O desejo não tem rugas

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Inge é casada com Werner. Um dia conhece Karl, para quem faz um pequeno trabalho de costura, e logo num dos primeiros encontros fazem sexo. Apaixonam-se e assim começa um triângulo amoroso que trará um misto de felicidade quase juvenil, culpa e o sentimento de abandono de um marido destroçado. Os protagonistas da história poderiam bem andar na casa dos 30 ou 40 anos, mas Inge já passou dos 60, Karl tem 76 e Werner também já passou dos 70.

Esta é a sinopse de ’Nunca é tarde demais para amar’, longa-metragem realizada pelo alemão Andreas Dresen em 2008, prémio ’Un Certain Regard‘ do Festival de Cannes, nesse ano. Assistir ao filme causa, pelo menos a princípio, uma espécie de desconforto pela sua estética explícita de corpos nus e cenas de sexo, mas sempre muito marcada pela afetividade e ternura. Dresen queria confrontar-nos com o nosso preconceito e conseguiu. Afinal, achamos mesmo que os idosos têm direito a uma vida sexual ativa, ou continuamos a pensar que esse país não é para velhos?

“Isso já não é para mim…”

Quem se sente mais confortável a pensar que, depois dos 65, o sexo fica no passado, pode ter um choque. Em 2015, o English Longitudinal Study of Aging, um inquérito a larga escala sobre envelhecimento coordenado pela Universidade de Manchester, avaliou a atividade sexual de 6201 pessoas com idades entre os 50 e os 90 anos. Cerca de 31% dos homens com mais de 80 afirmavam feito sexo ou recorrido à masturbação no último ano; na faixa dos 70 aos 79 anos, os valores subiam para 59%. Entre as mulheres nas mesmas idades, os valores eram, respetivamente, de 14% e 34%. Elas mostravam também uma probabilidade 10 vezes maior de se sentirem “obrigadas” a ter sexo, apresentando a falta de estimulação sexual (32%) e de capacidade de atingir o orgasmo (27%) como as principais queixas. Nos homens, as disfunções erécteis eram o problema sexual mais comum (39%) e 7% admitia recorrer a Viagra ou fármacos similares.

Modelo de 60 anos é a nova cara da H&M

Os estudos sobre sexualidade em idade avançada escasseiam em Portugal, e os que se fazem têm amostras pouco representativas. Mas algumas contribuições lançam uma nesga de luz sobre o assunto. Em ’Sinto, logo Existo! Estudo Sociológico da Sexualidade na Terceira Idade”, Rui Valente, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho, estudou 45 homens e mulheres entre os 65 e os 94 anos, utentes de dois lares do concelho de Pombal. “Concluiu-se que a maioria dos sujeitos da amostra manteve a atividade sexual após os 65 anos, com relevância para o género masculino. Destes, cerca de um quarto mantém a atividade sexual. É no grupo etário entre os 70 e os 79 anos que a generalidade dos sujeitos cessa as relações sexuais.” Para o investigador, as representações que a família ou os media fazem da sexualidade na terceira idade também não ajudam.

“É, na generalidade, considerada inapropriada, imoral e bizarra. O idoso é discriminado sexualmente e reduzido à sua inutilidade.”

A psicóloga clínica e psicoterapeuta Margarida Casimiro, da clínica Carpe Diem, estudou a população sénior numa tese de mestrado em psicologia, ‘Uma viagem no tempo – um olhar sobre o envelhecimento na comunidade e na instituição, avaliando a sua qualidade de vida, afetividade, traços de personalidade e níveis de depressão‘.

Quem tem medo de dizer VAGINA?

Uma das limitações que sentiu tinha a ver com a aplicação de duas ou três perguntas, que constam no inquérito da Organização Mundial de Saúde à qualidade de vida, e que avaliam a satisfação com a vida sexual. Os idosos inquiridos passavam à frente, quando chegavam a estas perguntas e não queriam responder. “Faziam um sorriso e diziam, ‘ó minha filha, isso já não é para mim’. Às vezes até com um certo pudor”, conta a psicoterapeuta.

“Entrar na idade sénior ainda é visto como entrar no vazio: a pessoa deixa de trabalhar, deixa de se sentir útil, já não é jovem e atraente. É o período em que a sociedade condicionará mais a forma como a pessoa se vê a si própria, porque na verdade não olha com muito respeito para os seus seniores. É uma sociedade que valoriza o jovem e belo.”

O próprio conceito de sexualidade em que acreditamos toda a vida também não ajuda. “Socialmente assiste-se à sobrevalorização da função reprodutora e à expressão da genitalidade face às questões emocionais. Assim, frequentemente se considera a sexualidade como um conceito pobre e sem sentido durante a velhice”, observa a psicóloga clínica.

