“A mulher é sempre o centro da casa e por isso é muito importante na construção da sociedade”

Foi numa pequena aldeia na Galileia, norte de Israel, que nasceu a marca de sabonetes artesanais Gamila Secret. Este produto é hoje vendido em todo o mundo e é feito a partir de plantas medicinais nativas daquela zona.

Gamila Hiar é a mulher por trás desta marca única, inspirada pela sua mãe que curava as pessoas da aldeia através da natureza, Gamila decidiu aplicar esses conhecimentos ancestrais num produto de beleza. No entanto, a sua condição de mulher drusa, uma minoria muçulmana que não permite às mulheres trabalharem, obrigou-a a enfrentar toda a família para se tornar a primeira mulher independente da sua aldeia.

Foram precisos 40 anos para descobrir a fórmula que deu origem a esta marca que está venda à em Portugal, em exclusivo na Perfumes & Companhia, e em muitos outros países. Todos os sabonetes continuam a ser fabricado artesanalmente na Galileia, numa fábrica onde trabalham apenas mulheres, dando a primeira hipótese de uma maior liberdade às mulheres drusas. Gamila Hiar esteve em Portugal e falou com o Delas.pt.

Tive de enfrentar os insultos da minha comunidade, porque a minha religião não deixava as mulheres trabalhar

Porque é que a Gamila começou esta marca?

A principal razão foi porque quando na minha aldeia havia falta de médicos a minha mãe curava as pessoas com plantas, e eu via os resultados da natureza, o resultados das plantas medicinais. Por isso decidi aplicar esses conhecimentos num produtos de beleza que além de cosmético também tivesse essa vertente curativa da pele.

Como é que a sua vida mudou enquanto mulher árabe por ter a sua própria marca?

Tive uma vida muito difícil, porque passei 40 anos a fazer pesquisa para encontrar a fórmula certa e nessa altura tive de enfrentar os insultos da minha comunidade, porque a minha religião não deixava as mulheres trabalhar. Tive de lutar contra esses valores. A principal mudança foi que se antigamente não tinha dinheiro para comer bem, mas tinha a cabeça vazia de preocupações, agora mantenho a vida simples mas tenho muito mais responsabilidade. Tenho responsabilidade pelas pessoas que emprego e pelas pessoas que quero ajudar.

A família da Gamila não a apoiou neste seu caminho independente, nunca pensou desistir, casar e seguir o caminho tradicionalmente reservado às mulheres da sua comunidade?

Tive uma vida difícil sim, podia ter escolhido a vida de casada, seria mais sossegada sem dúvida, mas pensei porque é que vou ter filhos se não conseguir dar-lhes uma boa vida, porque é que não ei de conseguir ter a minha casa própria e ajudar outras pessoas. Eu fui a primeira mulher que trabalhou na minha aldeia. Quando comecei a trabalhar e o meu marido não estava, tive de ir fazer as minhas pesquisas para longe da aldeia para que ninguém soubesse, porque uma mulher que trabalha na minha comunidade é muito mal vista e é uma vergonha para a família. Por isso o meu tempo de pesquisa e de experiências para conseguir a formula foram feitas em isolamento.

A sua família aceitou-a bem quando regressou ou o elo ficou cortado para sempre?

Naqueles primeiros 3 anos de trabalho a minha mãe não soube o que estava a fazer. Quando soube ficou muito triste, no total foram 14 anos de pesquisa, deixou de me falar e quando encontrei a minha fórmula e comecei a aparecer na televisão e jornais foi muito difícil enfrentar a minha família porque eles não aceitavam que uma mulher tivesse essa exposição. Mas depois perceberam que o meu caminho era diferente, eu não queria ser uma celebridade, o meu objetivo não era expor-me mas sim ajudar e empregar e outras pessoas. Quando viram que montem uma fábrica para dar trabalho a mulheres num ambiente preservado e que as deixava à vontade perceberam que estava a fazer a coisa certa.

Nós podemos esticar-nos muito até um determinado ponto, mas quando chegámos às leis religiosas não podemos andar mais, nem apelar à mudança.

