2017: Estado adiantou mais de 220 euros por mês a vítimas de violência doméstica

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[Fotografia: Shutterstock]

Entre janeiro e setembro de 2017, foram alocados cerca de 200 mil euros para casos de violência doméstica dos 694.795 mil pagos em indemnizações, isto é, adiantamentos que o Estado faz às vítimas de crimes em situação de carência.

Um valor global aplicado a 174 processos de crimes violentos, dos quais 147 foram devidos a casos de violência doméstica, que foram apreciados pela Comissão de Apoio às Vítimas de Crimes (CPVC), entidade estatal que presta apoio financeiro e psicossocial a vítimas e logo que o processo dê entrada da comissão.

Ainda de acordo com os elementos fornecidos pela CPVC e por fonte oficial do Ministério da Justiça, nos três primeiros trimestres deste ano “deram entrada 135 processos de violência doméstica” – em 2016 foram 197 -, tendo sido atribuídas “indemnizações em 147 casos de violência doméstica (alguns casos transitaram dos últimos 15 dias de 2016) e em 27 casos de crime violento”.

147 casos de violência doméstica receberam 1/3 do montante entregue até setembro de 2017. O restante foi avançado a vítimas de 27 crimes violentos

Contas feitas pelo Delas.pt e tendo por base os dados aproximados fornecidos pela Comissão, cada vítima de agressões no seio da intimidade que pediu adiantamento ao Estado este ano, recebeu cerca de 226 euros por mês, ao longo de um semestre. Carlos Anjos, presidente da entidade, não avança, contudo, valores. “É difícil fazer uma média de cada apoio porque o limite máximo é o valor do Salário Mínimo Nacional [SMN e que está fixado atualmente em 557 euros].”

“Se as vítimas já tiverem outro tipo de rendimento, como por exemplo o subsídio de desemprego, doença ou Rendimento Social de Inserção [RSI], a Comissão cobre a diferença entre o que aquela vítima em concreto recebe e o valor do SMN. Por isso, é difícil fazer uma média, pois ela certamente não reflete aquilo que se dá a cada pessoa”, refere Carlos Anjos..

O valor adiantado pela CPCV este ano já suplanta o total pago em 2016. Olhando em concreto para as indemnizações avançadas no âmbito de processos de violência doméstica, foram apoiadas, também no ano passado, 177 vítimas no âmbito de 175 processos, tendo auferido, cada uma e em média – diz o relatório anual da entidade -, 190,96 euros por mês e ao longo de um semestre (o que perfaz um total de mais de 202 mil euros).

Vítimas em casas-abrigo beneficiam com “processo acelerado”

Ao que o Delas.pt pôde apurar junto de entidades que usualmente solicitam estes apoios em nome das vítimas, “o tempo de espera entre o pedido e a entrega da primeira mensalidade ronda os dois meses“. O presidente da CPVC, Carlos Anjos, fala em prazos mais curtos. “Nos processos de violência doméstica a Comissão, regra geral, está a responder a um mês“. Ou seja, “a vítima começa a receber cerca de um mês e meio depois de apresentar o pedido. Por vezes, pode ser um pouco mais rápido se o pedido vier bem estruturado ou demorar mais se existirem incoerências ou dúvidas sobre algum aspeto”.

Para Carlos Anjos, “dificilmente pode ser mais rápida [a atribuição], pois a Comissão reúne duas vezes por mês, já que a maioria dos seus membros não está a tempo inteiro, bem como é necessário confirmar alguns elementos, normalmente junto da Segurança Social”.

Estar em casas-abrigo pode agilizar o processo, refere o presidente da entidade. Nestes casos, “a esmagadora maioria das informações necessárias, foi já reunida, pelo que o processo é acelerado. Mas tendo em conta que é necessário tratar do processo de libertação da verba junto do Ministério das Finanças, dificilmente o prazo pode ser inferior a um mês, até para haver segurança na decisão”, acrescenta.

No que diz respeito à violência doméstica e segundo dados deste ano, “83% dos pedidos têm origem em casas-abrigo, Organizações Não-Governamentais, Instituições Privadas de Solidariedade Social e associações de apoio a vítimas” daquele tipo de crimes.


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Já na categoria da criminalidade violenta, “61% dos pedidos são feitos pelos advogados das vítimas e 15% são feitos pelo próprio Ministério Público, em casos em que as vítimas são menores de idade”, referem as mesmas entidades ao Delas.pt.

Menos dinheiro com prorrogação e fim do apoio mediante reatamento com o agressor

Este dinheiro antecipado pelo Estado (cujo pedido tem de ser consultado e submetido aqui) só tem lugar quando, refere a lei, se verifique que a vítima, decorrente do crime e ainda antes do sistema judicial concluir o processo, fica numa situação de grave carência económica.

