Marta Lima: “Trabalhar nas Havaianas não é só carnaval”

Marta Lima
Lisboa, 22/7/2016 - Marta Lima, Country Manager da Havaianas em Portugal, posa no showroom da marca. (Reinaldo Rodrigues/Global Imagens)

Está nas Havaianas há seis anos, altura em que abriu o primeiro escritório da marca em Portugal e em que a empresa mãe da marca de chinelos mais famosos do mundo, passou a tratar diretamente da marca no nosso mercado. Marta Lima é a mulher por trás das centenas de milhares de Havaianas vendidas anualmente em Portugal, ocupando o cargo de country manager da marca e sendo por isso a pessoa certa para nos contar tudo sobre uma das marcas mais reconhecidas em todo o mundo. Recebeu-nos de chinelo no pé e sorriso no rosto, bem à moda brasileira mas mostrou-nos que aqui nem tudo se faz de Carnaval.

Como é que uma marca se torna o símbolo de um país inteiro? As Havaianas quando nasceram, nasceram como produto base de necessidade para as camadas mais pobres do Brasil, mais desfavorecidas. De facto, eram um calçado barato para suprimir a necessidade de andar calçado. As pessoas podiam comprar umas Havaianas de borracha, e tinham muita durabilidade, não feria os pés e, portanto, quando nasceram, há 54 anos atrás, foram um artigo de primeira necessidade. De tal forma que, nos anos oitenta quando houve inflação galopante no Brasil, as Havaianas faziam parte da cesta básica de consumo. Isto quer dizer que o governo brasileiro tinha uma cesta básica de consumo que congelou os preços do feijão, do arroz, do leite e das Havaianas. Elas quando nasceram foram de grande importância para a população porque vieram suprimir uma necessidade básica de um país empobrecido e com uma dimensão muito grande de população desfavorecida. A partir dos anos oitenta as Havaianas quiseram evoluir e ir para além daquilo que era um artigo básico de primeira necessidade e quiseram deixar de ser um básico, apesar de no Brasil funcionar muito assim, na Europa estamos identificados como uma marca fashion e não como uma commodity. O que se fez a partir dos anos oitenta foi uma estratégia de reposicionamento de marca. Nas Alpergatas perceberam que as classes médias altas estavam a fazer algo muito interessante ao nosso produto, que na altura era o único, que era um chinelo que tinha a sola branca em cima e azul em baixo, que era da cor da tira portanto a tira era azul, a parte de baixo era azul e a parte de cima era branca. E o que é que faziam as classes altas? Tiravam as tiras, viravam a sola ao contrário e construíam uma Havaiana unicolor: a parte azul ficava virada para cima, igual à tira, para não terem um chinelo igual à empregada de casa. O que é que as Alpergatas perceberam? Que estava na hora de evoluir também o produto e assim nasceram as Havaianas top, que hoje em dia são os nossos bestsellers, são aquelas que as pessoas tinham cinco ou seis em casa de cores diferentes. Com essa alteração, com essa criação de novo produto, veio depois uma campanha de comunicação forte atrás em que as Havaianas começam a ser comunicadas sobretudo em televisão e com artistas, ou da Rede Globo ou com celebridades do futebol. Ainda hoje existem todos os anos anúncios, normalmente são duas ou três campanhas por ano no Brasil com estas celebridades brasileiras e foi assim que se conseguiu dar a volta à marca e reposicioná-la e passar daquilo que era uma cesta básica de consumo para um bem desejado.

As Havaianas começaram para uma classe baixa, mas chegaram a todas as camadas sociais. Uma marca que é transversal a uma sociedade inteira, onde as pessoas pensam e estão de maneiras completamente diferentes, sobretudo no Brasil que isso é tão visível, pode ter subjacente uma mensagem humanitária por esta transversalidade, acha que isso faz muito parte do ADN das Havaianas e que isso conta quando se está a criar campanhas? Sim, nós mesmo quando fazemos desenvolvimento de marca por exemplo agora a nível de têxtil, existe uma linha de têxtil que vai chegar à Europa no próximo ano, aquilo que procuramos é que a nossa marca continue sempre a ser universal. Nós nunca nos podemos esquecer da nossa base, de onde é que vimos, e é verdade que queremos continuar a manter este aspeto desejável da marca, mas nunca nos poderemos tornar numa marca elitista, não somos assim. A nossa base é universal, nós temos muitos brand lovers que são pessoas que fazem algum esforço e que podem prescindir de outras compras, de outras marcas, porque querem comprar Havaianas e nós nunca queremos deixar de estar atentos e de alimentar no fundo as necessidades e os desejos também desta base de consumidores. Elitismo não combina com Havaianas. Nós temos Havaianas que são feitas com cristais swarovski que custam mais de 100€ mas esta não é a cara que identifica as Havaianas.