O último tabu

O corpo envelhece, mas o desejo não. “E muitas vezes é um desejo mais maduro, com mais disponibilidade e mais complexo, muitas vezes, porque ultrapassa a questão física. É o desejo de uma vida partilhada, do carinho, afeto, cumplicidade e companheirismo. Mas falar desse desejo continua a ser um grande tabu”, diz Margarida Casimiro. “Como a nossa sociedade ainda é muito tradicional e o papel masculino ainda é muito definido pela virilidade e performance, o homem sente-se muito posto em causa. Contudo, a mulher sofre de uma forma menos manifesta, porque assume a posição de uma grande passividade e que ‘já não está em idade para essas coisas’. Por vezes, ela própria reage negativamente a uma tentativa de intimidade do marido ou companheiro, porque também já não se permite a esse nível. E há também questões da autoimagem e confiança.”

Em ‘O Sexo no Feminino’, a autora espanhola especialista em sexualidade humana e Educação Sexual, Sylvia de Bejár, fala das mudanças que o avançar da idade traz, em termos de atividade sexual, para homens e mulher. “Passados os sessenta anos, [nos homens] os orgasmos são menos intensos e às vezes mal se produz ejaculação. Muitos homens demoram entre 12 e 24 horas a poder ter outra ereção”. Há muitos homens que, a partir desta idade preferem a abstinência, devido à dificuldade de aceitar que a sua vida sexual está a mudar. “É um erro. Muitos homens asseguram que é a melhor época da sua vida porque acabou a urgência, essa necessidade imperiosa de ejacular, e agora têm mais tempo para a imaginação e a ternura.”

Sexualidade feliz para maiores de 60 é uma realidade

Ao contrário do caso masculino, a nível fisiológico, as mulheres parecem ter menos condicionamentos. “A idade não tem que afetar a nossa capacidade orgásmica, embora a partir dos 60 anos, os nossos clímaxes decresçam em intensidade. Há que acabar de vez com a falsa crença de que, com a chegada da menopausa, temos que dizer adeus ao sexo. Numerosos estudos mostram que as mulheres que foram ativas podem continuar a sê-lo. Como dizem os anglo-saxónicos, ‘use it ou lose it!’ ou seja ‘o que não se usa perde-se. O que não se pode pretender é que, se nunca se interessou, agora sinta falta do sexo.“

Para as mulheres, o uso de um bom gel lubrificante que ajude a uma penetração mais confortável é uma das melhores medidas pós-menopausa. Mas, como diz Sylvia de Bejár, “os bons amantes sabem que existem outras possibilidades para além do coito, e duvido que uma mulher se queixe de lhe darem prazer de outras maneiras.”

E a família, está preparada para o facto de os seus idosos terem sequer vida sexual ativa? “Não, de modo nenhum”, diz Margarida Casimiro. “A forma como olha para as necessidades básicas para os seus idosos, quando procuram o lar para eles, por exemplo: pensam se é limpo, se a comida é boa, se o médico vai lá de vez em quando, mas não se pensa se é um local onde se possa de facto continuar a viver em plenitude, inclusivamente a sexualidade. Para a família, a sexualidade do avô já acabou. Não é coisa de velhos e se houver alguma manifestação é criticável porque ‘já não é próprio’, é algo ‘depravado’.”

Sexo não é só penetração

O certo é que, se até uma vida sexual saudável é um dos critérios que OMS estabeleceu para a qualidade de vida e para a saúde dos indivíduos, os adultos mais velhos não deveriam ficar fora desta equação. Até porque o sexo aumenta a autoestima e a sensação de bem-estar, liberta substâncias que vão fortalecer o sistema imunitário, e a testosterona produzida pelos homens tem uma ação benéfica na fortificação de ossos e músculos, explica Margarida Casimiro. A atividade sexual também liberta endorfinas, que atuam na redução da ansiedade e dor crónica, tão presente nos idosos. Além disso, ainda tem a vantagem de induzir a uma maior preocupação e cuidado com a imagem e cuidados de saúde.

“Ainda não há a cultura de pedir ajuda ao técnico, seja ao médico, psicólogo ou farmacêutico”, diz Margarida Casimiro. “Quando foi lançado o Viagra, ele era pedido ao fundo do balcão e em voz baixa – e era sempre para um ‘amigo’. O comprido vai repor uma ereção perdida. Ou seja, voltamos ao mesmo ciclo: ereção e penetração igual a sexualidade. Há formas de alargar o âmbito da vivência da sexualidade. E explorá-las sem complexos porque, se calhar, falamos desta dimensão do proibido na terceira idade porque a nossa própria sexualidade já não é vivida de forma muito gratificante ao longo da vida.”