Vigorexia: a obsessão pelo corpo perfeito

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Corpos esbeltos são, desde há muito, sinónimo de juventude, saúde, e beleza. Mas o novo milénio é mais exigente: o físico perfeito é, ainda, essencial à felicidade e realização pessoal, sucesso e influência, além de abrir portas no mercado laboral.

Esta preocupação excessiva com a aparência tornou nas últimas décadas mais expressivas doenças como a anorexia e bulimia, por exemplo, mas foi-se afinando; afinal não basta ser magro e que as roupas assentem que nem uma luva – há que parecer um atleta olímpico, mesmo que a profissão obrigue a oito horas diárias à secretária ou atendimento ao balcão.

Músculos definidos, massa magra em barda e resistência física digna do Rocky, para alinhar em trails de alta intensidade ao fim de semana, sem que na segunda-feira seja visível qualquer vestígio de fadiga, fazem partem do currículo de qualquer profissional de sucesso. A era do Super-Homem e Super-Mulher chegou. Mas se a natureza não nos proveu de tal condição física e horário de trabalho e familiar não o facilitam a sua obtenção, o que ficará, na vida, para trás?

O Delas.pt falou com dois especialistas, João Macedo, instrutor e fundador da box de CrossFit Happy Hour , em Aveiro, e Inês Simão, psicóloga clínica, para nos esclarecerem sobre este fenómeno que, até há pouco popular entre os homens, atinge cada vez mais a população do sexo feminino.
De que falamos quando falamos de vigorexia?

Inês Simão: É o termo utilizado para designar a obsessão por um corpo perfeito. Consiste num transtorno disfórmico muscular, em que a insatisfação com o corpo é constante. Trata-se de uma doença psicológica que leva o sujeito a viver obcecado pela imagem física, tornando-se viciado pelo exercício.

João Macedo: É também uma doença de origem fisiológica, associada a problemas hormonais ao nível dos neurotransmissores do sistema nervoso central. Poderão então estar ainda presentes fatores sociais, culturais e educativos que potenciam este tipo de comportamento obsessivo.

Quais são os sintomas mais comuns?

IS: Os sujeitos que sofrem de vigorexia possuem uma visão distorcida do corpo e, mesmo que a sua tonificação muscular seja saliente, consideram que esta nunca é suficiente. Transformam os seus lares em autênticos ginásios ou passam horas a fio em ginásios, nunca valorizando os sintomas de fadiga ou cansaço. Assim, acabam por sofrer de fraqueza muscular generalizada, acompanhada de cansaço extremo, irritabilidade, insónias e muitas vezes depressão.

Trata-se de um transtorno obsessivo-compulsivo?
IS: Sim, o transtorno de imagem causado por esta doença é semelhante ao dos sujeitos que sofrem de anorexia. Contudo, ainda não é possível afirmar se a principal causa é o vício pelo exercício físico, a compulsão por um tipo físico ideal ou mesmo algum transtorno mental que não permita que o sujeito tenha a perceção exata e real do seu corpo.

Quais são as principais causas?
IS: Como acontece na anorexia, as principais causas da vigorexia estão na maioria das vezes ligadas a problemas de autoimagem, na dificuldade que a pessoa tem em ser aceite ou aceitar-se como é, em lidar com a sexualidade ou até mesmo por ser ou ter sido vítima de perseguições, maus tratos ou abusos.

Como se identifica alguém com vigorexia?

JM: De um modo geral o indivíduo, em prol da atividade física extrema, descuida as suas relações sociais e outros aspetos da vida, para canalizar grande parte da sua energia e do seu tempo ao treino. Esta adição ao exercício anda geralmente associada à ingestão abusiva de proteínas e hidratos de carbono, além da redução drástica de gorduras, acompanhada de toda uma panóplia de suplementos alimentares com o propósito de acelerar o crescimento muscular. Em muitos casos também recorrem a substâncias proibidas, como os esteroides anabolizantes.

Existem consequências imediatas?

JM: Esta dieta desequilibrada associada ao consumo de substâncias nocivas provoca alterações metabólicas severas no organismo que podem conduzir a sintomas como mudanças de humor, cansaço frequente, irritabilidade, ansiedade, lesões, dores musculares e articulares, e em alguns casos conduzir mesmo a situações extremas como depressões e taquicardias.

Existe um perfil comum a todos eles?

