Uma portuguesa nos sub-30 da Forbes

Cristina Fonseca co-fundou a Talk Desk
Oeiras, 07/10/2014 - Esta tarde no TagusPark fotografamos Cristina Fonseca co-fundou a Talk Desk que se formou no IST Instituto Superior TŽcnico do TagusPark em 2010 e n‹o quis agarrar nenhuma das propostas de trabalho que na altura surgiu preferindo desenvolver aplica›es online. No ano seguinte venceu com Tiago Paiva um concurso de aplica›es com o prot—tipo Talkdesk (Orlando Almeida / Global Imagens)

Cristina Fonseca – e o seu sócio, Tiago Paiva – foram selecionados pela revista norte-americana Forbes como dois dos jovens, com menos de 30 anos, em destaque no mundo.

Ambos criaram a startup portuguesa Talkdesk, que criou uma plataforma que torna os call centers acessíveis a qualquer empresa. Ganharam um concurso de empreendedores nos Estados Unidos e mudaram-se para Silicon Valley, em 2011. A empresa de ambos é, aliás, uma das que regista maior crescimento nos últimos anos. Já este verão anunciaram ter fechado uma ronda de investimento de 13,4 milhões.
Cristina Fonseca sempre foi aplicada, ótima aluna, com excelentes notas. Todos davam como certo que iria estudar Medicina, para salvar vidas ou descobrir a cura para uma doença fatal. Todos, menos ela, que está como peixe na água a ligar cabos e routers e gostava mesmo era de Engenharia de Telecomunicações e Informática.

No dia em que terminou o mestrado em Engenharia de Telecomunicações e Informática no Instituto Superior Técnico, com média de 18 valores, e rejeitou propostas de emprego para seguir um sonho a dois – Tiago Paiva, seu colega de curso, é outro mentor da startup que ambos criaram em 2011, a Talkdesk –, acharam que estava louca.

Como podia hipotecar assim o futuro? A troco de quê? O facto de aos 26 anos ter uma empresa em Silicon Valley apenas confirma o alcance fora de série da sua visão empresarial. «Éramos jovens, inconscientes e ignorantes. Só sendo corajosos, mas também muito ignorantes, é que nos podíamos ter lançado na ideia de querer mudar o mundo sem nada na mão», diz Cristina, que terminou o curso de Telecomunicações e Informática em 2010 e esteve um ano «a marinar» com Tiago, ambos a poupar ao máximo para investirem em livros e conhecimento online.

“Éramos jovens inconscientes e ignorantes. Por isso lançámos a ideia de querer mudar o mundo sem nada na mão.”

Ao mesmo tempo, exploravam alguns projetos pessoais e davam-se tempo. Sem nervos. À espera, nem eles sabiam bem do quê. “Fomos contactados por empresas e consultoras de topo e recusámos. Cheguei a conhecer o Zeinal Bava em processo de entrevistas para a Portugal Telecom. Disseram-me para escolher o trabalho que queria, que havia vaga para mim, e respondi que não. Ao Tiago, que já trabalhava na Procter & Gamble, ofereceram-lhe lugar nos quadros e ele não quis.”

Os pais, que não percebiam a teimosia dos jovens, desesperavam com o desperdício de intelecto. Os amigos não percebiam. Os professores não percebiam. «Achavam que éramos um caso perdido porque de repente, num curso com cem por cento de empregabilidade, estávamos nós os dois.» Repetiam a toda a hora que não tinham emprego por opção, mas tinham trabalho. Que era uma fase, tudo sob controlo.

Quando participaram num concurso online lançado pela empresa Twilio em agosto de 2011, apostados em ganhar um computador, arrasaram logo a concorrência com a sua Talkdesk – uma plataforma revolucionária que permite criar um call center na cloud (armazenamento de dados em rede, acessível de qualquer ponto do globo) de qualquer empresa, mini ou macro, eliminando o custo excessivo dos call centers tradicionais.

