Por Marta Marques
Cláudia Sofia tem hoje 25 anos, e com apenas 12 a balança já apontava para os 100 quilos. Foram anos de luta, com mil e um problemas pelo caminho, desde a saúde ao convívio com os outros. Chegou a pesar 135 quilos, sonhava ser magra e conseguiu. O sonho tornou-se real, não pela estética, mas por uma questão de sobrevivência. Das duas uma: ou se tratava rapidamente, ou morria.
“Levantava-me todos os dias já cansada, sempre a pensar em comida, e com muita dificuldade em mexer-me. Quando saía à rua tinha que lidar com os olhares das pessoas e com as piadas maldosas das crianças. Não era fácil”, recorda Cláudia ao Delas.pt.
Em 2014 foi-lhe diagnosticada obesidade mórbida e aos 21 anos já era portadora de diabetes tipo 2. Os valores de colesterol situavam-se muito acima do recomendável e o risco de enfarte era bastante elevado.
Já no início da adolescência havia reconhecido que algo não estava bem. Além de a balança marcar os 100 quilos, o visual diário não deixava grandes alternativas: “Andava sempre com a mesma roupa porque já nada me servia”.
Revela que chegou a ter vergonha de comer em frente às pessoas. Sentia que todos olhavam para ela e recordou um momento que a marcou durante a infância: “Lembro-me que uma vez, durante uma festa de anos no McDonald’s, uma senhora veio ter comigo e disse-me para não comer porque já estava demasiado gorda“.
“Tentei lutar contra a obesidade, mas a doença vencia sempre”
Também no ensino básico, as aulas de educação física eram um pesadelo, e as desculpas para não ir tornaram-se uma constante: “Primeiro, porque não me queria despir no balneário em frente das outras raparigas, e segundo, porque já não conseguia fazer as aulas. Até atestados médicos tentava arranjar para ter falta justificada”, relembra.
Os pensamentos eram todos à volta das refeições calóricas e confessa que sempre teve a noção de que comia muito, mas a verdade é que não conseguia parar: “Eu tinha sempre muita fome, estava sempre a comer, principalmente comida de prato”.
A ementa do pequeno-almoço chegou a ser dois croissants mistos com o maior copo de Iced Tea que tivesse no armário lá de casa. Se acordasse perto da hora de almoço, ingeria de imediato o arroz de manteiga e o hambúrguer frito coberto de cebola que se fazia num instante.
“Estava gravemente doente e precisava de ajuda com urgência”
Recorreu inúmeras vezes a nutricionistas, a produtos de farmácia, e a dietas que não davam em nada, porque a verdade é que um ou dois quilos em 135 é o equivalente a uma gota de água. Cláudia e os pais experimentaram tudo, o que só lhes valeu menos uns trocos na carteira e um acumular de problemas de saúde. O efeito bola de neve não abrandava o passo: “já nem os atacadores conseguia apertar sozinha”.
Foi a mãe, Lurdes Braga, que no meio do desespero tomou a iniciativa de levar a filha ao médico. Num hospital privado, em Lisboa, pediam-lhe €90 euros por cada consulta e os exames necessários para a operação “eram um balúrdio”, recorda Cláudia. “Chegaram a pedir-me mais de €100 euros para fazer uma endoscopia”.
Nessa altura percebeu que a família não tinha dinheiro para tudo e teve que desistir dos tratamentos. Só a cirurgia ficava a rondar os €13.000 euros, fora os exames e as consultas, que tinham que ser pagos à parte. “Se calhar €50.000 não chegavam”, recordou a jovem. Por ali ficaram. “Nessa altura perdi toda e qualquer esperança. Senti-me perdida”.
No entanto, em 2015, quando acompanhou a avó numa consulta de rotina, a médica de família que as atendeu não ficou indiferente ao aspeto de Cláudia. “A médica disse que eu estava gravemente doente e precisava de ajuda com urgência”. Depois disso, foi acompanhada durante um ano e examinada por médicos especializados na área da obesidade e da psicologia e teve um reforço no acompanhamento pré-operatório no Hospital Egas Moniz, em Lisboa – local onde foi operada.