As mulheres que trabalham consigo que já são de outra geração, enfrentam as mesmo dificuldades ou hoje já é permitido mulher à árabe ter outra liberdade?

Hoje em dia já não existem as barreiras de outros tempos. Na minha aldeia há juízas e médicas que fazem o mesmo trabalho que os homens e enfrentam as mesma dificuldades. Claro que estas são as mulheres modernas, não são as mulheres religiosas, essas continuam a ter os mesmos problemas. As mulheres religiosas não podem, por exemplo, trabalhar num local onde existem homens, é por isso que na minha fábrica não existem homens, para que estas mulheres se sintam à vontade e possam trabalhar e ajudar as suas famílias.

Acha que é possível ser religiosa (drusa) e ser independente?

Na religião drusa, ainda existem muitos limites para as mulheres. Não lhes é permitido conduzir um carro, não podem trabalhar em muitos locais.

Como é que isso pode mudar?

Muita coisa podem mudar, mas no que diz respeito à religião, em todas elas, há muita coisa que é basal e por isso não pode mudar. Nós podemos esticar-nos muito até um determinado ponto, mas quando chegámos às leis religiosas não podemos andar mais, nem apelar à mudança.

As mulheres religiosas preferem morrer de fome a trabalhar num sítio onde teriam de se misturar com homens.

Ao dar emprego a mulheres drusas na sua fábrica acha que está a abrir a porta para que elas eduquem as suas filhas de uma forma diferente daquela como foram educadas, onde a independência estará mais presente, ainda que dentro dos limites da religião? Acha que o seu trabalho pode ajudar a criar uma nova geração de mulheres mais independentes?

Muitas mulheres que trabalham comigo têm filhas que trabalham, que não são religiosas, a religião é uma liberdade e uma escolha de cada um. Na geração de hoje em dia as mulheres são quase obrigadas a trabalhar, porque têm de levar rendimentos para casa porque o salário apenas do marido nunca é suficiente. As mulheres que trabalham estão a contribuir para a educação dos seus filhos e por isso fazem parte do processo necessário para criar uma boa geração seguinte. Além de que em geral a mulher é sempre o centro da casa e por isso é muito importante na construção da sociedade.

Essa mudança na aldeia da Gamila, em particular, está relacionada com uma necessidade económica e de acesso a serviços?

O monte da Galileia é um lugar sagrado e abençoado, onde as as pessoas que não são religiosas têm empregos comuns em cafés, hospitais, limpezas, medicina, etc. mas as mulheres religiosas preferem morrer de fome a trabalhar num sítio onde teriam de se misturar com homens. Por isso, a fábrica dos meus sabonetes é o único sítio onde essas mulheres podem trabalhar, e não sentir que estão a ir contra os seus princípios religiosos. Por isso a grande dificuldade para as mulheres drusas é conseguirem ofertas de trabalho em locais exclusivamente femininos que não comprometam os seus valores.

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A Gamila já viajou por todo o mundo para promover os seus sabonetes, quais foram as maiores diferenças que encontrou entre as mulheres de outras partes do mundo e as da sua comunidade?

Não posso fazer comparações entre as mulheres, porque temos culturas e religiões diferentes. Eu tive a oportunidade de estar em vários países do mundo e sempre respeitei essas diferenças, porque também me senti respeitada. Por isso não posso dar a minha opinião, apenas posso dizer que respeito as diferenças. Não existe um Deus dos Cristãos, um Deus dos Drusos e um Deus dos Muçulmanos, existe sim um Criador de todos os Homens. Por isso o que temos de ter uns pelos outros é amor, respeito e paz.

E o que é que temos em comum, porque a Gamila é árabe e criou uma fórmula que funciona com todas as mulheres por isso algo temos de ter em comum?

Esta barra de limpeza é feita com muito amor e as coias quando são feitas com amor chegam sempre bem a todas as pessoas sejam de que zona do mundo forem.

Tem algum segredo de beleza que possa partilhar connosco?

Acho que o importante é voltar à natureza, tratar o interior e o exterior através da natureza. Não nos devemos deixar-nos enganar pelos resultados rápidos dos ingredientes químicos, porque mais tarde vão ter efeitos secundários. O mais importante é procurar ingredientes naturais.

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