25 de Abril e mulheres. Crimes sexuais e pobreza menstrual lideram prioridades partidárias na nova legislatura

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[Fotografia: Dominika Roseclay/Pexels]

A nova maioria absoluta conseguida nesta legislatura – parlamento tomou posse no final de março – é uma ocasião para fazer passar diplomas, sem objeção, que mudem decisivamente a vida das mulheres portuguesas. Ao mesmo tempo, a nova composição parlamentar traz novos desafios à oposição, por forma a conseguir obter luz verde para direitos para as mulheres e romper com as desigualdades que subsistem, fazendo aprovar e abrindo caminho num hemiciclo que está, na sua maioria, nas mãos de um partido.

Por isso, em tempo de celebrar o 25 de Abril e os 48 anos de liberdade – pela primeira vez, mais do que os da ditadura -, o Delas.pt ouviu todos os grupos parlamentares e deputados únicos e pediu-lhes que elencassem iniciativas legislativas que consideram prioritárias e que querem ver entrar em vigor antes do fim desta legislatura: em 2026. Um hemiciclo cuja composição está já marcada por um retrocesso do número de deputadas presentes na AR, tendo descido face à última legislatura.

Crimes sexuais, pobreza menstrual, paridade na liderança e igualdade remuneratória estão, com aspetos distintos entre si, entre as propostas mais elencadas e a que se juntam iniciativas legislativas em torno da violência doméstica, a obstétrica, a endometriose, a equidade na licença parental e os cuidados.

De outro prisma, do lado da maioria, que tem em mãos a ocasião de fazer passar todos os diplomas e a oportunidade única de equilibrar direitos entre géneros, o Delas.pt foi saber, junto do PS, como quer fazer valer esta possibilidade em nome das mulheres.

“A nossa principal prioridade é garantir que não há retrocessos nos direitos já adquiridos“, assegura Patrícia Ribeiro Faro, antes de prosseguir para medidas concretas. A deputada e presidente da Estrutura Federativa do Porto das Mulheres Socialistas – Igualdade e Direitos lembra: “Nestes 48 anos que sabemos que a desigualdade e a violência muito mudou, mas também sabemos que é em situações de crise e cenários atípicos, como a pandemia e agora numa situação de conflito na Europa, que infelizmente as mulheres são o grupo mais vulnerável. Por isso, a prioridade é não voltar atrás, porque os direitos podem não ser para sempre e devemos estar sempre alerta para não os perdermos.”

Agora, por onde e por que direitos é que os partidos e deputados únicos começam a preparar este terreno? Iniciativas que podem começar já a ser discutidas em sede de Orçamento do Estado 2022, que vai ser votado na generalidade a 28 e 29 de abril e com votação final global em 27 de maio, havendo margem até ao fim da legislatura, que se prevê chegar a 2026.

Os diplomas pela paridade e pela busca dos 50/50 prosseguem com socialistas e sociais-democratas – e não só – a desenharem propostas prioritárias pela liderança, igualdade remuneratória e de oportunidades e formação em vários campos. Mas surgem também urgências de outros quadrantes e temas que prometem voltar a ser debatidos no hemiciclo.

Crimes sexuais: do prazo para apresentar queixa à natureza pública

Iniciativa Liberal (IL), Bloco de Esquerda (BE), Partido Pessoas-Animais e Natureza (PAN) e Livre estão juntos neste campo para uma meta parecida, mas não pelos mesmos trilhos. “O IL tenciona que a violação passe a configurar crime público, isto é, deixe de depender de queixa da vítima para que seja desencadeada uma investigação. A vítima poderá, no entanto, desistir do processo”, salvaguarda.

O BE quer propor equiparar “crimes de violação, de coação sexual e de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência” à “violência doméstica”, de natureza pública.

PAN e Livre falam de prescrição, com o primeiro a defender o aumento dos prazos e o segundo a especificar um alargamento “de seis meses para dois anos”.

Erradicação da pobreza menstrual e endometriose

A saúde feminina vai ser assunto na Assembleia. PS, PAN e Livre querem trazer o tema da pobreza menstrual para o hemiciclo, com o primeiro a enumerar a medida e o segundo a avançar que tem uma iniciativa para apresentar já em maio, no âmbito deste Orçamento do Estado. Recorde-se que, há exatamente um ano (maio), a líder do partido, Inês Sousa Real, tinha submetido um projeto de resolução no qual recomendava ao governo que diligenciasse “no sentido da menstruação não ser uma forma de discriminação, de desvantagem económica e ambiental”. O partido propunha, na ocasião, a criação de “um programa” que disponibilizasse “gratuitamente, através do Serviço Nacional de Saúde, e mediante solicitação do utente, o acesso gratuito a produtos menstruais reutilizáveis”.

