Uma paixão antiga: Igualdade de género e moda

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São amigas de longa data e é difícil encontrar uma sem esbarrar na outra, falamos da moda e da igualdade de género. A libertação das mulheres sempre esteve muito ligada aos códigos de vestuário ou, melhor, à mudança ou repulsa perante os trajes femininos tradicionais. E não falo apenas das queimadas de soutiens em praça pública dos anos setenta porque esta relação começou muito antes.

A moda é muito mais do que um conceito que responde a apetites consumistas vorazes e caprichosos, é um reflexo do pensamento coletivo das sociedades, já que antes e acima de tudo a função da moda é responder, através do vestuário e dos seus códigos, às necessidades sociais e individuais de cada um. Como tal, é fácil de compreender que a roupa feminina tenha sofrido alterações numa medida proporcionalmente direta à mudança da condição feminina na sociedade. É também natural que uma das primeiras batalhas por uma maior independência feminina tenha sido uma mudança na moda com o fim do uso do espartilho.

Adeus espartilhos e saiotes para aumentar as ancas

Apesar da pioneira nesta revolução ser Josèphe de Beauharnais, Imperatriz de França e mulher de Napoleão Bonaparte, aparentemente sem nenhum intuito feminista – ainda que fosse uma mulher de ideais bastante arejados para o séc. XIX, sendo Napoleão seu segundo marido e pelas cartas de amor que se conhecem do casal – foi no final do sec. XIX que esta mudança se tornou uma realidade. Os trajes mais soltos permitiam às mulheres uma maior liberdade de movimentos que mudou para sempre a forma de estar feminina, devemos lembrarmo-nos que no séc. XVIII, os saiotes de creolina eram de tal forma volumosos que as senhoras tinham que passar de lado pelas portas.

Não demorou muito até que as bainhas subissem, mas mais uma vez não aconteceu por acaso ou capricho – o mundo estava a mudar e a revolução industrial tornou a vida mais acelerada, criou postos de trabalhos que podiam agora ser ocupados por mulheres, numa grande parte lavandarias ou tecelagens, e não era difícil de perceber que quanto maior fosse a mobilidade mais rápido seria o trabalho. As mulheres, ou pelo menos uma parte delas, partilhavam pela primeira vez o primeiro espaço laboral com os homens e começavam a olhar para a igualdade como um direito. Em 1887 era fundado em Inglaterra a União Nacional pelo Sufrágio Feminino por Milicent Fawcett, cuja principal luta era o direito de voto para as mulheres. Para estas mulheres das elites culturais e económicas, também os códigos de vestuário se tornaram fundamentais com os casacos largos de aspeto masculino, os cabelo apanhados mas não demasiado penteados e as flores ao peito ou na mão. Paralelamente, entre as operárias, surgiam os primeiros movimentos por melhores salários.

Saias a subir

Com a chegada da Primeira Guerra Mundial e o abandono por parte dos homens das suas casas e empregos, muitos postos de trabalhos ficam livres para as mulheres. Mais uma vez o vestuário adapta-se subindo um pouco mais as bainhas e tornando-se austero nos cortes porque já não sobravam nem tecidos nem músicos para grandes vestidos de baile. É neste cenário que Coco Chanel reinventa o estilo feminino, Fabricando para além das fardas de enfermeira para o exército, conjuntos de jersey, inspirados pelos fatos dos marinheiros, que permitiam um conforto que as mulheres até à data não conheciam. O movimento de masculinização da roupa voltou a surgir com o rebentar da Segunda Guerra Mundial, precisamente pelo mesmo motivo: as mulheres voltavam a trocar o papel tradicional para ocupar os trabalhos antes dados a homens.

Agora sim chegamos às fogueiras de soutiens dos anos setenta como protesto, fazer desaparecer a peça de roupa mais ligada ao sexo feminino é antes de tudo o mais um símbolo, mas mais uma vez é uma peça de roupa que é usada como símbolo, dando força a esta paixão que como já vimos vem de longe. Nos anos oitenta temos um remake das guerras mundiais mas desta vez sem bombas, as mulheres vestem os ombros largos dos homens porque atingem pela primeira vez na história carreiras profissionais equivalentes às do século oposto.

Sem distinção género é o futuro?

Já os últimos anos dos noventa fazem-se de uma androginia que ainda hoje quem viveu os áureos anos cinquenta não percebe, não havia ombros largos mas também não se avistava uma única cintura marcada. O ideal de beleza eram mulheres sem peito e roupas neutras, nunca as t-shirts brancas e calças de ganga se vestiram tanto. Kate Moss torna-se a top model do momento marcando pela estranheza e acabando com o culto das curvas tão elogiadas de Cindy Crawford, Linda Evangelista ou Claudia Scheffer. A razão para esta mudança tão radical não foi mais uma vez um mero acaso, tendo coincidido com uma época em que a sexualidade começou a ter uma maior abertura e os direitos sexuais a serem mais discutidos.

Hoje já muita coisa foi conquistada, pelo menos no pedaço de mundo ocidental que conhecemos, mas a igualdade de género continua a ser discutida sobretudo no que diz respeito aos salários, ao trabalho doméstico e às oportunidades em lugares de topo. E porque voltamos a falar de carreira, voltamos a ver os ombros a alargar e os casacos a ficar mais masculinos. Como cada vez mais mulheres trabalham fora de casa, mas são penalizadas se chegarem atrasadas para estar com os filhos, e como tal têm de correr muito para estar sempre em todo o lado, livrámo-nos dos saltos alto e fizemos dos ténis os novos stilettos (na verdade foi o senhor Lagerfeld no desfile de Outono-Inverno 2014-2015). Mas como estamos num dos momentos mais feministas da história recente, temos camisolas com slogans e na passerelle são os homens que se mascaram de meninas, ou pelo menos não dizem não às saias e nem aos padrões florais, e quem adora a tendência é Miuccia Prada e Alessandro Michele.

Por todas estas razões, podemos dizer que a moda e a igualdade de género se casaram com comunhão total de bens, e que apesar do direito ao divórcio ter sido uma das lutas femininas, nunca entraram em litígio.