#metoo: O que pensam as feministas portuguesas

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O #MeToo tem dividido feministas e oposto diferentes gerações de mulheres, com uma parte a defendê-lo abertamente, e outra condenar a sua amplitude, classificando-o de “puritano”.

Em Portugal, as organizações feministas são convergentes na apreciação que fazem do movimento e consideram-no um passo importante contra o assédio das mulheres. Mas é isso mesmo, apenas mais um passo numa luta vasta e socialmente abrangente.

O Movimento Democrático de Mulheres [MDM] aprecia e valoriza todos os movimentos que se colocarem no sentido da defesa dos direitos das mulheres e as dinâmicas de denúncia daquilo que é um abuso de poder, que tem a ver com as condições de trabalho que existem e a que as mulheres são sujeitas”, afirma ao Delas.pt, Sandra Benfica, da direção da organização.

A ativista lembra, no entanto, que, por cá, se começou a falar do tema há décadas e que o país foi pioneiro na abordagem das questões do assédio moral e sexual no local trabalho. “O primeiro estudo que existe na Europa é português. Desde 1989 que estas questões são sistematicamente colocadas e nunca tiveram nenhuma visibilidade”, lamenta Sandra Benfica.

Segundo a dirigente do MDM, os dados conhecidos mais recentes da Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT), mostram que, “entre 2005 e 2007, foram recebidas 913 queixas e instaurados 206 autos sobre esta matéria, sobre assédio sexual no local de trabalho.”

Sandra Benfica considera que o assédio moral e sexual “não se podem desligar um do outro”. “O assédio sexual é uma forma de assédio moral no local de trabalho. Portanto, estas mulheres nos Estados Unidos ou em Portugal foram assediadas no local de trabalho, numa relação de poder, que é uma relação de poder laboral. E isto acontece na fábrica ou com a Uma Thurman ou outra atriz. O processo é exatamente o mesmo, só que umas são invisibilizadas e outras tornam-se visíveis porque se torna mediático.”

Sobre esta maior exposição pública daquilo que o Código Penal português passou também a criminalizar como importunação sexual, desde 2015, Joana Sales, da direção da União de Mulheres Alternativa e Resposta, refere, a título pessoal, que “é sempre importante fazer a denúncia e pode ter o benefício de outras mulheres verem que não estão sozinhas, que isto é um problema estrutural, de quebrar o silêncio e nesse sentido é bastante positivo. E temos divulgado o movimento #MeToo através do nosso Facebook”.

A ativista ressalva, que mesmo não se identificando, com a forma “algo persecutória” de algumas acusações menos fundamentadas, o facto de as mulheres terem tido a coragem de denunciar as situações é “salutar”. Por isso, e apesar das ressalvas, tanto Joana Sales, como o coletivo que representa, discordam do manifesto assinado por intelectuais francesas, entre as quais a atriz Catherine Deneuve. “Elas acusam quase o movimento feminista de ser puritano, o que é um erro histórico e confundem assédio e sedução. Nós feministas não estamos contra a sedução, nem contra a sexualidade livre. Estamos é contra o assédio, que é insistente e não consensual, ainda por cima quando falamos de trabalho e há relações de poder envolvidas”, sublinha a ativista.
Unidas na causa mas sem esquecer outros contextos

A visão das associações feministas portuguesas em relação ao #MeToo acaba por ser positivo, ainda que este suscite algumas ponderações e a necessidade de levar a discussão e o foco às mulheres que não têm a mesma exposição mediática.

Joana Sales considera que “a maioria das feministas está a favor de que se fale mais deste problema”, mesmo com as devidas diferenças de perspetiva. “Agora, o #MeToo pode ter características específicas do contexto americano que se calhar aqui na Europa não são da mesma forma, mas de qualquer maneira teve uma visibilidade, pelo menos no início, que achámos positiva”.

Pessoalmente, Sandra Benfica também diz não se opor ao mediatismo, em si, mas admite que às vezes a preocupa “as consequências de as coisas serem mediatizadas na base da reprodução pela reprodução”. “Se se mediatizar este caso apenas na história pessoal destas atrizes, remetendo tudo para um machismo e um sistema patriarcal, esquecendo-se aquilo que é a base desta situação, que são as relações de trabalho e as condições de trabalho das mulheres estamos a ilibar um sistema que proporciona isto”, defende.

A ativista lembra que as situações de assédio laboral “são casos de grande humilhação, de grande vergonha”, em que mesmo no local de trabalho, muitas vezes, não se acredita que aconteçam por serem cometidas “em surdina”.

A dirigente do MDM considera, por isso, que há ainda muito trabalho a fazer na sensibilização e no apoio dos outros trabalhadores para que ajudem a provar a existência destes casos, mas defende que acima de tudo o problema vem da fragilidade das relações de trabalho. “As vítimas hoje não se queixam não é por não terem coragem. Muitas vezes, ou na esmagadora maioria das vezes, estes casos persistem e as mulheres são sujeitas a estes processos porque dali decorre a possibilidade de terem ou não um emprego. É como alguns dos relatos que as atrizes vêm fazendo. Daquele processo – alguns duraram anos – dependia terem ou não um papel e isto é que é a base do problema”

E é essa a tónica que a ativista diz que ainda falta acrescentar à discussão.

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