Essa é uma preocupação que também se mantém com as outras linhas como as alpergatas ou as botas de borracha, apesar de serem valores diferentes? Sim, se reparar, nós nunca estamos posicionados como marca premium. Temos um value for money portanto nunca vamos ser os mais baratos do mercado, também não somos em chinelos, mas aquilo que procuramos sempre é esse good value for money.

A nova linha têxtil inclui roupa ou acessórios? O têxtil mete roupa sobretudo para a praia e à volta da praia, não vamos sair do nosso ambiente natural, mas tem desde biquínis a saídas de praia.

Quando será lançada a linha? Na Europa, para o ano. Primeiro trimestre de 2017, a ideia é que possa chegar em fevereiro às lojas. No Brasil já foi lançado em algumas lojas, lançámos só em cinco lojas do Brasil, lojas próprias e franchisadas, e neste momento já existem cerca de 80 lojas no Brasil todas elas franchisadas.

Correu bem no Brasil? Sim. Na Europa nós não seguimos exatamente o mesmo plano que no Brasil e não no mesmo ano, para nós fazia todo o sentido conseguir ligeiras adaptações de uma linha brasileira para uma linha europeia, no entanto a ciência é a mesma.

Adaptações em termos de modelo? Sim, de alguns fits e cortes por exemplo, mas algo muito ligeiro. Por exemplo a nível de calções de homem alterámos alguns modelos. Queremos trazer as praias do Rio para Portugal ou para a Europa. Vamos manter as sungas, vamos manter os cortes brasileiros mas de facto temos modelos da coleção mais adaptados àquilo que é o consumidor português e italiano.

Quais é que são as principais diferenças entre a marca no Brasil, a perceção que as pessoas têm da marca no Brasil e o plano de expansão da marca no Brasil e na Europa? A marca no Brasil continua a ser um produto de grande consumo. São vendidas por ano mais de 200 milhões de pares de Havaianas. São 180 milhões de Brasileiros, cada um tem um par e mais um bocadinho. No Brasil é essencialmente uma marca de grandes volumes, os preços são muito mais baixos que os na Europa, a estratégia é muito diferente nesse sentido. Na Europa, apesar do consumo continuar a ser massivo e universal, o objetivo é continuar a trabalhar no brand desirability, como nós chamamos. Nós não queremos cair naquilo que poderia ser uma marca de grande consumo, nós não queremos estar disponíveis em supermercados. Toda a estratégia que nós trabalhamos tem a ver com posicionamento da marca, tem a ver com parcerias que fazemos, o que tentamos sempre é alimentar uma parte mais glamorosa da marca para que os consumidores sintam que tenham uma diferença não só a nível de qualidade, mas que têm uma diferença a nível de marca e de valor de marca.

Qual é que é o maior desafio de trabalhar Havaianas? O que é que mudou mais? O que mudou mais foi a perceção de marca e esse é o nosso maior desafio em Portugal, porque temos consumidores que conhecem muito bem a marca, que são tão exigentes por isso mesmo e porque têm uma ligação emocional forte com a marca, nós não os podemos dececionar. Não precisamos de fazer trabalho a nível de notoriedade de marca, toda a gente nos conhece e temos um reconhecimento de marca de 96%, não é aí o nosso esforço, é sempre a nível quantitativo. Tem sido isso que temos vindo a trabalhar ao longo dos anos seja a nível de pontos de venda, seja a nível de imagem de pontos de venda. Temos trabalhado muito no ponto de venda porque a decisão da tomada de compra das Havaianas numa grande parte é tomada no ponto de venda, tem a ver com o impulso, portanto temos trabalhado muito a fundo essa parte do ponto de venda.

Como é que o ponto de venda que influencia a compra? Primeiro que tudo acho que tem de haver uma homogeneidade de marca, ou seja, o nosso produto é tão colorido que aquilo que nós procuramos a nível de apoios ao ponto de venda é que sejam o mais clean possível, para que o produto possa ter destaque. Se reparar as nossas paredes, por exemplo no El Corte Inglés, são brancas. Tudo o que nós queremos fazer é ter uma maneira limpa de expor o produto para que o produto seja a estrela. Depois disso, tem a ver a forma em si de como é exposto o produto, são detalhes tão relevantes como quantos pares de Havaianas estão pendurados num gancho, porque se forem demasiados o produto fica inclinado e fica feio, ter em atenção quando o produto é colocado que seja colocado em escala de tamanhos com os pequeninos à frente e os maiores atrás, tem a ver com o visual merchandising da parede ou seja, por cor, nós temos aquilo que chamamos o arco-íris no fundo, é muito mais interessante podermos ter o colorido ordenado do que termos tudo espalhado. Há uma série de fatores que no ponto de venda podem fazer olhar e dizer “uau” ou achar que está tudo confuso e muito mais complicado e não apela tanto ao impulso de compra.

