Aborto. Ativistas norte-americanos descontentes com a resposta democrata à revogação do direito

National Rallies For Abortion Rights Held Across The U.S.
AUSTIN, TEXAS - MAY 14: Abortion rights activists and supporters march outside of the Austin Convention Center where the American Freedom Tour with former President Donald Trump is being held on May 14, 2022 in Austin, Texas. Abortion rights supporters marched and protested outside Trump's American Freedom Tour in response to the Supreme Court's leaked draft opinion indicating the Court could overturn Roe v. Wade. Brandon Bell/Getty Images/AFP == FOR NEWSPAPERS, INTERNET, TELCOS & TELEVISION USE ONLY ==

Em causa está a lentidão da resposta e os limites da sua abrangência, numa altura em que vários estados baniram completamente o acesso ao aborto na sequência da sentença Dobbs v. Jackson Women’s Health Organization, que revogou o precedente Roe v. Wade.

Apesar de ter sido criada em setembro de 2021 uma equipa de resposta à possível revogação do direito ao aborto, dentro do Gender Policy Council (Conselho de Política de Género), a ação pós-decisão foi considerada letárgica.

O presidente Joe Biden demorou seis dias a declarar o apoio à mudança excecional das regras no Senado para aprovar legislação federal que proteja o direito ao aborto, e levou duas semanas a assinar uma ordem executiva com medidas para mitigar a revogação.

A administração não declarou uma emergência de saúde pública nem avançou com o fornecimento de serviços abortivos em territórios federais, o que levou a críticas de que a ação está a ser mais fraca que o esperado.

A organização Women’s March (Marcha das Mulheres), criada originalmente em 2017 para protestar contra Donald Trump, iniciou uma petição neste sentido. “Estamos a pedir ao presidente Biden que declare um estado de emergência para proteger o acesso ao aborto”, informou.

A mesma organização anunciou esta semana que vai mobilizar “milhares” de pessoas para um “fim de semana de luta” com manifestações em Washington, D.C. e por todo o país, de 7 a 9 de outubro.

Também esta semana, a Vanity Fair publicou um artigo citando o descontentamento de ativistas, as posições de oficiais da Casa Branca que falaram anonimamente e a visão de congressistas democratas.

A tensão entre ativistas e a Casa Branca tinha atingido o pico quando a diretora de comunicação Kate Bedingfield criticou a ala mais à esquerda da base de apoio do partido Democrata, em declarações ao Washington Post.

“O objetivo de Joe Biden na resposta a Dobbs não é satisfazer alguns ativistas que têm estado consistentemente fora de passo com a corrente dominante do Partido Democrata”, declarou. “É ajudar as mulheres que estão em perigo e montar uma coligação de base ampla para defender o direito de uma mulher a escolher, tal como montou uma coligação para vencer na campanha de 2020”.

Biden, que esteve em isolamento depois de testar positivo à covid-19, fez várias declarações sobre o aborto e a necessidade de eleger mais congressistas e senadores pró-escolha para poder codificar a legislação.

As eleições intercalares de novembro vão decidir o Controlo do congresso e os republicanos já prometeram trabalhar para restringir ainda mais o acesso ao aborto se ganharem.

Mas os analistas não estão certos que a questão do aborto seja a mais influente para os eleitores na hora de votar.

“As pessoas têm memória curta e por pior que tenha sido a revogação de Roe v. Wade, em novembro as pessoas vão pensar em quanto gastam em gasolina, como está a inflação e as taxas de juro”, disse à Lusa o cientista político Everett Vieira III.

O reitor interino da Faculdade de Ciências Sociais na Universidade Estadual da Califórnia em Fresno, Jeffrey Cummins, também apontou para a economia e inflação como fatores mais relevantes. “Ainda não sabemos qual será o impacto da revogação do direito ao aborto”, indicou.

Por outro lado, o apelo reiterado ao voto caiu mal entre ativistas que apontaram para o facto de já ser previsível há algum tempo que o Supremo ia revogar o direito ao aborto.

“É indesculpável para a liderança democrata saber há meses que isto ia acontecer e convocar uma resposta tão anémica”, disse ao New York Times Stephanie Taylor, fundadora do Progressive Change Campaign Committee.

Também a presidente da Women’s March, Rachel O’Leary Carmona, criticou o apelo ao voto como refrão na resposta ao que está a acontecer.

“Não nos digam para votar sem dizer qual é o plano”, escreveu na sua conta de Twitter. “A reforma do Supremo está em cima da mesa? A codificação de Roe? Estamos a votar em quê?”, questionou.

“Se a vossa solução para o ataque aos nossos direitos é dizer às pessoas para votar mas não porque é que precisam de mais votos no Congresso e o que farão com mais votos, então essa não é uma boa receita para incentivar à participação”, considerou, noutra publicação.

A Women’s March também tem mantido a pressão. “Caros democratas: vocês disseram-nos para votar. Demos-vos a Câmara, o Senado e a Presidência”, salientou. “Quando votarmos novamente em novembro, é bom que tenham um plano incrível para restaurar os nossos direitos humanos fundamentais”.