A “dor” da demissão, o silêncio na candidatura a Lisboa, o arrependimento e o sonho de ser jornalista

AudiÁ„o da ministra da Sa˙de Marta Temido
A ministra da Saúde, Marta Temido [Fotografia: JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA]

“Dói bastante”, afirmou a ex-ministra da Saúde em entrevista a Manuel Luís Goucha, no programa vespertino da TVI, sobre a demissão do cargo, em agosto. Três meses depois de ter deixado a pasta na sequência de um “verão tenso” marcado pela crise nas urgências hospitalares do Serviço Nacional de Saúde, em particular ginecologia-obstetrícia, e pela forte contestação dos médicos. “Claro que dói, estamos num projeto, estamos até à mais pequena molécula enterrados num projeto, a viver, a defender um projeto e temos de ter o tal distanciamento. Já não estamos a contribuir, estamos a ser mais prejudiciais e nocivos do que úteis. E quando se está nestas funções é preciso saber sair de nós e vermo-nos de fora”, afirmou, referindo o acompanhamento do “primeiro-ministro [António Costa]” nesta decisão.

Na entrevista, revelou que à data da demissão, Marta Temido “não” percebeu “que era inevitável”. “Percebi, por um lado, que estava cansada, talvez não tenha medido a determinado momento a minha força anímica. Mas, se por um lado, faço essa análise, não avaliei bem as minhas forças, também faço outra: nunca fui de virar as costas e até por essa razão mais estratégica dos interesses”.

Porém, acrescentou: “Há um momento em que se percebe que não dá para continuar e também é preciso refrescamento de protagonistas, de élan e para a aplicação do mesmo programa, que é o programa do governo.”

Em jeito de balanço, Temido considera que “apesar das dificuldades”, sente-se “grata por poder servir o pais, um projeto politico no qual acreditava”. Depois de uma fase de “torpor” após a demissão, Marta Temido diz ter dormido bastante e lido.

“Claro que me arrependo, há coisas que faria de forma diferente”

Falando na sua experiência como deputada, Marta Temido – agora militante socialista e não mais independente – disse que a política “não pode ser um exercício etéreo que deva ser deixado aos outros, uma discussão que deva ser deixada a uma elite”. “Temos de nos apropriar”, acrescentou. “Claro que me arrependo, há coisas que faria de forma diferente”.”A minha pouquissima experiência como deputada que antes não valorizava. A dialética que se gera na AR é importante, a capacidade de ouvir e contra-argumentar, de trocar argumentos é muito importante e hoje é mais claro a necessidade de manter essa argumentação”.

Temido revelou que possivelmente não se teria inscrito no Partido Socialista se não tivesse passado pela governação. “Talvez não. Sou daqueles portugueses, militantes do Partido Socialista que se reveem muito no percurso recente do PS, naquilo que foi feito no governo recente”, acrescentou.

Sobre o futuro do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e quais os maiores ameaças – falta de verbas, menos profissionais, má gestão – Marta Temido afirmou que “se calhar é um bocadinho de tudo”. “Mas se abrirmos um jornal espanhol, francês, vimos, em todos, os mesmos problemas, temos de nos perguntar o que faz com que todos tenham os mesmos problemas. Há aqui alguns aspetos que levam a isso e um deles é a crescente exigência da população. Por outro lado, as circunstâncias de serviços que viveram anos de grande austeridade, em que foram muito reduzidos em determinados momentos, por razões históricas e aos quais não poderiam escapar, e agora têm dificuldade em lidar com as maiores exigências”.

Câmara de Lisboa em 2025?

Em dois momentos distintos, a possível candidatura às Autárquicas e à Câmara de Lisboa foi tema de conversa, com a ex-ministra e atual deputada Marta Temido a sorrir diante da pergunta, embora nunca a negue categoricamente. “Às vezes, há algumas ideias que se põem em comunicação para ver como as pessoas reagem. Eu rio-me, evidentemente”, acrescentou.

Um momento em que elogiou quem está em funções autárquicas. “Deve ser um dos exercícios mais difíceis. Só havia um lugar que imaginava mais difícil do que o de Ministra da Saúde e era presidente de Câmara pela abrangência de temas e pela pressão diária que imagino que exista. Há sempre algo na cidade a acontecer”.

Já no fim da conversa, o tema voltou a estar em cima da mesa e Marta Temido voltou a reagir a ele com um sorriso e evocando o humor: “O sentido de humor é essencial”, afirmou.

Recorde-se que Marta Temido integra a lista de Davide Amado, presidente da Junta de Alcântara, à Concelhia do PS.

O meu sonho era ser jornalista”

Numa primeira entrevista após a saida do Ministério da Saúde e concedida ao rosto da TVI e apresentador Manuel Luís Goucha, Marta Temido revelou que nunca ambicionou ou pensou vir a ser ministra. As intenções eram outras: “O meu sonho era ser jornalista”.

Cursou Direito, mas “a primeira reação ao curso foi uma desilusão”. “Não era boa aluna. Essencialmente porque é um curso árido que nos formava bastante bem, difícil e muito teórico. O que eu queria era mudar para o jornalismo por causa de uma certa imagem romântica, capacidade de intervenção em relação ao mundo.”