Como é que é ir trabalhar de Havaianas todos os dias? É ótimo, é assim que eu estou hoje. Temos muita sorte em puder ir trabalhar de Havaianas e continuar elegante porque temos a linha da coleção especial, temos as sandálias, temos muitas mais opções e que permitem ter uma roupa mais formal. É uma alegria de manhã, é a pessoa sentir-se bem com aquilo que faz, identificar-se com aquilo que faz e, ao mesmo tempo, é uma grande responsabilidade explicar às minhas amigas que eu tenho trabalho e tenho trabalho a sério! Não trabalho só no verão, também trabalho no inverno, mas é a parte mais lúdica quando digo que trabalho nas Havaianas “Ah que giro, então no inverno o que é que fazes?” e eu “muita coisa: planeamento para o próximo ano”. A brincar a brincar estamos a falar de uma empresa que em Portugal fatura milhões de euros e nós colocamos no mercado mais de seiscentos mil pares de chinelos todos os anos, só em Portugal, portanto é engraçado e é uma boa experiência trabalhar esta marca, mas de facto é uma responsabilidade grande e não é só Carnaval como algumas pessoas acham. É muito bom. É muito bom podermos identificar com a marca que trabalhamos aliás, esse foi um dos fatores que me fez aceitar o desafio de vir trabalhar para as Havaianas, é muito bom sentirmos que todos os dias podemos fazer parte desta história.

As Havaianas trabalham um mercado muito específico, é difícil trabalhar para um nicho de produto tão limitado? Eu acho que um dos desafios é a nível de distribuição. Nós temos que ter forma de ser tão relevantes para os nossos clientes no verão para que eles se lembrem de nós todo o ano. Nós somos relevantes para os nossos parceiros durante um período limitado de tempo. A parte boa é que nessa altura do ano somos os melhores parceiros que eles podem ter. Há muitas poucas marcas que tragam uma faturação tão interessante aos seus parceiros como as Havaianas no verão. Depois temos também a gestão de stocks, que é outra vertente que pode vir a ser mais complicada porque o período de uso é mais curto e temos picos muito maiores a nível de consumo. Eu diria que estas são as grandes grandes diferenças. E depois claro o consumidor é bombardeado de mensagens de marcas durante todo o ano e nós falamos para o consumidor uma parte mais curta de tempo. A parte boa é que quando nós aparecemos normalmente as pessoas sorriem e dizem “Bom está a chegar o verão”.

Há alguma situação em que nunca usaria Havaianas? Desde que trabalho nas Havaianas, acho que descobri que posso basicamente usar Havaianas para tudo. Imagine andar de bicicleta, como existem as sandálias fechadas é perfeitamente seguro e confortável andar. Mesmo em casamentos tenho sempre um par de Havaianas de swarovski. Acho que é uma pergunta difícil porque acho que não tenho resposta para si. Por exemplo tenho daqui a pouco tempo um jantar marcado no Belcanto com o meu amigo como presente de anos, acho que não vou levar umas Havaianas calçadas, mas também poderia. Acho que não há nada que eu diga “não não, de forma nenhuma ali não levaria”.

Já lhe aconteceu alguma situação caricata e que tenha noção que tenha sido por estar de Havaianas calçadas? Tenho um desgosto nesse sentido que é a faculdade em que eu andei cá em Portugal não permitir os alunos irem para as aulas de chinelos. Quando li a notícia fiquei muito triste.

Qual é o motivo? É porque não querem o look de praia. Segundo eles é porque as pessoas ficam demasiado descontraídas e não se focam naquilo que têm que fazer e eu não concordo nada, como é óbvio, e aliás, quando tirei lá o curso não havia essa proibição. Eu acho que quando estou a trabalhar estou perfeitamente concentrada no que estou a fazer, e estou de chinelos, não é por aí. É um desgosto que tenho, tenho ainda uma ligação com a faculdade e tenho muita pena.

Mas quando vai à faculdade dar palestras vai de chinelos? Claro que sim. Eu agora já não sou aluna, a mim já não me podem prender!

Quantos pares é que tem de Havaianas? Não sei, são tantos! Eu acho que entre as minhas, as do meu marido e as dos meus dois filhos nós de certeza que temos mais de 100 Havaianas em casa. Eu compro todas as minhas Havaianas portanto é mesmo um investimento por gostar, mas gosto muito.

Se a marca Havaianas fosse uma pessoa, quais é que seriam as principais características? Tinha que ser uma pessoa sempre bem disposta, muito bem com a vida, saudável porque acho que as Havaianas seriam alguém saudável que aproveitaria a parte boa da vida mas de uma forma saudável, muito descomplicada e muito feliz.