A precariedade é a maior dificuldade para as mulheres cientistas

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Na cerimónia de entrega das Medalhas de Honra L’Óreal Mulheres para a Ciência, realizado esta segunda-feira, no Pavilhão do Conhecimento, em Lisboa, as quatro cientistas agraciadas afirmaram que a maior dificuldade para exercerem as suas profissões é a precariedade. “É um problema que afeta mulheres e homens de igual forma”, disse a investigadora Maria Inês de Almeida ao que Patrícia Baptista acrescentou:

“A precariedade acarreta dois problemas: um para a organização das vidas pessoais, outro para o desenrolar das investigações.”

As quatro mulheres disseram em palco não sentir na pele as problemáticas de género. Tendo entre 33 e 35 anos, as cientistas fazem parte de uma geração de mulheres que consegue fazer ciência, sem os obstáculos que tolhem normalmente o género feminino outras áreas. As estatísticas são públicas: do total dos investigadores a exercer em Portugal, 45% são mulheres e embora nos cargos de chefia essa percentagem diminua, as coordenações femininas tendem a crescer, de acordo com investigadora premiada Ana Rita Marques, que reporta também ela a uma mulher.

Os números são bons mas não chegam

Alexandre Quintanilha, o cientista, deputado e membro do júri dos prémios L’Óreal Mulheres para a Ciência subiu ao mesmo palco com uma perceção diferente. Para este homem de 71 anos, o caminho para a igualdade de género ainda não está feito na totalidade. Iniciou o discurso com o intuito de responder a uma questão que lhe é feita, segundo ele, demasiadas vezes: serão estes prémios ainda necessários?

“É mais do que evidente que ainda são necessários. Ainda há uma espécie de glass ceiling, as mulheres fazem tanto ou mais do que os homens mas depois há uma espécie de teto de vidro acima do qual as mulheres têm muita dificuldade em chegar. No fim da primeira década deste século, segundo dados da National Academy of Science, só 20% das mulheres é que estavam em funções de CEOs nas companhias, e só 6% é que estavam nas áreas das engenharias. Nos parlamentos, só 11 países é que conseguem ter mais de 40% de deputados que sejam mulheres e a média global, em todo o mundo, anda à volta de 20%.”

O cientista seguiu com os números das estatísticas que demonstram ausência de mulheres nas posições de chefia de empresas na Europa, dos Estados, das instituições científicas, e que são claros no que toca à desigualdade salarial – “as mulheres trabalham entre um mês e um mês e meio de graça” – para desembocar no caso de Malala Yousafzai:

“Anda por esse mundo fora a defender o direito das mulheres jovens terem acesso à educação. Nem sequer é a prémios, é a terem acesso à educação. Poderem ir à escola, poderem aprender. No fundo é defender o direito que as mulheres têm ao conhecimento e através do conhecimento as mulheres acederem às vidas que querem viver.”

Alexandre Quintanilha relembrou no final do discurso a importância do processo democrático no País para o exercício da autodeterminação das mulheres.

“Gostava de lembrar que em Portugal essa alteração para uma democracia deu a todos nós, portugueses, liberdade política. Os homens e as mulheres ganharam liberdade política nessa altura. O que é interessante é que as mulheres ganharam muitas outras liberdades que não tinham e as mulheres perceberam isso mesmo. Elas agarraram nessas liberdades que tiveram, que conquistaram nessa altura. Ganharam muito mais do que os homens em Portugal e acho que isso se vê na forma como estão presentes [na sociedade], no empowerment que aceitaram e que interiorizaram. Hoje percebemos que é por isso que Portugal está nas melhores [posições] nas estatísticas da Europa no que toca à presença de mulheres.”

A evolução da participação das mulheres na ciência

O Presidente da República esteve presente no evento e entregou os galardões às premiadas. Marcelo Rebelo de Sousa afirmou que este prémio é um símbolo da importância das mulheres portuguesas na ciência. Destacou o papel de Maria Cavaco Silva como madrinha das medalhas durante 10 anos e convidou a ex-primeira dama a prosseguir o trabalho de patrocínio de instituições como os prémios L’Óreal Mulheres para a Ciência. Depois, destacou o papel das mulheres na ciência:

“Uma carreira – e recordo-me dos meus tempos de atividade académica – foi vista durante muitos anos como uma tarefa para homens, dominada por homens, liderada por homens, mas em que se deu progressivamente uma inversão muito positiva, atraindo um número crescente de mulheres de altíssima qualidade. E Portugal é hoje o exemplo de país com grandes investigadoras, nas mais diversas áreas, de várias gerações e que continuam a prestigiar o país. Basta ter presente o que se passa nas universidades, curso a curso, ano letivo a ano letivo, para se perceber que muito em breve o problema será exatamente o inverso. [Será preciso fazer] a criação de prémios para homens investigadores tal é, felizmente, o domínio das mulheres em largas áreas da investigação no nosso país”, afirmou, arrancando risos à audiência.

As Medalhas de Honra das Mulheres da Ciência destinam-se a doutoradas, com menos de 36 anos, que realizam investigação em Portugal nas áreas da saúde e do ambiente Desde que foi lançada em 2004, a iniciativa apoiou 41 investigadoras.