“A dermatite atópica é mais do que uma doença de pele”

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Fotografia: iStockphoto

Joana Camilo foi diagnosticada com dermatite atópica aos 7 anos de idade. Atualmente com 40 anos, a investigadora lisboeta é a presidente da recém-criada ADERMAP – Associação Dermatite Atópica Portugal, que foi apresentada publicamente no passado dia 11 de setembro, três dias antes de se assinalar o primeiro Dia Internacional da Dermatite Atópica. A partir de agora, a data de 14 de setembro servirá para chamar a atenção para uma doença que afeta globalmente milhões de pessoas, mas sobre a qual ainda pouco se sabe. Esta doença de pele, crónica e até ao momento sem cura, não é contagiosa. Só que por ser visível, conduz “ao isolamento das pessoas e à estigmatização”, além de os sintomas afetarem o bem-estar diário das pessoas que sofrem dessa condição. “A necessidade de controlo permanente da doença é um desafio muito grande”, conta Joana Camilo, em entrevista ao Delas.pt. partindo da sua própria experiência. Com a ADERMAP quer ajudar a melhorar isso, aproximando aqueles que vivem a doença, através da partilha de experiências e de informações médicas e científicas que possam melhorar a sua qualidade de vida.

Como e quando lhe foi diagnosticada dermatite atópica?
A dermatite atópica foi-me diagnosticada, juntamente com a asma, aos 7 anos. O diagnóstico foi feito pela Pediatra, que possuía também a especialidade de alergologia e que, perante as manifestações e o histórico familiar (mãe asmática com dermatite atópica moderada a grave), seguiram-se naturalmente um conjunto de testes para confirmar o diagnóstico.

Quais foram os primeiros sintomas que teve?
Nessa altura, começaram a aparecer sazonalmente (especialmente no verão) pequenas zonas com a pele mais desidratada e descamativa, com vermelhidão, e relevo e que causavam muita comichão. Estas lesões estavam sobretudo localizadas nas dobras dos joelhos, dos cotovelos, e no pescoço, pois eram das zonas mais afetadas pela transpiração causada pelo calor.

A nova associação, da qual Joana Camilo é presidente, foi apresentada a 11 de setembro. [Fotografia: DR]
Como se caracteriza esta doença, que como diz é muito mais do que uma doença de pele?
A dermatite atópica é uma doença crónica, imunomediada e multifatorial. Esta doença não tem atualmente cura e, apesar de ainda se desconhecerem as suas causas e os seus mecanismos, sabe-se que é determinada pela interação de fatores genéticos e ambientais. É caracterizada por manifestações físicas, mas também psicossociais. As pessoas que sofrem de dermatite atópica veem e sentem os seus efeitos na pele – vermelhidão, edema (inchaço), prurido (comichão), xerose (secura cutânea), fissuras, lesões descamativas, crostas e exsudação. Mas, esta doença tem também vários impactos a nível emocional, como sentimentos de impotência e frustração, ansiedade e depressão quando não é possível controlar a doença. Todas as manifestações associadas à dermatite atópica, visíveis e invisíveis, variam de pessoa para pessoa, e fazem com que as pessoas que sofrem de dermatite atópica tenham uma diminuição significativa da sua qualidade de vida e enfrentem desafios, juntamente com os profissionais de saúde, numa gestão sustentável da doença.

É possível prevenir?
Os tratamentos mais utilizados atualmente para a dermatite atópica tratam apenas os sintomas da doença, e não a doença em si. Há ainda um grande desconhecimento sobre as causas e a interação entre os determinantes genéticos e ambientais desta doença multifatorial, é ainda necessária investigação biomédica, epidemiológica e mesmo antropológica sobre a doença. Felizmente, vários esforços estão a ser investidos para a compreensão da dermatite atópica a nível global pelo que temos de ter a esperança de que a próxima década seja de grandes avanços nesta área. Por não termos uma resposta para a causa da doença, a prevenção da mesma também é um assunto controverso. Como podemos prevenir uma coisa que ainda não conhecemos totalmente?

“A dermatite atópica é muito visível e por isso leva muitas vezes ao isolamento das pessoas e à estigmatização. É preciso informar, sensibilizar.”

