Trabalho igual para salários iguais? Sim, mas só em 1000 empresas

Desigualdade salarial
Desigualdade salarial por género (Fotografia: Greg Brave/Shutterstock)

O modelo que Portugal tinha em matéria de igualdade salarial no local de trabalho era o alemão. Mas na proposta que levou esta quinta-feira à concertação social acabou por ser, numa primeira fase, mais tímida do que a germânica.


Conheça o modelo na Íntegra aqui


De acordo com a proposta apresentada pelo ministério de Eduardo Cabrita, apenas as “empresas com mais de 250 pessoas ao serviço” estarão obrigadas a definir um plano “corretivo das disparidades salariais registadas”, incorrendo em notificação por parte da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), sob pena de serem alvo de uma contraordenação.

Esta é uma das medidas constantes do documento intitulado “Política de garantia de igualdade entre mulheres e homens” e que foi entregue na quinta-feira, 4 de maio, pelo executivo em sede de concertação social.

Ora, contas feitas, as empresas com mais de 250 trabalhadores são exatamente as grandes empresas, que representam, de acordo com os dados do Instituto Nacional de Estatística, cerca de 0,3% do tecido empresarial português, ou seja, 1013.

“É preciso começar pelas grandes”, começa por justificar fonte próxima deste processo.

Apesar de as medidas pretenderem ser transversais, o incumprimento só vai ser punido em cerca de mil companhias que, em 2015, empregavam 718 mil trabalhadores – homens e mulheres.

Este número, contudo e de acordo com o mesmo relatório, representa cerca de 1/5 da massa laboral nacional. Na verdade, o grupo das Pequenas e Médias Empresas conta com mais de 2 milhões e 860 mil assalariados.

Ora, se em Portugal a proposta – cuja discussão se iniciou agora – se aplica a empresas com 250 trabalhadores ou mais, o modelo germânico fez aprovar medidas semelhantes, mas para empresas com, no mínimo, 200 trabalhadores.

A mesma proposta do governo salvaguarda que, dentro de dois anos, as medidas para os incumpridores devem ser alargadas para empresas com mais de 100 trabalhadores. Ou seja, a entrar agora em vigor, estas propostas, tal como estão, só abrangeriam as Médias empresas (entre 50 e 250 trabalhadores) em 2019, o que representaria cerca de 5800 companhias.

Recorde-se que, segundo dados da Eurostat, Portugal viu, entre 2007 e 2015, a desigualdade salarial entre homens e mulheres duplicar. Ou seja, se em 2007, a disparidade rondava os 8,5%, em 2015, aquele organismo europeu reportava uma diferença na ordem dos 17,8%.

Transparência para equilibrar salários

De acordo com o documento “Politica de garantia de igualdade entre mulheres e homens”, o executivo propõe vencer a barreira da disparidade salarial sob quatro “eixos”.

O primeiro deles passa pela criação de “Mecanismos de análise da transparência salarial “, pela criação de dois barómetros: “o da desigualdade salarial” entre sexos de “âmbito nacional e setorial” (para o primeiro semestre de 2018) e outro “por empresas” (para período homólogo, em 2019).


Para compreender melhor a disparidade salarial entre homens e mulheres por setor de atividade, pode consultar os dados da Pordata aqui.


O ministério de Eduardo Cabrita considera que “este instrumento permite sinalizar, ainda, à Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) as empresas que, no âmbito desta matéria, necessitem de um acompanhamento regular”.

O segundo eixo propõe “medidas específicas” para as Grandes Empresas como o “plano corretivo” de que se falou atrás, com a aplicação eventual de contraordenações uma vez por cumprir. Levando assim a um reforço da autoridade da ACT nesta matéria junto das companhias.

Também a Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE) pode ganhar uma “nova competência” que, lê-se no documento, “se concretizará na emissão de parecer sobre eventual discriminação salarial em razão do sexo, mediante pedido apresentado pelo trabalhador ou pelo seu representante sindical”. A empresa deverá ceder obrigatoriamente a informação sobre o sistema remuneratório. O prazo, para já indicativo, está definido nos 30 dias.

O empregador, em sede de queixa, “fica obrigado a demonstrar” que “critérios objetivos” usou para “definir os salários”, “nomeadamente no que respeita ao salário de quem alega estar a ser discriminado e ao salário daquele face a quem, comparativamente, o primeiro se sente em situação de discriminação”.

Se a empresa não conseguir demonstrar que os critérios objetivos em que assentam o seu sistema remuneratório, fica “considerada provada a existência de discriminação em razão do sexo, tal como alegado pelo trabalhador”.

Multas? Não! Prémios!

Por fim, ainda dentro deste segundo eixo das medidas específicas, as empresas que puserem termo às disparidades salariais por género passam a entregar uma espécie de lista de bom comportamento.


Leia mais sobre medidas punitivas aqui


Fonte governamental já tinha dado a entender publicamente que a aplicação de multas poderia não ser o caminho escolhido por, a prazo, poder afastar as mulheres da contratação.

Agora, a proposta do executivo vem apelar a “medidas positivas” para as companhias que cumpram. Uma espécie de prémio que pode ser traduzido, por exemplo, “na definição de uma majoração no acesso às medidas ativas de emprego ou no acesso a fundos públicos”.

Por fim, para lá do reforço de “competências de atuação” da ACT e da CITE, estas entidades deverão promover “medidas de prevenção da disparidade” e “da promoção do diálogo social”.

Aquelas estruturas deverão “realizar ações informativas” com “particular incidência nos setores de atividade que registem maior desigualdade salarial” e “junto das escolas”. A matéria – finaliza o mesmo documento – deve ser “colocada na agenda da negociação coletiva”.

Imagem de destaque: Shutterscok