JM: De um modo geral, estudos nesta área revelam que este tipo de transtorno obsessivo compulsivo é sobretudo comum em indivíduos do sexo masculino, com idades entre os 18 e os 35 anos e residentes em meios urbanos. Estes mesmos estudos apontam para uma incidência desta patologia em 5 a cada 10.000 pessoas e antecipam que nos próximos anos o número tenderá a aumentar consideravelmente, dada a relevância que se dá ao corpo sobretudo na faixa etária acima referida. Estranha e incompreensivelmente, a patologia ainda não é reconhecida pela comunidade médica internacional.

IS: A pressão cultural para atingir de um corpo perfeito e uma sociedade cada vez mais virada para a aparência e para o exterior são considerados elementos fundamentais da etiologia dos transtornos alimentares.

Como é possível ajudar? A abordagem não deve ser fácil…

JM: O tratamento deve ser multidisciplinar para que as hipóteses de sucesso sejam elevadas. De todas as intervenções, aquela que parece ter maior êxito é a psicoterapia. Contudo, é raro um indivíduo que sofra desta patologia procurar ajuda, porque, ou não reconhece esse transtorno em si, ou no caso de ter consciência dele não tem intenções de ser ajudado, por saber que caso optasse por essa via se distanciaria do corpo que idolatra.

IS: Mais uma vez, saliento o facto desta doença ser considerada obsessivo compulsiva, passando a ajuda/tratamento pela realização de psicoterapia como forma de ir trabalhando o sentimento de inferioridade, a baixa autoestima e a péssima relação com o próprio corpo. Posteriormente, os pacientes deverão ainda se necessário ser acompanhados pelo médico de clínica geral e/ou psiquiatra, além de nutricionista para monitorização e tratamento de possíveis efeitos negativos no organismo.

Há quem diga que o Crossfit veio dar alguma forma a esta disfunção…

JM: É com alguma surpresa que ouço esse tipo de associação. Não ponho de lado a hipótese de haver uma minoria de clientes, que entre outros objetivos, tem como principal aquele que caracteriza os indivíduos com vigorexia. No entanto, pela minha experiência e partilha diária com os alunos, penso que a sua principal motivação para treinar está relacionada com o facto do Crossfit seguir uma metodologia que tem como “inimiga” a rotina, e visar um desenvolvimento funcional e global da pessoa tanto a nível psicológico (pela superação e desafios que este impõe), como físico, por potenciar as capacidades físicas que são reconhecidas ao ser humano.

Mas o treino de Crossfit transforma-nos por vezes em autênticos Adónis!

JM: Para finalizar esta questão, importa realçar que o tipo de pessoas que apresenta este transtorno dismórfico muscular ou Síndrome de Adónis, quando seleciona um treino que o ajude a alcançar esse corpo massivo e musculado, opta exclusivamente por um treino hipertrófico, ou seja que promova um crescimento constante e progressivo dos músculos, e no qual a ênfase na componente cardiovascular é praticamente nula, pela preocupação/obsessão em não “queimar” aquilo que tanto trabalho dá a construir: músculos e mais músculos.
Ora, sendo o Crossfit uma modalidade que valoriza e inclui diariamente na sua metodologia a capacidade aeróbia, não é preciso muito para facilmente concluir e predizer que estas pessoas dificilmente optarão por este tipo de treino em detrimento daquele mais comum nestes casos, o Culturismo, em que o tamanho e a simetria são a principal preocupação dos seus praticantes.

Estudos dizem-nos que as mulheres são cada vez mais afetadas. Porquê?

IS: A mulher está cada vez mais inserida no mercado de trabalho e a assumir papéis antes considerados tipicamente masculinos. Apesar disso, não descurou a aparência e saúde. Pelo contrário, corre cada vez mais o perigo de cair em exageros tanto no que toca à prática do exercício físico, como no uso dos recursos estéticos, dada a exigência que já existe no mercado laboral nesse sentido.
Se antes havia uma maior preocupação dos profissionais de saúde em incentivar as mulheres a fazer exercício físico, hoje em dia a maior preocupação é levá-las a praticá-lo corretamente e de forma não obsessiva. Por outro lado, o exercício passou também a ser utilizado para relaxar ao fim do dia e pode tornar-se um vício. As mulheres agora exigem melhores resultados e competem muitas vezes com os homens dentro dos ginásios!