Após ter recorrido ao Slevee Gastico – redução do tamanho do estômago -, logo nos primeiros dois meses conseguiu perder mais de 30 quilos. A recuperação não foi nem está a ser fácil. E dizemos que não está a ser, porque ainda há muita coisa por fazer, mas já lá vamos.
“Se comer mais do que aquilo que devo vomito”
Na primeira semana, logo depois da operação, esteve ligada a soro e não podia ingerir nenhum alimento (nem sequer água), e no mês a seguir alimentou-se à base de líquidos: “ficava cheia com metade de uma chávena de café”.
A partir do momento em que começou a ingerir alimentos sólidos, dois meses após a intervenção cirúrgica, percebeu que tudo ia ser diferente: “Eu não tinha fome nenhuma e ficava saciada com muito pouco”.
Os açúcares foram proibidos e as bebidas à refeição só mesmo em sonhos: “Já não consigo beber nada às refeições, nem sequer água, caso contrário fico cheia muito rápido e não consigo comer”. O Iced Tea, bebida que antes era indispensável em qualquer refeição, passou a ser o veneno lá de casa. A sopa passou a ter entrada obrigatória no menu, mas confessa que nem sempre a come.
As doses passaram a ser mínimas e hoje, dois anos depois, ainda não consegue comer uma banana inteira, por exemplo. O estômago foi reduzido para mais de metade, o que a protege contra excessos desnecessários: “Se comer mais do que aquilo que devo vomito de imediato”.
“Ainda não me consigo olhar ao espelho sem roupa”
E é por tudo isto que Cláudia continua numa luta constante. Apesar de hoje o corpo suportar menos 70 quilos e de poder dizer, orgulhosamente, que pesa 65, nasceram muitos outros problemas inerentes ao facto de não conseguir ingerir a quantidade necessária de alimentos, que dão força ao corpo humano no geral: “tive muita queda de cabelo, anemia, dores nas costas e tomo diariamente vitaminas que me vão acompanhar até ao resto da minha vida“.
As marcas no corpo apontam para alguém que perdeu muito peso e que ainda não se submeteu a uma intervenção que ajude a harmonizar as suas formas. “Ainda não me consigo olhar ao espelho sem roupa, tenho muitas peles e isso incomoda-me muito”. Por outro lado, “vejo uma pessoa nova”, disse.
Neste momento a jovem está à espera de ser chamada para as primeiras cirurgias de estética, que fazem parte de todo o processo. E quando nos referimos a “estética” não fazemos ligação direta à beleza, mas sim à saúde.
Devido ao excesso de pele em várias partes do corpo – e como era de esperar – Cláudia sente algumas limitações no quotidiano, como andar, vestir, correr, etc. Podendo beneficiar de apenas duas cirurgias, já se decidiu quanto às zonas a intervir: “Vou optar pela barriga e pernas que são as partes que mais me incomodam”.
“A minha maior conquista foi ganhar saúde”
A saúde esteve sempre em primeiro lugar e admite mesmo que essa foi a sua maior conquista. Depois de ter perdido tanto peso, o que parece completamente normal para uns, é mais uma vitória para Cláudia: “Conseguir subir cinco degraus sem me cansar, conseguir cruzar as pernas, e conseguir fazer a minha higiene pessoal com facilidade foi uma coisa incrível. Nunca pensei que fosse possível. É como se tivesse a conhecer-me de novo”.
Hoje está livre da diabetes e ganhou qualidade de vida. “Sinto-me uma mulher nova, com mais força para ultrapassar os obstáculos. Já cuido mais de mim e sinto-me mais confiante para sair a rua”, garante Cláudia.
O companheiro, com que namora há sete anos, foi um elemento fundamental em todo o processo, bem como a família que a acompanhou todos os dias. A data de casamento já está marcada e diz ainda que a sua maior felicidade, neste momento, é conseguir caber dentro do vestido de noiva. “Sinto que estou a conseguir finalmente atenuar a minha doença, sim, porque eu sou obesa e vou continuar a ser. Acho que agora me sinto bem, mas continuo numa luta constante”.
Mulheres pobres ficam obesas porque dão os melhores alimentos aos filhos