Vozes femininas no deserto: “Vê-se mesmo que quem está ainda a dormir são os gajos…”

A primeira noite de sono no bivouac durou pouco menos de três horas. Montar uma tenda quase no escuro às duas da manhã não é tarefa fácil. São dezenas e dezenas de pequenos igloos encostados uns aos outros. Tão encostados, que depressa se desfaz o mito de que as mulheres não ressonam…

Encontrar espaço não foi complicado, o pior foi mesmo evitar acordar as concorrentes e os mais de 200 membros da organização. Resultado: a tenda ficou montada sem estacas, ao sabor do vento que soprou toda a noite, trazendo areia para todos os recantos e abanando este parque de campismo no deserto do Erg Chebi, no sul de Marrocos, bem perto de Merzouga.

Duas horas de sono depois, ecoou uma voz feminina na noite. Em francês: “são quatro da manhã, vamos levantar”. Uma e outra vez até ter resposta das “campistas”. A partida da primeira etapa estava marcada para as seis, mas ainda havia muito para preparar. Tentei ficar mais uma hora no saco-cama, mas aquela voz não parava de repetir a ordem de despertar. “Vê-se mesmo que quem está ainda a dormir são os ‘gajos’…”, ironizava para gargalhada das mulheres participantes. Este mundo é mesmo delas.

O pequeno-almoço comunitário fez-se de café de saco, ovos, pão, panquecas marroquinas e compotas caseiras. Tudo engolido a grande velocidade porque a primeira fila de jipes e quads já estava alinhada para partir em direção ao primeiro ponto de controlo. Elisabete Jacinto e France Clèves foram das primeiras a chegar, mas aqui o que importa é poupar metros, seguir em linha reta o máximo possível. No fim, as vencedoras serão as que marcarem menos dígitos no conta-quilómetros. Na lista de participantes há mulheres com as mais diversas proveniências. Tão depressa se encontra a filha de um antigo presidente do Senegal como mãe e filhas norte-americanas que competem em equipas diferentes.

Elisabete Jacinto, a geógrafa que trocou o globo da sala de aulas por percorrê-lo ao volante, surge sorridente em mais um ponto de controlo – hoje são nove. Um grupo de portugueses da zona de Pegões anda por estas paragens em passeio com os seus jipes. Quando percebem que a piloto portuguesa está a participar no Rallye des Gazelles querem saber mais sobre a prova. Mal a veem aproximar-se, mudam os planos de seguir viagem e esperam. Querem tirar uma fotografia com Elisabete Jacinto e desejar-lhe boa sorte. Ao início da noite se verá se a sorte e a perícia a colocaram em boa posição.