Ao Delas.pt, o Livre afirma que quer promover “a normalização da menstruação junto do público em geral, garantindo que todos e todas que necessitem têm acesso a produtos de higiene íntima (nomeadamente através de dispensadores gratuitos de tampões, pensos e copos menstruais nos centros de saúde, escolas e instituições de ensino superior)”.

Os liberais vão trazer o tema da endometriose e não vão estar sozinhos. “Uma vez que se sabe hoje que uma em cada dez mulheres tem endometriose, o IL vai avançar com uma iniciativa legislativa que permita às doentes terem uma licença especial sem trabalhar no(s) dia(s) de maior sofrimento. A proposta deverá prever uma possibilidade de teletrabalho consoante o nível de incapacidade física e as dores sentidas pela trabalhadora, mediante acordo com a respetiva empresa”, refere fonte oficial ao Delas.pt. O PAN, por sua vez, defende “a classificação legal da endometriose como doença crónica (com os correspondentes benefícios)”.

Violência doméstica e obstétrica

Ambos temas incontornáveis voltam a integrar uma agenda da qual não têm saído – dado a sua incidência especial sobre as mulheres – e, por isso, têm lugar marcado nos debates e nesta legislatura. Para o PCP, é prioritário – entre outras medidas como um novo regime dos turnos e a rede de creches públicas – “garantir o direito à habitação porque ele impacta a todos os níveis, desde condições condignas de vida a permitir autonomização”. Questão, prossegue fonte oficial da bancada parlamentar dos comunistas, “determinante, por exemplo, em situações de violência doméstica”.

Do outro lado do hemiciclo, o IL quer ver aprovadas duas medidas nesta matéria: “O aprofundamento da formação e da sensibilização dos magistrados no que respeita às situações de violência doméstica (…) e a autonomização do crime de exposição de menores a violência doméstica, já que as crianças veem o seu desenvolvimento gravemente prejudicado quando são expostas a tais práticas, com consequências duradouras e devastadoras.”

O Chega, no âmbito do crime de violência doméstica, quer propor “o agravamento de molduras penais, uma flexibilização dos apoios jurídicos à vítima, e maior celeridade na justiça, sobretudo nestas matérias em que o tempo é determinante”. No que diz respeito à violência obstétrica, fonte oficial da bancada parlamentar considera que “faltam ser dados passos para sensibilizar a população para a violência obstétrica – que ocorre durante o período de gravidez – no sentido de proteger a grávida e garantir que as suas necessidades e desejos são cumpridos nessa hora especial”.

E se o Chega fala em “sensibilizar”, o BE fala em “erradicar”. Citando um anterior documento que deverá voltar a ser submetido, os bloquistas querem “promover a erradicação da violência obstétrica” numa proposta que prevê “a criação de uma Comissão Nacional para os Direitos na Gravidez e no Parto, a erradicação da episiotomia ‘de rotina’ e a formação dos profissionais de saúde”.

Veja as propostas enumeradas por cada partido e deputado único e que passam também por outras matérias como licença parental, aulas de ambiente e cuidados.

Partido Socialista (120 deputados)

Importância de não retroceder nos direitos e avanços conquistados.
Paridade na decisão/Igualdade no território, com destaque para lideranças 50/50 a todos os níveis de decisão política, social e económica; Chamada de atenção para a inexistência de mulheres no Conselho de Estado, que aconselham o Presidente da República.
Conciliação entre a vida pessoal, familiar e profissional, com destaque para valorização da economia do cuidado, que também deve ser partilhada.
Transição energética transição digital inclusiva – Combate à pobreza energética/ promoção da cidadania digital, Combate à pobreza menstrual e implementação da educação ambiental a partir do ensino básico.
As Mulheres Socialistas estão a desenvolver um plano de formação – que vai abranger mais de 1000 mulheres para as capacitar para a formação política, a primeira sessão será já a 2 de maio com “Orçamento com perspetiva de género”.

