Califórnia faz história: acabou-se o clube dos rapazes nas empresas

Mulher empresária

Por Ana Rita Guerra, nos EUA

Epicentro da revolução tecnológica e quinta maior economia do mundo, a Califórnia fez história este fim de semana com a aprovação de três leis de proteção das mulheres no mercado de trabalho. A mais relevante é a SB826, que torna a Califórnia no primeiro Estado norte-americano a impor uma quota para mulheres no conselho de administração das empresas cotadas. Foi também aprovada a SB224, que torna ilegal o assédio sexual de investidores a fundadores de startups, e a SB1300, que recebeu o apoio das atrizes Mira Sorvino e Patricia Arquette e vai acabar com acordos em que os trabalhadores são impedidos de denunciarem casos de assédio no trabalho.
As medidas foram assinadas pelo governador Jerry Brown depois de aprovadas na assembleia e no senado estatal, de maioria Democrata, e representam uma tremenda vitória para os progressistas. O maior impacto será sentido com a SB826, já que as empresas cotadas terão um ano para mudarem a composição dos seus conselhos de administração, de modo a incluírem pelo menos uma mulher. Neste momento, 25% das companhias cotadas têm conselhos exclusivamente masculinos, segundo disse a senadora Hannah-Beth Jackson, que introduziu a legislação.
“Mais mulheres no conselho de administração de companhias públicas irão impulsionar a economia da Califórnia, melhorar as oportunidades para as mulheres no mercado de trabalho e proteger os contribuintes, acionistas e reformados”, lê-se no texto da legislação assinada. “No entanto, os estudos preveem que levará 40 a 50 anos a atingir a paridade de género se nada for feito proativamente.”

as empresas cotadas terão um ano para mudarem a composição dos seus conselhos de administração, de modo a incluírem pelo menos uma mulher

É isso que o governador Jerry Brown quer acelerar. “Dados os privilégios especiais de que as empresas têm desfrutado por tanto tempo, está na altura de os conselhos incluírem as pessoas que constituem mais de metade da população na América”, escreveu na mensagem associada à aprovação. No índice bolsista Russell 3000, há 377 empresas sediadas na Califórnia cujos conselhos não têm mulheres, e as previsões é que centenas de empresas mais pequenas também sejam afetadas pela nova lei.
É uma medida muito polémica, que recebeu oposição de mais de 30 associações setoriais no Estado. Requer que qualquer companhia incorporada na Califórnia introduza pelo menos uma mulher no conselho de administração até ao final de 2019; em 2021, os conselhos com cinco membros terão de ter pelo menos duas mulheres, e os de seis membros três. Segundo contas do LA Times, isto significa que em três anos quase 700 mulheres terão de ser nomeadas para estes cargos. As empresas que não cumpram serão multadas em 100 mil dólares na primeira infração e 300 mil nas subsequentes.
“Outro teto de vidro é quebrado e as mulheres vão finalmente ter um lugar à mesa nas salas dos conselhos de administração”, escreveu a senadora Jackson, autora da lei, na sua conta de Twitter. “As empresas vão ser mais lucrativas. Este é um passo em frente gigantesco para as mulheres, as nossas empresas e a nossa economia.”
Embora os críticos argumentem que a legislação não cumprirá os objetivos a que se propõe, existem dados concretos que sugerem o contrário. No próprio texto da proposta são citados “inúmeros estudos independentes” que concluíram que as empresas com mulheres no conselho de administração obtêm melhores resultados. No ano passado, a MSCI apontou para um número relevante: as empresas com três ou mais mulheres no conselho reportaram ganhos por ação 45% mais elevados que as exclusivamente masculinas. O Credit Suisse concluiu que as companhias com pelo menos uma mulher no conselho têm um retorno do investimento mais elevado (12.2% contra 10.1%) e a Universidade da Califórnia publicou um estudo no qual indica que as empresas com mais mulheres na administração têm maior tendência a serem sustentáveis no futuro.

O Credit Suisse concluiu que as companhias com pelo menos uma mulher no conselho têm um retorno do investimento mais elevado

O grande obstáculo será legal, visto que se trata de uma imposição às empresas que é baseada no género. Os críticos argumentam que obrigará a retirar homens dos conselhos de administração e o próprio governador admite que a lei venha a ser contestada em tribunal. “Não minimizo as potenciais falhas que podem até ser fatais à implementação. Ainda assim, os eventos recentes em Washington, D.C. – e além – tornam claro que muitos não estão a perceber a mensagem.” Brown assinou a lei numa altura em que a capital está consumida pelo escândalo das acusações a Brett Kavanaugh, que foi nomeado para o Supremo Tribunal e será alvo de votação no final da semana, após investigação do FBI.
Apesar de haver outros países com medidas semelhantes, o impacto desta lei vai fazer-se sentir não apenas ao nível da composição das empresas na Califórnia. Servirá como exemplo à escala mundial, dada a dimensão da economia californiana e o perfil de empresas incorporadas na região, onde Silicon Valley é a joia da coroa.

Estas mulheres vivem da canábis. E gostavam de ser mais