17 atitudes a cumprir se acolher refugiados em casa, segundo os psicólogos

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[Fotografia: Angelos Tzortzinis / AFP]

Mês e meio depois do início da invasão da Ucrânia por parte da Rússia são mais de quatro milhões os refugiados que fogem da guerra. O apoio que tem sido dado e após múltiplas viagens para ir buscar quem deixa tudo para trás, é importante perceber como os receber, respeitando e ajudando-os a fazer frente às suas múltiplas vulnerabilidades.

A Portugal, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) indicou, numa nota à imprensa emitida na terça-feira, 5 de abril, que admitiu 28.243 pedidos de proteção temporária de cidadãos ucranianos e estrangeiros que residem na Ucrânia, dos quais 10.051 são de menores.

Mas como acolher quem chega da guerra, dando verdadeiro apoio e segurança a quem chega?. A Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP) publicou, no mesmo dia, um guia com dados e comportamentos essenciais a ter em conta e cumprir para melhor acolher os refugiados que chegam deste conflito. A entidade estima que “é expectável que uma em cada cinco pessoas refugiadas possa desenvolver problemas de Saúde Psicológica”, pelo que o papel “é facilitar que acedam ao apoio psicológico de que necessitam para recuperar”.

Em comunicado, fonte oficial da OPP lembra que além da tomada de consciência do passo que se vai dar a acolher quem chega nesta particulares condições, é importante “preparar os filhos”, caso eles componham o agregado, “conversando e envolvendo-os no processo de preparação do acolhimento”. “No dia da chegada, devemos mostrar que [os refugiados] são bem-vindos, mas também respeitar o seu espaço”, recomenda.

É importante definir regras como, por exemplo, “o funcionamento geral da casa, a organização da cozinha/refeições, a utilização da casa de banho, a utilização de televisão/computador e a privacidade”, lê-se no documento.

Já durante a estadia, “é importante ir acompanhando e encontrando um equilíbrio”. A OPP “propõe que se dê espaço, respeite a privacidade, mostre flexibilidade, valide emoções, proporcione oportunidades para que se expressem e se sintam úteis, aprenda sobre a cultura das pessoas refugiadas e se partilhe a nossa cultura e língua”, recomenda. A entidade pede ainda especial atenção a “sinais de risco intensos ou mal-estar psicológico e, caso não esteja a correr bem, deve-se ligar para a linha de apoio do SNS 24”.

 

[Fotografia: Angelos Tzortzinis / AFP]
Para lá destas indicações, o guia elenca 17 atitudes e comportamentos para, caso possa, ajudar da forma mais próxima e capaz quem precisa. Veja abaixo os pontos referenciados pelos especialistas e que reproduzimos na íntegra.

Dar tempo e espaço

“As pessoas refugiadas podem ter dificuldade em adaptar-se a uma nova realidade, rotina e habitação. Podem preferir passar o tempo sozinhos/as ou não partilhar as refeições. Por vezes, isso representa uma tentativa de manter a sua independência; outras vezes, apesar dos nossos esforços para os deixar à vontade, podem sentir-se um fardo ou envergonhados/as. Também lhes pode ser difícil sentirem-se tranquilos e relaxados, face ao stresse que as situações pelas quais passaram e aquela que estão a experienciar, provoca”

Respeitar a privacidade

“Podemos ser simpáticos e acolhedores, sem sermos intrusivos. Por exemplo, não devemos forçar as pessoas refugiadas a falar sobre as suas experiências. Algumas quererão falar, outras não. O mais importante é mostrar-nos disponíveis para ouvir ou ficar em silêncio, respeitando o espaço da pessoa refugiada e dando-lhe tempo para recuperar . Também é importante que as pessoas refugiadas possam relaxar ou passar tempo em família em privacidade – identificar áreas da casa onde possam fazê-lo, pode ajudar. Dar espaços às pessoas refugiadas para poderem recolher-se ou socializar conforme se sentirem melhor.

Mostrar flexibilidade enquanto todos se ajustam e aprendem novas rotinas e expectativas

“Podemos perguntar, quer aos membros da família que acolhe, quer às pessoas que acolhemos, o que podemos fazer que as faça sentir mais confortáveis. Nunca devemos explorar de forma profunda as experiências e memórias traumáticas das pessoas refugiadas. Essa situação pode gerar grandes níveis de ansiedade e sofrimento que só um Profissional, como um Psicólogo ou Psicóloga, está preparado para gerir e ajudar a ultrapassar.

Validar emoções

“É natural que, mesmo estando agradecidas, as pessoas refugiadas sintam saudades da sua família e da sua casa, que estejam preocupadas e receosas, que estejam a fazer o luto pelas suas perdas, que se sintam revoltadas e zangadas, que estejam desesperançadas. É natural que continuem a sentir-se inseguras, que estejam a perguntar-se “porque é que isto me está a acontecer?” ou “o que vai acontecer agora? O que vou fazer?”.

