“A equitação adaptada ainda está pouco desenvolvida em Portugal”

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Fotografia de Jorge Amaral

Ana Mota Veiga tem paralisia cerebral. Começou a fazer hipoterapia em criança, quando começou a dar os primeiros passos e depressa nasceu a paixão pela equitação. Aos 42 anos, quando menos esperava, conseguiu garantir a sua primeira participação nos Jogos Paralímpicos. Está feliz, mas não esquece que há dois anos esteve perto de desistir de tudo.

O seu cavalo Vento da Devessa morreu antes de se qualificar para o Rio2016. Na paradressage (equitação adaptada) cavalo e cavaleiro são um só. Quando o cavalo morre, o cavaleiro fica a zeros no ranking. Apesar de até ter ponderado deixar de montar, a cavaleira teve à sua volta pessoas que não a deixaram desistir.

Continuou e venceu, tal como tem vencido em toda a sua vida. Mesmo com as condicionantes físicas e cognitivas provocadas pela paralisia cerebral, cresceu e tornou-se audiologista nos serviços médicos da TAP. Leia a entrevista a esta verdadeira guerreira.

Como é que começou a praticar equitação?

Comecei por indicação médica. Quando era bebé o médico disse à minha mãe que me fazia bem praticar hipoterapia. Eu era seguida na Suíça e cá em Portugal, nos anos 80, ainda não se falava de hipoterapia. Nós vivíamos numa quinta e a minha mãe, que adora animais, comprou um cavalo e comecei a fazer uma espécie de hipoterapia caseira. Tinha dois ou três anos, ainda nem andava.

Quando se apercebeu de que queria ser cavaleira?

Na altura não havia escolas de equitação em Manteigas, mas fui-me habituando ao cavalo. Só quando vim para Lisboa é que comecei a ter aulas. Primeiro, aulas de volteio na GNR de Braço de Prata. Depois passei para o Centro Hípico Costa do Estoril.

Quais são as suas maiores conquistas na modalidade?

Já tive alguns bons resultados, mas a nível nacional a paradressage [equitação adaptada] ainda está pouco desenvolvida, não há muita competição.

Portugal só tem uma vaga na equitação para os Jogos Paralímpicos do Rio de Janeiro. Nos anos anteriores foi a Sara Duarte. Este ano calhou-lhe a si.

É muito injusto, a Sara também merecia. Aconteceu exatamente o mesmo que em Londres. Na altura também tentei ir aos Jogos e tinha mínimos para qualificação, mas como só abriu uma vaga e na altura era a Sara quem estava melhor posicionada no ranking foi ela. Uma injustiça. E desta vez aconteceu com ela.

Por que é que Portugal só tem uma vaga?

Está relacionado com as nossas participações a nível internacional. O problema é que em Portugal não há provas internacionais de paradressage e em Espanha, como não há muitos concorrentes, também não fazem. É só de França para cima e ir a França com o cavalo custa, no mínimo, cinco mil euros. E já estou a contar com tudo o mais barato possível.

É difícil arranjar patrocínios?

São muito escassos. Neste momento tenho uma bolsa do Comité Paralímpico, que é excelente, ajuda imenso, mas não cobre nem de perto as despesas que são necessárias.

Qual é o valor da bolsa que recebe?

É de 225 euros por mês. A equitação é desporto caro: equipamento e cuidar do cavalo. Não consigo trabalhar com o cavalo todos os dias. Agora consigo porque estou de férias, mas regra geral trabalho em Lisboa durante a semana, o meu treinador afina o cavalo e ao fim de semana monto. Não tenho força, agilidade nem disponibilidade para trabalhar o cavalo ao ponto de ele estar bem para mim. Durante a semana também vou ao ginásio para manter a forma física e aos fins de semana monto.

É a sua primeira vez nos Jogos Paralímpicos. Como se sentiu ao saber que ia?

Nem queria acreditar. Estou com este cavalo só há dois anos, o meu outro cavalo morreu e quando o cavalo morre vamos a zero no ranking, somos considerados um todo. Pensei que tudo tinha acabado e não ia ao Rio. Ainda ponderei se continuava a montar ou não, mas depois surgiu um convite e voltei a montar, a fazer provas. Correu tudo tão bem que consegui.

Como é que os seus pais e amigos reagiram?

Ficou tudo eufórico, os meus pais babadíssimos, como qualquer pai. Os meus amigos também têm dado imenso apoio e brincado. É um sonho que se está a concretizar.

Qual foi a chave para esta conquista?

O cavalo tem um passo magnífico, adaptou-se muito mais rapidamente do que eu estava à espera e também foi uma questão de sorte, felizmente.

Há algo que tenha mudado no seu treino por se estar a preparar para os Jogos?

Intensificamos o mais possível, mas claro que queria treinar ainda mais. Lá fora a competitividade é enorme.

Há alguma adversária que tema especialmente?

Não. Tenho muito respeito pelos meus adversários, mas todos damos o nosso melhor durante a preparação e depois logo se vê o que acontece.

Qual o principal objetivo no Rio?

Sonhamos sempre com medalhas, mas não vai ser fácil. Quando se entra em pista é sempre para ganhar, dá-se o melhor que se pode e depois logo se vê o que acontece. Não faço ideia até onde vou chegar.

Fica muito nervosa quando entra em pista?

Não. Costumo estar nervosa antes. Quando entro em pista, acalmo.

Tem alguma superstição antes das provas?

Não. Só festinhas ao cavalo.

Mas sei que o seu pai lhe ofereceu um pin em forma de cavalo. Vai ser o seu amuleto da sorte?

Vai, um deles. Tenho um fio ao pescoço com o Vento, o outro cavalo que morreu.

Tem tido o apoio da psicóloga desportiva Ricardina Menezes. Qual a importância deste acompanhamento?

Imensa, tanto na gestão do stress como para fazer treino mental. Tem ajudado imenso. Já trabalho com ela desde junho.

Qual a importância da relação entre cavalo e cavaleiro?

Se não comunicarmos bem não nos entendemos, depois andamos sempre à guerra um com o outro e fica feio em competição. Se tivermos uma boa comunicação a prova flui mais, fica mais bonita e os erros não acontecem ou acontecem menos.

Essa comunicação fortalece-se apenas na pista?

Não. É essencialmente fora dela, dentro é o resultado final. Cá fora são os miminhos ao cavalo. Eles ligam imenso às pequenas coisas, à cenourinha e à maçãzinha.

O que achou da prestação portuguesa nos Jogos Olímpicos?

É muito difícil chegar ao nível das medalhas. Há quem diga que trouxeram poucas medalhas, mas temos de ver que o nível lá fora é muito elevado e cá a maioria dos atletas treinam e trabalham ao mesmo tempo. Lá fora treinam de manhã e à tarde, todos os dias. Não é a mesma coisa. Aquilo que fiz nesta última semana e meia de vir para aqui treinar duas vezes por dia – e não treino mais porque o cavalo não deixa – os outros fazem o ano inteiro. Na equipa paralímpica inglesa, por exemplo, os atletas são profissionais e não têm de se preocupar em encontrar cavalos. A nível de apoios também têm mais do que nós.

É possível um atleta paralímpico viver só do desporto em Portugal?

É totalmente impossível. Claro que pratico um desporto caro, completamente diferente de um atleta de atletismo que não precisa de muita ajuda, só de um bom par de tenis. Aqui é completamente diferente.

Qual a maior lição de vida que a equitação lhe deu?

Ensinou-me a respeitar o outro, neste caso o cavalo, a ser humilde e a ter confiança.