Partido Social Democrata (77 deputados)

Concretização do princípio da igualdade de género, proporcionando a homens e mulheres as mesmas oportunidades de inserção na vida ativa, de remuneração e de progressão nas carreiras profissionais e na ocupação dos lugares de topo da hierarquia das organizações públicas e privadas.
Em matéria de desigualdade de género no trabalho, apesar da cada vez maior participação laboral feminina, existe ainda no setor privado uma desigualdade remuneratória. Equacionar medidas para a combater, sobretudo em sede de concertação social.
No âmbito da família, incentivar uma parentalidade mais equilibrada nos primeiros meses de vida das crianças, bem como a progressiva gratuitidade das creches.
Formação na área das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) e das CTEM (Ciência, Tecnologias, Engenharia e Matemática) que não exclua as jovens raparigas e mulheres.

Chega (12 deputados)

Violência Doméstica: agravamento de molduras penais, uma flexibilização dos apoios jurídicos à vítima, e maior celeridade na justiça, sobretudo nestas matérias em que o tempo é determinante.
Sensibilizar a população para a violência obstétrica – que ocorre durante o período de gravidez – no sentido de proteger a grávida e garantir que as suas necessidades e desejos.
Propostas de apoio à maternidade para garantir que as mulheres não sejam prejudicadas no seu vencimento, não vejam o seu posto de trabalho em risco, possam ser mães a tempo inteiro se assim o desejarem e não tenham que optar por ser mães ou ter uma carreira de sucesso.

Iniciativa Liberal (8 deputados)

No capítulo da igualdade de género, até ao final da legislatura, destaque para o aprofundamento da formação e da sensibilização dos magistrados no que respeita às situações de violência doméstica.
Autonomizar o crime de exposição de menores a violência doméstica.
Violação a configurar crime público, isto é, deixe de depender de queixa da vítima para que seja desencadeada uma investigação. A vítima poderá, no entanto, desistir do processo.
Endometriose: iniciativa legislativa que permita às doentes terem uma licença especial sem trabalhar no(s) dia(s) de maior sofrimento. A proposta deverá prever uma possibilidade de teletrabalho consoante o nível de incapacidade física e as dores sentidas pela trabalhadora, mediante acordo com a respetiva empresa.

Partido Comunista Português (6 deputados)

Novo regime de trabalho por turnos (e trabalho noturno) tendo em conta que as mulheres estão particularmente sujeitas à precariedade e à desregulação de horários.
Criação de rede pública de creches como caminho para que sejam gratuitas para todas as crianças.
Garantir o direito à habitação, determinante, por exemplo, em situações de violência doméstica.
Aprovação de proposta para a mobilização de património público e disponibilização para fins habitacionais como forma de estabilidade ao arrendamento, para que haja habitação acessível a rendas comportáveis, o que se consegue com promoção de habitação pública.

Bloco de Esquerda (5 deputados)

Projeto de lei para que os crimes de violação, de coação sexual e de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência passem a ser crime público, tal como acontece atualmente com a violência doméstica. Proposta que volta a ser submetida.
Promover a erradicação da violência obstétrica. No anteprojeto já apresentado em novembro de 2021 estava prevista a criação de uma Comissão Nacional para os Direitos na Gravidez e no Parto, a erradicação da episiotomia “de rotina” e a formação dos profissionais de saúde.
Criação de um serviço nacional de cuidados que desenvolva em todo o território uma rede de respostas públicas na área da infância, da velhice, da dependência e da promoção da autonomia, de caráter universal e tendencialmente gratuito.
Igualdade de género nas escolas.

Livre (1 deputado)

Reforçar a representação dos géneros na administração das empresas e instituições públicas, estabelecendo a paridade como regra nos órgãos diretivos.
Promover a normalização da menstruação junto do público em geral, garantindo que todos e todas que necessitem têm acesso a produtos de higiene íntima (nomeadamente através de dispensadores gratuitos de tampões, pensos e copos menstruais nos centros de saúde, escolas e instituições de ensino superior).
Alargar o prazo de denúncia para vítimas de crimes sexuais (que, como é sabido, afetam desproporcionalmente as mulheres) de seis meses para dois anos.

Partido Pessoas-Animais-Natureza (1 deputado)

Equiparação da Licença Parental.
Aumentar prazos de prescrição dos crimes sexuais.
Pobreza Menstrual, com iniciativa de combate a esta realidade a apresentar no âmbito do debate do Orçamento do Estado.
Previsto um regime de luto para os casos de perda gestacional, quadro penal mais duro para repartilha das nudes (e adaptado ao mundo atual onde essa partilha se faz em massa) e a classificação legal da endometriose como doença crónica (com os correspondentes benefícios).