Proporcionar oportunidades para que se expressem

“Mesmo quando existe a barreira de uma língua que não partilhamos, existem outras estratégias para nos expressarmos e conectarmos com os outros, partilhando as experiências que não conseguimos traduzir em palavras. Por exemplo, podemos desenhar, realizar trabalhos manuais ou fazer desporto em conjunto”

Proporcionar oportunidades para que se sintam úteis

“Por exemplo, realizar algumas tarefas domésticas ou cozinhar. Ter algo para fazer e manterem-se ocupadas também pode ajudar as pessoas refugiadas a gerir a sua ansiedade e preocupação”

Convidar

“Em vez de pressionar as pessoas refugiadas para fazer coisas que podem não querer ou para as quais podem ainda não estar preparadas é melhor fazer convites, em vez de afirmações (que podem ser interpretadas com obrigações). Por exemplo, “querem jantar connosco?” (em vez de “Hoje jantamos todos juntos”) ou “vamos jogar futebol, gostariam de vir connosco?” (em vez de “vamos jogar futebol”)”

Aprender sobre a cultura das pessoas refugiadas

“As pessoas refugiadas não têm, na sua maioria, uma data de regresso à sua casa – e isso pode ser muito desafiante de gerir. Podemos aumentar o seu sentido de pertença aprendendo sobre a sua cultura e tradições, mostrando-nos disponíveis e interessados em ouvir as suas histórias e experiências. Esta troca cultural permite apoiar as pessoas refugiadas nas dificuldades identitárias que se colocam perante uma migração forçada”

Partilhar a nossa cultura

“Algumas pessoas refugiadas adaptam-se mais rapidamente e desejam passar tempo com quem os acolhe. Alguns podem gostar que lhes mostremos os principais locais, atividades e eventos sociais que existem na área. Podemos também explicar as nossas tradições e hábitos, música e gastronomia, facilitando assim a sua integração”

Apoiar na resolução de processos legais, logísticos e burocráticos

“As pessoas refugiadas podem precisar de ajuda com processos legais, logísticos ou burocráticos, como a procura de emprego, habitação ou oportunidades educativas, ou como a abertura de uma conta no banco e uma ida ao médico. Um dos papéis importantes que podemos desempenhar quando acolhemos pessoas refugiadas é facilitar esta articulação com os serviços e apoios disponíveis, oferecendo informação e ajudando a ultrapassar barreiras linguísticas e administrativas.”

Ajudar na aprendizagem da língua

“Apoiar a aprendizagem da língua portuguesa pode ser outra tarefa importante do dia-a-dia, bem como ajudar a interpretar formulários ou emails. Para ultrapassar as barreiras linguísticas podemos utilizar uma segunda língua, se ela existir (por exemplo, inglês) ou recorrer a sistemas de tradução simultânea (áudio e escrita), através da utilização da internet”

Proporcionar estabilidade, rotinas e um sentido de “normalidade”

“É importante tentarmos criar um ambiente de segurança e equilíbrio, com rotinas. O acesso das crianças e jovens à educação e ao emprego, no caso dos adultos, é fundamental para esta sensação. Devemos ainda respeitar a sua capacidade para tomar decisões e gerir a situação. Permitir o desempenho dos papéis habituais das pessoas refugiadas (por exemplo, cozinhar o jantar para os filhos/as) também pode ser uma forma de gerar uma sensação de controlo. Bem como, celebrar dias e rituais especiais de acordo com a sua cultura”

Incentivar a interação entre crianças e jovens

“As crianças e jovens que acolhem outras crianças e jovens refugiadas podem ficar contentes por ajudar, mas também sentir algum receio de perder a atenção dos pais. No entanto, na maior parte dos casos, revelam uma grande facilidade de comunicar e demonstrar afecto, constituindo um factor determinante da integração das crianças e jovens refugiadas na comunidade. As crianças e jovens refugiadas podem chegar com medos, inseguranças e timidez, sentindo muitas saudades dos seus familiares e amigos. A convivência com outras crianças e jovens ajuda a aliviar a tensão e a ansiedade, bem como a expressar emoções, contribuindo para a sensação de normalidade e segurança. A experiência de acolher pessoas refugiadas tem um potencial muito positivo quer para as crianças e jovens que são acolhidas, quer para as crianças e jovens que acolhem (que ganham novos amigos/as, sensibilidade à diversidade cultural e à tolerância)”

Facilitar a manutenção do contacto com familiares e amigos

“Podemos ajudar as pessoas refugiadas a reestabelecer as suas redes de apoio, facilitando os contactos com familiares e amigos – através das redes sociais ou de contactos telefónicos, por exemplo”.

Monitorizar a Saúde Psicológica e o Bem-Estar

“É bastante provável que as pessoas refugiadas tenham passado por situações traumáticas e precisem de ajuda psicológica para recuperar. É importante estar alerta para alguns sinais de alerta que implicam a procura de ajuda profissional (por exemplo, incapacidade para cuidar das suas necessidades básicas, não conseguir dormir, consumo problemático de álcool, comportamentos agressivos, alterações de humor, ansiedade constante). Nestes casos #UmPsicólogoPodeAjudar. Ligue para o Serviço de Aconselhamento Psicológico da Linha SNS24 – acrescentar valência específica dos refugiados, se já houver.”

Dar o nosso melhor

“A experiência de acolhimento pode ser emocionalmente intensa para todos/as. Não falte à verdade nem faça promessas que pode não conseguir cumprir. É importante sermos pacientes com as pessoas que acolhemos, mas também connosco próprios. Todos estarão a tentar adaptarse a uma nova realidade e estabilizar leva tempo.”

Praticar o autocuidado

“Não nos devemos sentir culpados ou envergonhados por tirarmos tempo para nós – para respirar, para nos focarmos noutras relações, para fazermos atividades de lazer. Neste momento, é ainda mais importante que cuidemos de nós, para também podermos ser capazes de cuidar da nossa família e das pessoas refugiadas que acolhemos. Autocuidado implica respeitar as rotinas de sono e descanso, manter uma alimentação saudável, fazer atividade física regularmente, envolvermo-nos em atividades de lazer, prestar atenção aos nossos sentimentos e necessidades, falar sobre o que nos preocupa ou angustia, encontrar significados e propósitos para a nossa vida, alimentar relações positivas com familiares e amigos e procurar ajuda, sempre que necessário.”