“De forma muito simples, se eu ligar para o meu operador de comunicações, eles sabem quem eu sou, com base no meu número de telemóvel, sabem quando o carreguei a última vez, sabem há quanto tempo sou cliente, se liguei há dois dias ou tenho um problema pendente”, diz Cristina, para quem as coisas estão finalmente a mudar. “Só as grandes empresas conseguiam ter este tipo de software de atendimento – o cliente ligava e tinham à frente tudo o que precisavam de saber sobre ele. Tentámos fazer um software que as pequenas e médias empresas também pudessem utilizar, respondendo a chamadas telefónicas usando apenas o computador, sem custos iniciais nem contratos de longo prazo. Faz toda a diferença para o negócio não saber com quem se está a falar ou, pelo contrário, atender com um “Olá, Diogo, bom dia” e saber-se tudo a respeito daquele cliente.”

Durante dez dias, naquele agosto de 2011, operaram o milagre de transformar um rasgo de imaginação num produto bonito, eficaz, que as pessoas percebiam o que fazia e os enchia de orgulho. “Lembro-me de estar sempre a fazer refresh na página do concurso, a ver se o resultado saía, e com as oito horas de diferença dos EUA soube que tínhamos ganho à uma da manhã de cá. Acordei toda a gente em casa aos gritos.” A partir dali tinham alguma coisa concreta que lhes disseram ter valor, podiam ir realmente longe.

“Já temos clientes como dropbox, fitbit ou a Chevrolet”. E estão a viver um sonho numa espécie de Disneylândia da tecnologia.

“Candidatámo-nos a uma competição de startups em São Francisco, na Califórnia, e entretanto esquecemo–nos disso porque começámos a receber ótimo feedback online da Talkdesk. Passávamos os dias a programar, a ver se fazíamos do nosso protótipo funcional um produto que pudesse ser lançado.” Estavam nestes afazeres quando foram notificados para se apresentar em São Francisco, na quinta-feira seguinte, (era domingo), num concurso contra nove empresas mais experientes do que eles.

“Num dia fizemos logótipo, cartões, página web. Fomos a programar no avião, porque era óbvio que o produto teria alguma aceitação e queríamos lançá-lo no mercado quanto antes. Acordávamos às cinco da manhã para treinar a apresentação.” Por sorte, Cristina não é mulher de se deixar abater por inconvenientes de pouca monta: quem veio de Fátima para Lisboa tirar o curso, porque queria fazer aquilo e mais nada, pôde encaixar a emoção de mais uma vitória. Contou aos pais que iria ficar meia dúzia de meses em Silicon Valley, uma espécie de Disneyland do empreendedorismo.

“A partir do momento em que se tornou óbvio para a plateia que éramos uma equipa capaz de transformar uma ideia num produto vendível, recebemos várias propostas para nos juntarmos a incubadoras de lá, aceitámos a proposta da 500Startups e entrámos num programa de aceleração no final de 2011”, diz. E a coisa está a correr bem: a Talkdesk acaba de angariar 3,15 milhões de dólares (cerca de 2,5 milhões de euros) junto de investidores internacionais e Cristina e Tiago estimam um volume de negócio de três milhões de euros para este ano. “Continuamos a trabalhar na aplicação, mas já temos clientes como o Dropbox, o Fitbit ou a Chevrolet em Portugal, o que só é possível porque fomos aos EUA e voltámos. De repente, deram- -nos valor, os professores e amigos que não acreditavam em nós. Passámos a ser um exemplo.”

Decorrente da necessidade de crescer e montar equipa (a atual tem 25 pessoas, entre os dois países), Cristina regressou sozinha em 2012 para recrutar engenheiros experientes, web designers e pessoal de suporte ao cliente, tão talentosos como os americanos mas sem os custos astronómicos de Silicon Valley. “Neste momento temos escritório cá [Taguspark, Oeiras], e nos EUA [Mountain View] e ambos são importantes. Termos clientes em vários fusos horários equilibra as coisas, mas oito horas de diferença são um desafio.”

Às vezes, Tiago, CEO e responsável pelo contacto com os investidores estrangeiros, telefona a meio da noite com um problema e ficam a queimar as pestanas até à alvorada. “Há quem crie um negócio para ficar rico, mas demora demasiado para a motivação ser essa”, diz a engenheira. “Se a pessoa não gostar mesmo do que faz, se não der tudo, não é possível sobreviver à montanha-russa de se ser empreendedor.”