Viagem aos anos 20 com ‘As Telefonistas’

Os Adisar Estúdios ficam nos arredores de Madrid. Vistos do exterior, parecem escritórios ou armazéns de uma empresa comum mas a verdade é que se trata de um lugar especial, onde a magia acontece. Recebeu-nos Helena Sanchís, a responsável pelo guarda-roupa de ‘As Telefonistas’ (ou ‘Las Chicas del Cable’, nome original), que não esconde o entusiasmo que continua a sentir pelo seu trabalho, muitos anos após a estreia, nos anos 90.

“É sempre um grande desafio”, explica, “e houve pouco tempo para preparar tudo, menos de três meses. Comecei por fazer uma pesquisa em documentos históricos, vi muitas fotografias e filmes da época. É fundamental saber como era um determinado período para poder tomar decisões. Neste caso, foi fácil encontrar soluções para a noite mas difícil no que toca ao vestuário de dia”.


Veja na fotogaleria, em cima, imagens dos figurinos e bastidores da série


Vestidos de noite com pedrarias foram alugados, outros comprados em segunda mão, alguns deles bastante danificados. As peças originais incluem lingerie, visível quando as protagonistas trocam de roupa na companhia de telefones, onde usam uma elegante farda azul. Curioso é saber que, já nessa altura, as mulheres mais “atrevidas” optavam por não usar soutien. Grande parte do guarda-roupa acabou por ter de ser feito com tecidos atuais, aos quais se juntaram bordados e outras peças da época, pela equipa de Helena, constituída por seis pessoas e às vezes reforçada por colaboradores externos.


Leia também: ‘As Telefonistas’: quando a ficção revela a realidade, décadas depois


Definir um visual que reforce a personalidade de cada personagem, com base nas informações transmitidas pelo realizador, é o mais interessante e, ao mesmo tempo, mais stressante. “Espero tê-lo conseguido”, diz, com um sorriso. As quatro protagonistas de As Telefonistas são muito diferentes, o que facilitou a tarefa: “Lidia é enigmática, usa cores mais indefinidas; Ángeles, aparentemente uma mulher feliz, veste mais cor, estampados, tecidos vaporosos; Marga é humilde e veio de um meio rural, portanto usa tecidos mais pobres, como algodão; e a Carlota, uma mulher decidida e mais moderna, cabem vestidos com cortes mais estruturados”.

Lidia, a personagem principal, tornou-se na sua preferida pois teve de a “estudar” melhor mas também se deixou encantar por Marga, a mais diferente dentro do grupo de protagonistas. Complicado foi vestir os atores uma vez que “há menos elementos com que jogar para diferenciar os homens”.

À laia de balanço, Helena Sanchís afirma que foi “especialmente gratificante colaborar uma série sobre a independência das mulheres”. “Deviam fazer-se mais trabalhos destes”, conclui.

Do cenário aos lugares históricos de Madrid
Muitas semanas foram igualmente necessárias para fazer a investigação e construir os cenários. Peças compradas em antiquários e em feiras de velharias ganharam nova vida na pensão que será a casa de Marga, logo no primeiro episódio, assim como nos escritórios e no bar. Neste último surpreende a vista (na verdade um enorme placard reproduzindo edifícios madrilenos) mas também os bolos e outros doces espalhados pelo balcão que dão mesmo vontade de trincar.

Estradas falsas mas feitas de forma a suportar a passagem de automóveis da época; fachadas simuladas com todo o detalhe; escadas com meia dúzia de degraus mas que parecem realmente levar a outro piso; uma cama na vertical, permitindo filmar uma personagem “deitada” sem os inconvenientes visuais da gravidade sobre o rosto e o corpo – é com muita madeira sustentada por banais andaimes que se faz magia. E, como nos truques dos mágicos, o melhor é desconhecer os pormenores para manter o encantamento.

Quem ficar seduzido pelo ambiente da série deverá gostar de visitar estes lugares de Madrid que poderiam ter-lhe servido de cenário:

Hotel Palace
Situado centro da cidade, no denominado Triângulo da Arte – que reúne os três museus mais importantes, Prado, Thyssen-Bornemisza‎ e Reina Sofia – acolheu os primeiros hóspedes em 1912. Da lista dos seus clientes mais famosos constam Albert Einstein, Madame Curie, Pablo Picasso e Ernest Hemingway. Na década de 20 era conhecido pelos seus cocktails, que continuam a ser sugeridos em muitos guias de viagem.

Hotel Ritz
Na mesma zona do Palace, o Hotel Ritz nasceu do empenho do rei Alfonso XIII para que Madrid possuísse uma unidade hoteleira à altura de acolher a nobreza europeia. Abriu em 1910, ao longo dos tempos recebeu muitos representantes de casas reais e outras personalidades internacionais e hoje continua a ser um marco incontornável da cidade. O bar El Hall é um espaço agradável para fazer uma refeição ligeira ao som do piano e imaginar como seria o ambiente nos anos 20.

1862 Dry Bar
Tem apenas cinco anos mas oferece cocktails clássicos como o “White Lady” que as protagonistas bebem na série – e o dono, Alberto Martínez, que trocou a engenharia industrial pela arte de bem fazer estas bebidas, tem todo o gosto em partilhar a receita. O nome homenageia o primeiro livro de coquetelaria da história, The Bon Vivant’s Companion, publicado nos Estados Unidos em 1862, curiosamente o ano de construção do edifício onde se situa o bar (Calle del Pez, 27).

Museo Chicote
Perico Chicote trabalhou como ajudante de bar no Hotel Ritz e foi barman do Pidoux, o mais famoso bar de cocktails de Madrid na década de 20. Em 1931 abriu este espaço que foi frequentado por Ava Gardner, Frank Sinatra, Grace Kelly e muitas outras estrelas mundiais. Fica na Gran Vía e continua a ser uma referência incontornável da cidade.

Restaurante Botín
Fundado em 1725, foi considerado o restaurante mais antigo do mundo no livro dos recordes Guiness de 1987. Uma das referências da cozinha tradicional na capital espanhola, também atraiu personalidades internacionais, nomeadamente escritores, que o mencionam nas suas obras. Ernest Hemingway, por exemplo, era grande apreciador do espaço e tornou-se amigo de Emilio González, pai e avô os atuais proprietários.

Casa Labra
Esta taberna/restaurante existe desde 1860 e faz parte da História por muitos motivos, entre eles o facto de ter sido cenário da fundação do PSOE, Partido Socialista Obrero Español, em 1879. É famosa pelos pratos de bacalhau, incluindo “croquetas” que sabem bem com uma cerveja ou um copo de vinho ao fim do dia. Certamente um dos lugares onde a humilde Marga se sentiria em casa, costuma ter filas à porta portanto convém chegar cedo.