A natalidade não aumenta com paliativos

Carla Macedo
Carla Macedo

Calhando olhávamos para os números. Comparar números com números, estatísticas com estatísticas, tem o efeito extraordinário de nos iluminar sobre questões tão difíceis de resolver como a que, de há uns anos a esta parte, se tem tornado um desígnio nacional: a natalidade.

O salário mínimo em Portugal é de 530 euros. O salário mínimo em França é de 1458 euros. O salário mínimo em Portugal é a remuneração de 16% da população ativa. O salário mínimo em França é a remuneração ganha por 6,1% da população ativa. Todos os outros que trabalham ganham acima destes valores.

É inegável que somos mais pobres, é inegável que há 1 milhão e 600 mil residentes em Portugal que, mesmo trabalhando, não ganha para o básico.

Agora os números que me fazem pensar se somos um país pobre ou um país com muitos pobres. Há uma ferramenta da CIA, e que o Banco Mundial também usa como referência, que analisa a distribuição de rendimento das famílias. Chama-se GINI Index e um país que tenha uma distribuição perfeitamente igualitária de riqueza terá zero nesta escala (não existe, claro está), e quanto mais próximo dos 100 pontos uma país estiver mais desigual é. França consegue nesta escala um 30,60. Portugal um 38,50. É na verdade o que sempre ouvimos: o fosso entre os mais ricos e os mais pobres é grande e é inultrapassável para os mais pobres.

Se tivermos preguiça de fazer mais contas podemos consultar o site If It Were My Home. Torna-se mais fácil ver a relação entre filhos nascidos e rendimentos obtidos por país. Se vivêssemos em França, provavelmente faríamos mais 55% do dinheiro que conseguimos em Portugal (31 mil euros para 20 mil euros anuais em média), teríamos mais 33% bebés (1,24 para 0,94). Claro que há exceções na Europa desenvolvida, mas na maioria dos casos há uma relação entre maiores rendimentos, menos tempo dedicado ao trabalho e mais filhos por mulher em idade fértil.

Então as medidas estudadas e apresentadas desde há uns anos parecem-me paliativos. São coisas que ajudam a disfarçar o fenómeno e lhe tiram a dor ou lhe dão uma aparência diferente, mas cujo fim vai ser o mesmo. Parece-me que não temos filhos porque somos um país com muitos pobres e como demasiada gente a correr todos os dias desalmadamente para fugir à pobreza e a pobreza sempre no calcanhar dessas pessoas a arreganhar o dente. Felizmente, ainda vamos tendo dinheiro para os contracetivos.