The Post: esta foi a mulher que mudou os media

Meryl Streep volta a dar vida a uma figura real, no cinema. Em ‘Post’, que estreia nos cinemas nacionais, na próxima quinta-feira, 25 de janeiro, a atriz interpreta Katharine Graham, magnata americana nascida em 1917 e antiga proprietária de um grupo de media onde se inclui um dos jornais mais importantes do mundo, o Washington Post.

É precisamente no momento de viragem na história dessa publicação, e que dá início à sua reputação atual, que se centra este filme, realizado por Steven Spielberg e co-protagonizado por Tom Hanks, no papel do editor Ben Bradlee.

Meryl Streep representa Katharine Graham, publisher do Washington Post, e Tom Hanks, o editor Ben Bradlee. A ação passa-se nos anos 70, durante o escândalo da publicação dos Pentagono Papers

Estamos em 1971 e a guerra do Vietname arrasta-se. O descontentamento sobre o conflito que mobiliza milhares de jovens americanos – e os envia para a morte – cresce na opinião pública e nas ruas de uns Estados Unidos da América governados pela dureza do presidente Richard Nixon. Ao mesmo tempo, nos jornais começam a surgir as provas de que o que é dito e o que é real não batem certo. O ‘The New York Times’ publica uma série de documentos secretos que revelam a adulteração de factos, por diferentes presidentes, sobre o desenvolvimento do conflito naquele país asiático. A liberdade de imprensa bate de frente com a segurança nacional e a Casa Branca e os tribunais proíbem a publicação de mais conteúdos pelo jornal nova-iorquino, até decisão em contrário. É a oportunidade para o Washington Post sair de um marasmo de irrelevância jornalística enquanto tenta cativar os investidores para permanecer à tona financeiramente. E são todos esses desafios que vão pôr definitivamente à prova a capacidade de liderança de Katharine Graham, que acabara de ocupar o cargo de publisher do grupo, sem qualquer experiência e apenas porque o marido morrera.

A revolução que acontece no Post com a publicação daqueles que viriam a ser chamados de Pentagono Papers – um estudo secreto sobre a guerra do Vietname -, é simultaneamente uma revolução no jornalismo, mais independente do poder político, mas acima de tudo na vida de Katharine Graham e, por arrasto, no papel da mulher nos media, como pode ver na fotogaleria em cima.

Insegura e impreparada para o negócio, e conhecida sobretudo como socialite, Kay, como era tratada pelos mais íntimos, assume o lugar de publisher em 1963 para manter o legado da família, proprietária do Post e de outros meios de informação, após o suicídio do marido.

Tinha sido a Philip Graham, antigo funcionário do Supremo Tribunal, que o seu pai, fundador do jornal, tinha decidido passar o testemunho. Era a ordem natural das coisas, à época, como a própria Khatarine, que se formou em jornalismo e chegou a trabalhar num jornal em São Francisco, veio a escrever mais tarde na sua biografia, ‘Personal History’. “Nenhum homem devia estar na posição de trabalhar para a sua mulher”, ter-lhe-á dito o pai. Para Katharine isso, na altura, não só fazia sentido, como lhe permitia continuar tranquilamente a sua vida de esposa, mãe e socialite, recebendo a elite de Washington em festas memoráveis.

Esses contactos com a elite política não lhe serviriam de muito quando começou a tomar as rédeas ao do Post. Pelo contrário, a publicação dos Pentagono Papers provaria a impossibilidade de compatibilizar algumas das suas amizades com os interesses jornalísticos do grupo que dirigia.

Meryl Streep foi nomeada para o Globo de Ouro de Melhor Atriz, por The Post. Fotografia: Niko Tavernise

Esses desafios exigiram uma resposta contundente de Katharine Graham, que apesar das inseguranças iniciais acabou por estar à altura dos acontecimentos e, em muitos casos, de os antever. A sua visão de qualidade e excelência para o Washington Post foi cumprida, e ao mesmo tempo a perceção de si própria e enquanto mulher também foi mudando.

Superar a condição “frágil” de mulher num mundo de homens

Nos primeiros tempos de publisher, a sua insegurança levou-a frequentemente a não decidir antes de saber a opinião de todos e tentar não desagradar àqueles que a rodeavam.

“Oh, isso condicionou-me muitas vezes, mas isso – muito disso – tende a ver com a bagagem das mulheres, e ainda permanece até um certo ponto”, admitiu, em 1997, numa entrevista ao programa de rádio, ‘Fresh Air’, da estação NPR.

Na mesma entrevista explicou como é que essa “bagagem” comprometeu mesmo a sua capacidade de liderança. “A forma como isso afetou o meu desempenho é que eu não conseguia falar, eu ouvia toda a gente, e agora acho que devíamos fazer isso. Eu tinha que ter toda gente a concordar com o que quer que fosse. E se alguém não concordasse, eu dava a volta, implorando que vissem o meu ponto de vista. E isso era uma maneira muito fraca de ser líder.”

Sem perder a ligação às elites e às classe dominantes, Katharine Graham começou a olhar para o papel da mulher noutras condições sociais e a aproximação ao movimento feminista acabou por chegar, sobretudo, através da amizade com Gloria Steinem. Mas foi a sua entrada no mundo dos negócios que a levou a olhar pela primeira vez para as limitações do papel da mulher na sociedade.

“Tem-se certamente mais consciência dos problemas das mulheres nos locais de trabalho e da necessidade de ter mais mulheres nos locais de trabalho. Fez-me estar mais consciente do preconceito nas notícias, tal como alguém ser descrito como uma avó de 58 anos. E percebi que tinha de fazer alguma coisa e tentar melhorar as coisas na empresa. Nem sempre fui bem-sucedida, porque não sabia como abordar certas situações. Não sabia como me apoiar em pessoas que estavam a fazer um trabalho maravilhoso mas que eram homens grosseiramente chauvinistas e conseguir fazer com que me entendessem”.

Sob a direção de Katharine Graham, que foi CEO até 1991 – dez anos antes da sua morte – o grupo do Washington Post não só ganhou notoriedade como atingiu lucros de milhões de dólares.

Veja o trailer:

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