Como se trata?
As atuais terapêuticas ajudam a restaurar a barreira da pele, minimizando o agravamento. Mas há muitos casos de pessoas com dermatite atópica moderada a grave que não têm atualmente uma solução e que muito sofrem com esta doença. Tem de ser controlada através do apoio dos profissionais de saúde, que prescrevem a terapêutica mais apropriada e recomendam cuidados diários como hidratação permanente com cremes hidratantes ou emolientes, e produtos de higiene adequados às características da pele na dermatite atópica. O tratamento das lesões causadas pela dermatite atópica é quase sempre feito através da aplicação tópica, segundo instruções médicas, de corticosteroides (cremes com cortisona) ou outros cremes imunomoduladores sem cortisona (pimecrolímus ou tacrolímus).
Quando os tratamentos tópicos não permitem um controlo adequado da doença, os doentes têm de ser sujeitos a um tratamento sistémico através de imunossupressores sistémicos que fornecem uma imunossupressão abrangente (diminuem a reatividade do sistema imunitário). Mas os imunossupressores e os corticosteroides orais têm potenciais efeitos secundários que limitam a duração dos tratamentos. A fototerapia em ambiente hospitalar também pode ser recomendada.

Que impacto ou alterações trouxe essa condição à sua vida e rotina diária?
Esta doença tem um grande impacto na minha vida. Os sintomas físicos (vermelhidão, secura, dor causada pelas lesões e sobretudo a comichão) são muitas vezes difíceis de controlar e afetam o meu bem-estar. Tento abstrair-me o mais possível para que não interfira nas minhas atividades diárias, pessoais e profissionais, mas a necessidade de controlo permanente da doença é um desafio muito grande. Como a minha pele é muito sensível e requer muitos cuidados, nomeadamente de hidratação e controlo da temperatura, atividades normais como fazer exercício físico, são um desafio, sobretudo quando estou numa crise que cobre uma parte extensa do meu corpo.

“As atuais terapêuticas ajudam a restaurar a barreira da pele, minimizando o agravamento. Mas há muitos casos de pessoas com dermatite atópica moderada a grave que não têm atualmente uma solução e que muito sofrem com esta doença.”

 

A sociedade está preparada para dar condições aos doentes com dermatite atópica? Se não, o que falta?
Infelizmente, e não obstante os esforços e desenvolvimentos na atenção e tratamento desta doença, muitas pessoas com dermatite atópica moderada a grave sentem ainda um prurido severo e exacerbações de sinais e sintomas, apesar da utilização de tratamentos tópicos e/ou sistémicos. Há ainda uma grande necessidade para opções de tratamento adicionais, que conjuguem eficácia e segurança no longo prazo, pois é uma doença crónica e os tratamentos atuais não podem ser prolongados no tempo porque têm potenciais efeitos secundários. Apesar de esta doença afetar globalmente milhões de pessoas, a sociedade em geral ainda desconhece o que é a dermatite atópica. A dermatite atópica é muito visível e por isso leva muitas vezes ao isolamento das pessoas e à estigmatização. É preciso informar, sensibilizar. É preciso relembrar que não é uma doença contagiosa e que é uma doença crónica que tem um impacto físico, na qualidade de vida e também financeiro nas famílias com esta doença. É preciso uma maior atenção sobre esta doença a todos os níveis. O tratamento requer a aplicação contínua de cremes hidratantes e emolientes que são muito caros e não têm qualquer tipo de comparticipação pois são considerados como “produtos estéticos”. A dermatite atópica é mais do que uma doença de pele. É constatada uma necessidade médica significativa para o tratamento de adultos com dermatite atópica moderada a grave não controlada, que melhore efetivamente as lesões cutâneas, reduza o prurido e aumente a sua qualidade de vida.

Qual é a prevalência da doença em Portugal?
Apesar de ser uma doença cutânea muito comum, cerca de 4,4% da população europeia tem dermatite atópica, ainda não conhecemos a prevalência em Portugal desta doença, não sabemos ainda qual o número de pessoas que sofrem com esta doença, e qual o impacto socioeconómico da mesma. É preciso conhecer estes números e dar uma maior atenção ao impacto da dermatite atópica.

Quais são os objetivos da primeira associação representante das pessoas que vivem com Dermatite Atópica, a ADERMAP?

A ADERMAP foi criada por um grupo de pessoas com dermatite atópica, e familiares, que sentiram uma necessidade urgente de fazer algo, ajudar a dar voz às preocupações, necessidades e impacto no dia-a-dia desta patologia. A ADERMAP quer ajudar a aproximar e capacitar a comunidade de dermatite atópica em Portugal, bem como a promover a troca de experiências, a investigação e a partilha de informação e educação sobre esta doença, e sobre as formas de tratamento e controlo, esperando assim ajudar a aumentar os outcomes de saúde, nomeadamente no que toca à qualidade de vida das pessoas afetadas por esta doença, e pelas suas co-morbilidades.

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