No espetáculo de Sónia Baptista a tristeza é o “princípio ativo” para a mudança

“Tristeza não tem fim, felicidade sim”. É assim que, curiosamente, começa o poema ‘Felicidade’, de Vinicius de Moraes, musicado por Tom Jobim. Mas o que parece um paradoxo neste clássico da bossanova, na realidade não o é, e a performance de Sónia Baptista, Triste in English from Spanish, que está na Culturgest (em Lisboa), entre hoje e dia 19, pelas 21h, promete demonstrar isso mesmo.

É que a tristeza é muitas vezes o impulso necessário para se construir uma nova felicidade, ou pelo menos uma mudança rumo a algo diferente, como explica ao Delas.pt, a autora deste exercício artístico que junta teatro, dança e performance.

“A melancolia faz um bocado parte da minha persona, às vezes. A tristeza é uma coisa que todos nós sentimos, de várias maneiras” e ao mesmo tempo é também “um recomeço, uma possibilidade de transformação para o menos triste, ou para a alegria, para se mudar o estado em que se está ou o estado do mundo em que se vive”.

Sónia Baptista, que admite sofrer da depressão – a doença do século XXI, como muitos dizem -, afirma que a tristeza “é um princípio ativo de qualquer coisa”, enquanto “a depressão é o oposto da ação, é o nada, é o não”. “E eu pratico as três coisas e achei que tinha esta possibilidade de falar da minha condição”, explica, acrescentando que a peça também tem muito humor, apresenta a alegria como contraponto em relação à tristeza, assim como sentimentos de esperança e amor.

Daí que quem assista a este Triste in English from Spain, que é agora reposto, depois da estreia em novembro de 2017, chore e ria, se reveja e se sinta compreendido e apoiado nas suas diferentes condições emocionais e psicológicas. “É um trabalho muito importante para mim nesse aspeto, por esta partilha que se conseguiu com o público”, sublinha.

O espetáculo conta com o contributo de mais de 30 mulheres, “para equilibrar” a representação de género no campo das artes, desde mulheres que participaram na escrita de textos, até realizadoras, vídeo artistas, compositoras de música eletrónica e artistas plásticas.

Nestas colaborações destaca-se também a da psicóloga Ana Cardoso de Oliveira, que dinamizou um dos debates complementares ao espetáculo, neste caso sobre o direito à tristeza e o ecofeminismo. Se no primeiro, decorrido na quinta-feira, se explorou a diferença entre tristeza, melancolia e depressão, no segundo, que acontece amanhã, às 18h30, na Culturgest, a ideia é explorar o que é que acontece quando “a nossa casa está deprimida”, refere ao Delas.pt. Ou seja, explorar, a partir de uma perspetiva ecológica, novas hipóteses de relação – uns com os outros e com o ambiente. A conferência tem como convidada a espanhola, Yayo Herrero, investigadora na área da ecologia social, que irá falar do ecofeminismo e de questões como o cuidado da terra e da vida humana, do consumo ambientalmente consciente e da inclusão social, abordando modelos económicos e sociais compatíveis com o movimento regenerativo da natureza, refere a informação da programação.

Ana Cardoso de Oliveira, que tem trabalhado a relação das artes plásticas e da psicologia, explica que “a tristeza é uma emoção reativa a uma perda ou a um luto. É a forma saudável que os seres humanos têm de reagir, enquanto na depressão não há saúde, há doença e com frequência, mal diagnosticada”. Já a melancolia “é a componente física da depressão, um termo muito utilizado desde a antiguidade como se fosse um aspeto criativo e desejável da depressão”.

Por isso, conta Sónia Baptista, este espetáculo espelha também a forma como as diferentes culturas percecionam e assimilam estas condições psicológicas e emocionais. Daí o título Triste in English from Spanish. Surge como uma espécie de síntese – fornecida pela procura feita através do que os motores de busca da internet fornecem – para as diferentes perceções culturais, científicas e sociais das três expressões referidas – tristeza, melancolia e depressão – e também para as suas manifestações artísticas.

Muitas vezes, elas são vistas como impulsionador da criatividade, mais do que outros estados como os de alegria ou euforia, mas será mesmo assim?

“Não necessariamente”, responde-nos Sónia Baptista. “A tristeza, se calhar, ajuda-nos a aprender mais sobre nós, sobre aquilo que queremos, conseguimos e acreditamos. O problema é o sofrimento. A tristeza pode inspirar, porque nos faz procurar mais o porquê, o como é que se pode sair da [própria] tristeza e isso se calhar faz ver mais longe, mas a alegria também é um grande motor de criação.

A tristeza também toca mais um género do que outro e na perspetiva da artista a mulher, por razões sociais e culturais, tem mais propensão para esse estado. “As mulheres vivem numa sociedade patriarcal, injusta, sexista e misógina. É óbvio que somos mais tristes, desde que nascemos que nos é imposta uma série de valores, de modos de ser e de viver que não são naturais e pelos quais temos de lutar. E as mulheres que têm noção do estado das coisas não vivem felizes”. Mas também essa tristeza pode ser o impulso para mudar o mundo, tornando-o mais justo.