8 de Março: Como se prepara a primeira greve feminista em Portugal?

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Espanha surpreendeu o mundo, quando há um ano, no dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, a greve feminista parou o país e levou milhares às ruas de várias cidades para reivindicarem salários e direitos iguais. Este ano, a organização Rede 8 de Março vai tentar fazer o mesmo em Portugal: realizar, na próxima sexta-feira, Dia da Mulher, a primeira greve feminista e colocar o país no mapa das paralisações internacionais previstas para essa data.
São já cinco os sindicatos que emitiram pré-avisos – Sindicato das Industrias, Energia e Águas de Portugal (SIEAP), Sindicato Nacional do Ensino Superior (SNESup), Sindicato dos Trabalhadores da Saúde, Solidariedade e Segurança Social (STSSSS), Sindicato dos Trabalhadores de Call Center (STCC) e Sindicato de Todos os Professores (S.TO.P.). Além do apoio destas estruturas laborais, a greve conta com o apoio de diversas organizações sociais e políticas, como Bloco de Esquerda. No final de fevereiro juntaram-se as autarquias, como a Câmara Municipal de Lisboa, que aprovou, com as abstenções do CDS e do PCP, uma saudação ao 8 de Março e à greve e manifestações feministas, e a Assembleia Municipal de Braga, uma das cidades que vai acolher concentrações, onde a mesma saudação foi aprovada por unanimidade.
“A Greve Feminista é uma proposta do movimento feminista internacional, o qual convoca uma greve de mulheres como forma de protesto perante as situações de precariedade e violência que atravessam as nossas vidas”, começa por dizer ao Delas.pt, Andreia Peniche, da Rede 8 de Março, lembrando que nas origens desta convocatória internacional estiveram os protestos das mulheres polacas em defesa do direito ao aborto, em 2016, e do movimento ‘ni una menos’, das mulheres argentinas contra a brutalidade dos femicídios e das violências machistas.
Por isso, para esta organização fazer greve no dia 8 de Março, Dia Internacional das Mulher “tem um duplo simbolismo, servindo como “um dia para colocar em cima da mesa, não apenas o retrato das desigualdades, mas para avançar soluções e compromissos para as resolver.”

A greve feminista portuguesa começou a ser preparada há um ano, em março de 2018, no Encontro de Mulheres, que se realizou no Porto e onde foi decidido que se “convocaria para Portugal a Greve Feminista Internacional”. “A partir de setembro, vários núcleos começaram a formar-se e as reuniões começaram a multiplicar-se. Fizemos dezenas de reuniões e de iniciativas públicas, organizámos dois encontros nacionais, um no Porto (dezembro de 2018) e outro em Coimbra (fevereiro de 2019)”.

No primeiro foi aprovado o manifesto que convoca a paralisação e que sintetizou as várias propostas de coletivos que foram aumentando à medida que o processo foi tomando forma.

“Somos muitas e muito diversas, mas conseguimos chegar a acordo nas questões fundamentais. Começámos com uns 10 coletivos e fomos crescendo e agregando gente”. Atualmente, a organização da greve reúne mais de 30 coletivos e várias pessoas a título individual. “A apoiar solidariamente e a subscrever o nosso Manifesto estão quase 50 coletivos”, sublinha Andreia Peniche.

O apoio junta também algumas caras conhecidas, muitas delas masculinas, provando que o feminismo também pode ser uma causa de homens. “O primeiro a pronunciar-se foi o Miguel Guedes, vocalista dos Blind Zero, ainda no ano passado. Temos um grupo de cineastas envolvidas no processo de construção da greve. O “Jovem Conservador de Direita”, por exemplo, já fez público o seu apoio”. Mais recentemente, foi o ator António Capelo. “De todos os setores surgem apoios, mas de muitos setores também surgem ataques. Respondemos a todos os ataques da mesma forma: estamos vivas, somos livres, estamos unidas e temos razão”, atira Andreia Peniche.

Uma greve, quatro alvos de paralisação

Esta greve não é apenas laboral, a paralisação visa quatro eixos distintos, que visam refletir as situações, de alguma forma desiguais, que as mulheres enfrentam diariamente.
Assim, além da greve ao trabalho, para reclamar “o fim da desigualdade salarial e do assédio moral e sexual nas empresas”, a Rede 8 de Março quer que a paralisação se estenda também aos “cuidados e trabalho doméstico”, denunciando “a dupla jornada” que afeta sobretudo o sexo feminino, e que “rouba tempo de lazer e nos estafa todos os dias“. “Ambos nos mostram que a pobreza tem rosto de mulher e que, se nada for feito, o futuro reproduzirá esta desigualdade”. Por isso, os homens são chamados a assegurar esses “serviços mínimos”.
O terceiro eixo apela à greve ao consumo, pretendendo denunciar e combater a “esteriotipização e a mercadorização” dos corpos femininos, e o quarto à greve estudantil.
“Pretendemos parar, para que se perceba que, se pararmos, o mundo para, porque o trabalho que desenvolvemos – remunerado e não remunerado, no setor formal e informal, é absolutamente imprescindível para que as sociedades funcionem.”

Feministas querem envolvimento dos homens

Em Espanha, a greve de 2018 suscitou dúvidas nos homens feministas, que querendo apoiá-la, não sabiam se ao aderirem estariam a “roubar” o destaque que deveria ser dado às mulheres nas suas reivindicações. Aqui, a organização pretende trazer os homens para a mesma luta, apelando a que se solidarizem, “respeitando a convocatória e facilitando a greve das mulheres”, e que colaborem nas tarefas que não forem garantidas pelas mulheres que aderirem, sobretudo no aspeto dos cuidados informais e do trabalho não pago.

“Não poderia haver uma greve de mulheres ao trabalho dos cuidados se os homens não tivessem uma participação ativa. Param as mulheres, mas há pessoas que a toda a hora precisam de ser cuidadas, por isso os homens são chamados a assegurar esses “serviços mínimos”, justifica Andreia Peniche.

Apesar dos pré-avisos de greve de alguns sindicatos – condição para que a greve se processe em condições de proteção legal -, nenhuma central sindical apoiou formalmente até à data esta greve feminista.

“Reunimos com vários sindicatos, CGTP incluída. Desafiámos o movimento sindical para que se juntasse a esta greve, porque o reconhecemos como parte fundamental da organização social e porque nós próprias somos também parte desse movimento. Percebemos que, salvo as cinco honrosas exceções referidas, o movimento sindical precisa de mais tempo para compreender a justiça das razões desta greve”, refere a ativista. Também nenhuma das principais organizações de defesa dos direitos das mulheres, como a UMAR ou o MDM assumiram oficialmente apoio à greve, mantendo as suas próprias iniciativas.

Mesmo assim, Andreia Peniche confia numa “grande adesão” no próximo dia 8 de março, “porque as razões se somam, porque os tempos que vivemos são intoleráveis, com tantos femicídios e com uma justiça descaradamente machista”.

A violência de género e a cultura da violação são outras das razões centrais do protesto que não se esgota nas greves, prolongando-se nas diversas manifestações agendadas para várias cidades do país.

“A nossa opção não é a de uma grande manifestação nacional, mas de vários protestos, organizados pelas pessoas nas suas cidades, porque são eles que permitem que as mulheres participem”, defende, exemplificando com o seu caso. “Eu, que sou do Porto, não poderia ir a Lisboa a uma manifestação nacional, mas posso ir à da minha cidade. O que é verdadeiramente importante é estarmos juntas, porque essa é a nossa força.”

Rede 8 de Março: greve feminista e manifesto contra desigualdade