física) e privação de sono (quando as crianças usam as tecnologias dentro do quarto).


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Devido a estes riscos, a Academia Americana de Pediatria e a Sociedade Canadiana de Pediatria recomendaram limites para a exposição das crianças a todo tipo de media (televisão, jogos, internet, smartphones, etc.). O ideal é que apenas depois dos dois anos de idade comecem a ter contacto com estes aparelhos e por tempo limitado. Até aos cinco anos só deveriam ficar, no máximo, uma hora diante dos ecrãs. O tempo aumenta para duas horas para crianças de seis a 12 anos e para três horas a partir dos 13 anos.

Os pediatras recomendam também que apenas a partir dos 13 anos as crianças tenham acesso livre a dispositivos móveis, como tablets e smartphones. E, mesmo assim, devem ser orientadas a usá-los de forma adequada. Desligar os telemóveis durante as aulas ou refeições, por exemplo, é uma prática que deveria ser universal, mas raramente é cumprida pelos adolescentes.

Aliás, os pais precisam de avaliar se há necessidade de a criança ter um smartphone. Para aquelas que começam a sair de casa sozinhas, esta pode tornar-se uma ferramenta de comunicação importante mas, por outro lado, não parece razoável que crianças com cinco anos de idade já o usem.

Processo de adição

Porquê? É que segundo estudos da UCLA, as crianças vão progressivamente deixando de sentir o mesmo prazer que antes sentiam a jogar futebol ou fazer construções com Lego, entre outras atividades criativas que envolvem a interação com outras crianças. Resultado: ficam altamente viciadas nos ecrãs, como que hipnotizadas e cada menos ativas intelectualmente, praticamente reféns das regras dos jogos que de interativos, com o tempo, começam a ter muito pouco.

Alguns dos primeiros sintomas revelam-se pelo desinteresse pela leitura de livros em papel e pelo desporto. Com o tempo, alguns miúdos começam a recusar participar nas tarefas diárias familiares e a desenvolver sonhos evocativos dos jogos que desenvolvem online.

Mais: quando privados dos seus brinquedos eletrónicos reagem com birras violentas – tal como um heroinómano o faria sem a dose diária. Passam também a desenvolver estratégias de manipulação. Enquanto os pais dormem, as crianças jogam e dormem cada vez menos, o que a médio prazo acaba por prejudicar a saúde e o aproveitamento escolar. A capacidade de socialização também fica comprometida – uma criança que não aprende a lidar com as frustrações pode vir a tornar-se um adulto violento e infeliz.

Não será por acaso que os pais mais “tech-cautelosos” são os informáticos ou os que estão ligados às novas tecnologias: Steve Jobs era um pai notoriamente low-tech; executivos e engenheiros de Sillicon Valley inscrevem os filhos em escolas que não incentivam o uso de gadgets; os fundadores do Google, Sergey Brin e Larry Page, frequentaram escolas sem tecnologia, assim como os criadores da Amazon, Jeff Bezos, e da Wikipedia, Jimmy Wales.

O que é preciso é deixar as crianças sair de casa. “Deixá-las gastar toda a energia natural da idade, deixá-las correr riscos”, conclui o Professor Carlos Neto, da Faculdade de Motricidade Humana, “garantindo-lhes ainda alguns momentos de contato com a natureza e pura contemplação”. O realizador David Lynch, nos EUA, já patrocina aulas de ioga e meditação nas escolas. Para quando em Portugal?

Até lá, tome já as rédeas da situação. Veja na galeria formas de transformar a sua família e as suas crianças em pessoas com pouca utilização tecnológica.