Patrícia Pedrosa: “A Ordem dos Arquitetos pode ter um papel histórico” nas questões da igualdade

Dar visibilidade académica e social às mulheres arquitetas e ao trabalho que foram produzindo nos últimos 200 anos é o objetivo da exposição ‘Arquitectas XIX | XX’, que inaugura esta quarta-feira, 10 de janeiro, na Faculdade de Engenharia, da Universidade da Beira Interior, na Covilhã. Organizada pelo Mestrado Integrado em Arquitetura do Departamento de Engenharia Civil e Arquitetura, com coordenação de Patrícia Santos Pedrosa, arquiteta e professora universitária. Até 28 de fevereiro será possível conhecer algumas das mais relevantes arquitetas mundiais dos últimos dois séculos e as obras que criaram, assim como perceber a forma como reforçaram e ampliaram o modo de fazer, pensar e questionar a arquitetura (veja na galeria, em cima, algumas imagens da exposição) Apesar dos progressos, no século XXI há ainda desigualdades que persistem, algumas comuns a outras profissões, outras específicas do setor. “A invisibilidade pública e profissional enquanto membros efetivos e ativos das equipas, dos ateliers, dos gabinetes”, estão entre elas, aponta em entrevista ao Delas.pt, Patrícia Santos Pedrosa, que é também membro fundador da associação Mulheres na Arquitetura, estrutura criada em 2017 e que tem como objetivo refletir sobre a equidade de género na arquitetura, cidade e território. Para 2018, estão previstas várias iniciativas da associação.

O que vai conter esta exposição?
Esta exposição resulta do trabalho realizado pelos/as alunos/as do 2.º ano de Arquitetura da Universidade da Beira Interior, na disciplina de História da Arquitectura III, de que sou responsável. Cada grupo investigou uma arquiteta ativa durante os séculos XIX e XX e, no final, com os painéis dedicados a 23 arquitetas diferentes foi montada a exposição.

Quais são os projetos mais emblemáticos assinados por arquitetas que esta exposição apresenta?
Para cada arquiteta os/as alunos/as escolheram uma obra mais relevante. Assim, é possível ver o Museu de Arte de São Paulo da italo-brasileira Lina Bo Bardi mas também o projeto de um jardim-de-infância da pioneira portuguesa Maria José Estanco, a casa E.1027 da irlandesa Eileen Gray, as diversas colaborações da inglesa Jane Drew ou a intervenção da afro-americana Martha Cassell na Catedral Nacional de Washington. São mais de 20 arquitetas com as suas obras mais emblemáticas. É uma introdução interessante ao que não tem estado presente e visível nos livros consagrados de história da arquitetura.

Quando começou a organizar este exposição, quanto demorou a montá-la?
A ideia da exposição começou em setembro passado, no início do ano letivo, quando lancei o desafio aos/às alunos/as. Depois de terminado o trabalho e feitos, por eles/as, os painéis a montagem foi rápida. Até porque, nesta primeira edição, a exposição não é muito grande.

Houve muitos desafios para esta fazer esta exposição?
O grande desafio foi fazer com que alunos/as se entusiasmassem com a provocação. Existe pouca informação sobre estas arquitetas, em geral muito menos do que sobre os arquitetos homens seus contemporâneos, e, por isso, é mais difícil investigar e escrever um trabalho monográfico sobre elas. Também a ideia, presente desde o início, de dar visibilidade aos projetos e coletivos que se têm preocupado em recolher, sintetizar e divulgar as histórias de vida e obras das arquitetas me pareceu importantíssima. O saldo foi amplamente positivo, tanto no entusiasmo, como nos trabalhos recebidos.

Menciona na apresentação da exposição, o projeto ‘Un dia/ Una arquiteta’, mas, pelo que li, não há nenhuma portuguesa neste grupo organizador. Como podem as arquitetas nacionais ter visibilidade, contribuir para esta página?
O projeto UD/UA aceita todos os anos novos/as colaboradores/as. É só candidatarem-se! As companheiras deste coletivo agradecem todo o interesse em colaborar, o trabalho é muito e nunca se tem mão-de-obra suficiente nestas tarefas que suportam causas e que são voluntárias.

Em 2017 foi fundada a associação Mulheres na Arquitetura (MA), da qual é uma das fundadoras. Por que sentiram a necessidade de criar esta associação em pleno século XXI?
A MA surge porque um conjunto de mulheres ligadas à reflexão, à investigação e à prática da arquitetura e da cidade percebeu que as questões das desigualdades eram efetivas, tanto no interior da profissão, como no modo como as cidades e as arquiteturas se relacionam com mulheres e homens. Também nós ficámos e ficamos permanentemente desconcertadas com essa conclusão: a MA faz todo o sentido em Portugal, neste início do século XXI. A questão está longe de ser nova, mas a perceção de que não há justificação possível para que as desigualdades existam é que está, parece-nos, em sentido crescente. É, por isto, que é fundamental que travemos estas lutas, junto com todas as pessoas, instituições, ONG e coletivos que coincidem nestas preocupações e ações, procurando que a interseccionalidade destas lutas seja efetiva.

Quais são as principais diferenças de género sentidas ou vividas na arquitetura?
Os números apontam algumas como as diferenças de salários para funções/responsabilidades iguais ou o bloqueio invisível às progressões nas carreiras. Outras necessitam de avaliação mas intuem-se pelas histórias que vamos escutando, como o abandono da profissão liberal quando se pensa em ter filhos, o despedimento quando as mulheres arquitetas engravidam ou a invisibilidade pública e profissional enquanto membros efetivos e ativos das equipas, dos ateliers, dos gabinetes. Sublinho também que não é um problema específico da nossa profissão. Outras, liberais ou não, apresentam alguns destes mesmos problemas e, neste sentido, estamos a tratar de uma grave questão infraestrutural e transversal. É preciso investigar para conhecer, agir e legislar, mas também, como profissão, questionarmo-nos e exigirmos mudança. A Ordem dos Arquitetos pode, se estiver preparada, ter um papel histórico nestas matérias.

O que é mais urgente mudar?
Avançar com legislação ainda mais dura contra as descriminações laborais e promoção ativa das igualdades de direitos efetivos entre mulheres e homens, fiscalizar a aplicação das mesmas, promover dentro da Arquitetura os valores da igualdade, criar modos de valorizar os gabinetes que praticam a igualdade, colocar as questões da igualdade no centro das práticas do ensino da Arquitetura nas universidades e fazer com que práticas profissionais, investigação e ensino se pautem por esta necessidade fundamental para se ser um país e uma profissão do século XXI: igualdade de oportunidades real entre mulheres e homens.

Realizaram várias iniciativas esse ano. O que está previsto para este ano?
Em 2018, continuaremos com o ciclo de conversas “Arquitetas: Modos(s) de (R)existir” que desde setembro passado acontece mensalmente no São Luiz, em Lisboa. Como resultado desta experiência muito interessante e enriquecedora estamos a preparar uma publicação que procura consolidar a divulgação desta discussão. Está previsto igualmente o começo de workshops e formação sobre, entre outros, as temáticas da cidade e do olhar de género. Muitas colaborações, nacionais e internacionais, encontram-se em fase de lançamento e trarão muitas novidades durante os próximos meses. A relevância da MA é-nos óbvia e a recetividade que sociedade civil, meio profissional, instituições e Estado nos têm dispensado são disso a prova.

Imagem de destaque: João M Almeida