Na cama com o inimigo: tudo o que precisa saber sobre VIH e tem vergonha de perguntar

a psicoterapeuta Catarina Mexia e da sexóloga Vânia Beliz

A transmissão sexual está na origem de cerca de 90% dos novos casos de infeção por VIH. Como evitar o contágio? Ricardo Fernandes, diretor de serviços na Associação Positivo e diretor executivo do GAT, explica como pode proteger-se em relações a dois ou a três (ou mais…), hetero ou homosexuais, ocasionais ou estáveis, com recurso a brinquedos ou sem “extras”.

Um casal conhece-se e vai para a cama. É mesmo obrigatório usar preservativo?

Sim, especialmente em relações sexuais ocasionais. Mesmo num relacionamento com algum tempo, se se desconhece o estatuto serológico do parceiro/a, isto é, se tem VIH ou não, deve usar-se sempre preservativo.

Durante os preliminares, o contacto entre órgãos genitais permite a transmissão da doença?

Sempre que há contactos entre mucosas e fluidos sexuais há possibilidade de transmissão, embora seja mais alta durante a penetração. Além disso, existem outras infeções sexualmente transmissíveis (IST) que são ainda de mais fácil contágio pelo que é melhor prevenir.

Em que momento deve o preservativo ser colocado?

Antes de haver qualquer contacto com os órgãos sexuais do/a parceiro/a.

Não se pode “brincar” um bocadinho antes da penetração “total”?

Sim, pode… mas sempre com preservativo!

Há quem opte por tirar o preservativo e ejacular “para fora”. Isso pode ter consequências?

Depende onde é o “para fora”: se for em cima dos órgãos genitais do/a parceiro/a ou, por exemplo, na cara, o esperma pode entrar em contacto com a mucosa. O risco não é tão grande como na penetração mas existe.

O sexo anal requer cuidados especiais?

Sem preservativo é o comportamento mais arriscado no que à transmissão da infeção pelo VIH diz respeito, para ambos os parceiros, mas especialmente para quem é penetrado. A mucosa anal é a mais fina quando comparada com a oral e vaginal, rompe mais facilmente e cria microfissuras, pelo que os vírus, neste caso o VIH, têm mais facilidade de chegar à corrente sanguínea e infetar.

Qual é o risco do sexo oral?

É muito baixo, especialmente se for sem ejaculação na boca. Sabemos, no entanto, que se houver feridas não cicatrizadas na boca, uma Infeção Sexualmente Transmissível (IST) ativa ou ainda herpes, a pessoa estará mais suscetível a infetar-se pelo VIH. Cabe a cada um avaliar e decidir se quer ou não correr esse risco reduzido e usar ou não preservativo. Um dado importante: no sexo oral só corre risco quem o faz, ou seja, quem recebe o órgão do parceiro na boca. Para as outras IST o risco é igual para ambos.


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E do sexo oral entre mulheres?

Existem muito poucos casos reportados de transmissão do VIH por via sexual entre mulheres homossexuais. Isso deve-se sobretudo à anatomia sexual da mulher pois o órgão feminino é sobretudo interno. A melhor proteção é cobrir a vagina/clítoris da parceira com um material que faça de barreira. Pode ser utilizada película aderente (sim, aquela de cozinha para embrulhar sandes!) ou, se se quiser ter um pouco mais de trabalho, cortar um preservativo para fazer um quadrado de látex.

Usar brinquedos sexuais requer regras de prevenção?

Por princípio não devem ser partilhados. Se para uso próprio devem ser lavados com água quente e sabão, quando são partilhados devem ser sempre cobertos por um preservativo e/ou desinfetados com álcool isopropílico (propanol), disponível nas drogarias. Este desinfetante é importante sobretudo em brinquedos com materiais que sejam porosos e absorvam, como é o caso dos cordões das bolinhas chinesas, ou em couro, como os chicotes.

No sexo a três (ou mais) é preciso mudar de preservativo para cada “utilizador”?

Sim, é aconselhado usar sempre um preservativo novo em cada relação sexual, seja com um parceiro diferente ou com o mesmo. Por exemplo, não deve usar-se o mesmo preservativo da penetração vaginal na penetração anal.

Os preservativos são caros mas há formas de os obter gratuitamente, não é?

Sim, junto de associações que trabalham na área da saúde sexual ou do VIH e SIDA e nas consultas de planeamento familiar dos Centros de Saúde. Também existem alguns bares e clubes que dispõem de distribuição gratuita.

É preferível usar preservativos “extra seguros”? Ou são basicamente todos iguais e divulgados com marketing diferente só para vender?

Um preservativo simples com a marca CE é suficiente para proteger as pessoas das IST porém, em alguns casos, poderá ser necessário um preservativo diferente. São pensados para um tamanho de pénis médio, o que pode não ser o mais indicado para alguns cavalheiros. Se for pequeno demais poderá ser mais propício a rebentar pois está em maior tensão; no caso contrário, em que o preservativo é grande demais, pode deslizar e sair completamente, colocando em risco ambos os parceiros. Os mais espessos foram pensados para o sexo anal pois, por vezes, a fricção é maior e as fezes podem conter partes mais sólidas que promovam o rebentamento. Existem também algumas versões de preservativos que servem para atenuar o desconforto ou para estimular mais: mais finos para aqueles que preferem não o sentir tanto, com estrias para estimular mais, com sabores para facilitar o sexo oral, etc.

Há quem se queixe de que os preservativos rebentam. Na maior parte das vezes é porque são mal colocados, não é?

Sim, a maior parte dos rebentamentos deve-se à má colocação ou conservação dos preservativos. O preservativo deve ser conservado num local fresco, nunca dentro do carro ou na carteira. E, claro, convém verificar a data de validade.

Como colocar:

* Apertar a embalagem: se fizer o efeito de balão quer dizer que não está danificada e o preservativo está bem conservado.

* Abrir a embalagem pelo canto ou ao centro com os dedos (não usar tesouras, nem dentes… e cuidado com as unhas);

* Colocar o preservativo na glande do pénis ereto;

* Apertar o depósito na extremidade para tirar o ar e mantê-lo apertado;

* Desenrolar o preservativo até à base e verificar que o depósito está sem ar;

* Depois da relação sexual tirar o preservativo com cuidado para não verter, dar um nó e deitar no lixo.

Os preservativos femininos ainda existem? Algumas mulheres não gostavam deles porque faziam barulhos…

Existem e podem ser encontrados nas associações que trabalham na área. Em relação aos barulhos… mesmo sem preservativo ou com o masculino acontecem e as pessoas não deixam de fazer sexo por isso!

Fazer sexo sem preservativo é uma espécie de roleta russa, considerando que pode bastar uma vez para o contágio se dar?

Sim, basta uma vez para haver uma infeção pelo VIH. Se se desconhece o estado do parceiro em relação à infeção pelo VIH é ainda mais arriscado.

Em casais com relacionamentos estáveis, só deve ser abolido depois de ambos fazerem análises?

Essa seria a solução ideal: ambos fazerem os testes duas vezes e só depois abolirem o preservativo com base numa relação de confiança e continuando a fazer testes de forma regular.

Casais estáveis que optam por usar sempre o preservativo podem ser considerados “paranoicos”?

Se uma relação for baseada na confiança, se se falar sobre este assunto e se os parceiros/as fizerem testes regulares, em princípio está-se mais seguro mas o preservativo é a única forma eficaz de evitar a infeção.