Trata-se de um adiantamento monetário mensal – atribuído durante seis meses e que pode ser prorrogado em situações excecionais por mais meio ano – para as pessoas cujos rendimentos ou prestações sociais se situem abaixo do salário mínimo nacional (SMN), atualmente fixado em 557 euros mensais. Assim sendo, a vítima terá direito à diferença entre o que recebe mensalmente e o valor do SMN.

Porém, há diferenças. “Na primeira atribuição, por norma o valor é mais alto, pois as vítimas estão mais fragilizadas, às vezes sem qualquer tipo de rendimento”, explica Carlos Anjos. O presidente da CPVC explica que “quando existe prorrogação, essa premissa altera-se, pois por norma, foi-lhes [às vítimas] já atribuído o Rendimento Social de Inserção“.


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Mas há mais regras: a possibilidade de submeter o pedido caduca ao fim de um ano a contar da data dos factos, embora o Ministério Público possa alterar este prazo. Porém, só mediante justificação do porquê da não formulação do pedido em tempo útil. Caso existiam alterações na situação sócioeconómica, elas devem ser comunicadas, podendo influenciar a decisão já proferida.

Aliás, Carlos Anjos fala destas realidades. “Existem ainda outros casos, onde felizmente, durante o período de concessão do apoio, a vítima consegue ingressar no mercado de trabalho, suspendendo-se o pagamento ou, então, também acontece muitas vezes, a vítima decide regressar para o agressor e reatar a relação e também aí se suspende o pagamento”, esclarece.

“Apoio existe apenas em Portugal”

Carlos Anjos refere ao Delas.pt que “este apoio, que apenas existe em Portugal, já que nenhum outro país europeu tem algo semelhante, foi criado por pressão das associações de apoio a vítimas de violência doméstica, que afirmavam e com razão, que à data existia uma grande dependência económica dessas vítimas relativamente aos agressores, e que, por essa razão, muitas delas, essencialmente mulheres, não se separavam, porque não dispunham de meios de sobrevivência imediata, pelo que não rompiam com o ciclo da violência”.

links_BarbaraCriada em 1991, esta entidade – hoje designada por CPCV – só aceitaria conceder adiantamentos às vítimas de violência doméstica oito anos depois. Conta Carlos Anjos que “em agosto de 1999, foi aprovado um novo diploma, que veio permitir atribuir às vítimas [daquele tipo de crime] poderem receber um apoio financeiro do Estado”, por períodos mais curtos dos que são aplicados atualmente, mas com mais prorrogações. “Por três meses, prorrogável por um período de seis, podendo ainda ser prorrogado por um novo período de três meses”, recorda o atual presidente da CPCV, olhando para o passado.

A condição obrigatória para receber este adiantamento, essa mantém-se desde o início: a vítima tem de estar em grave carência económica comprovada. Também desde o início, “as criticas à lentidão do processo de decisão eram enormes”. Na verdade, lembra o presidente da Comissão ao Delas.pt, ”antes de janeiro de 2010, aquilo que atualmente é decidido em cerca de um mês, demorava no mínimo cerca de 13 meses em média a decidir”. Ora, refere Anjos, “quando era concedido o apoio financeiro, na maioria das vezes já não fazia sentido”. E exemplifica: “As vítimas já haviam constituído outra família, estando já numa outra fase da sua vida.

Aquilo que atualmente é decidido em cerca de um mês, demorava no mínimo cerca de 13 meses, em média, a decidir

Em 2011, ocasião em que esta Comissão entrou em funções, o presidente conta que “estavam pendentes cerca de 800 pedidos de vítimas, a maioria de vítimas de violência doméstica, sendo que os pedidos eram quase todos anteriores a 2008”, levando a que “perante a incapacidade de resposta, as vítimas pura e simplesmente deixaram de solicitar ou requerer este tipo de apoio”.

“Processo difícil” e “com recaídas”

Hoje, Carlos Anjos diz que, “ainda com algumas pendências que não foi possível ultrapassar, o cenário é completamente diferente” e fala em “cerca de 170 a 200 vítimas de violência doméstica que anualmente procuram ou requerem este tipo de apoio, são aquelas que do ponto de vista material, no final da relação, estavam em pior situação”.

Uma vivência económica que, mais das vezes, é já muito débil ainda no seio do agregado familiar. “E que no momento da rutura se torna ainda mais dramática”, vinca o presidente da CPCV. “Este é sempre um processo muito difícil porque, ao longo do percurso, existem muitas recaídas. Mas são os casos mais complicados, que por norma, chegam à Comissão”, conclui Anjos.

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