O número de abortos nos Estados Unidos aumentou desde que o Supremo Tribunal retirou a garantia federal do direito à interrupção voluntária da gravidez, em 2022, permitindo a 22 estados implementar restrições legais, aponta um estudo divulgado esta quarta-feira, 7 de agosto.
Segundo a Sociedade de Planeamento Familiar (SFP), que faz campanha pelo acesso aos direitos reprodutivos, ocorreram em média 98.990 abortos por mês no primeiro trimestre de 2024, um número superior ao de 2022 e 2023. Esta organização atribui grande parte deste aumento às pílulas abortivas obtidas através de consultas à distância.
A proporção de abortos realizados desta forma aumentou de 4 para 20% a nível nacional, desde 2022.
Efeitos da restrição: Libido está a cair
e gravidezes fruto de violações crescem
Em janeiro deste ano, um estudo trazia dados verdadeiramente alarmantes sobre o número de gravidezes indesejadas e fruto de violações que estavam obrigadas a seguir em frente devido à reversão da lei Roe v. Wade. Estimava-se em mais de meio milhão de violações terão resultado em 64.565 gestações fruto desse crime, em 14 estados norte-americanos que implementaram a restrição ao aborto.
As estimativas foram publicadas na revista científica JAMA Internal Medicine (cuja síntese pode ser lida aqui) e impressionam. Falamos de 14 estados que reverteram o direito e que, na sua maior parte, não permitem abortos em casos de violação. “Embora cinco destes estados permitam exceções para gravidezes relacionadas com violação, aplicam-se limites rigorosos de duração da gestação e as sobreviventes devem denunciar a violação às autoridades, um requisito que provavelmente desqualificará a maioria das sobreviventes de violação, das quais apenas 21% denunciam a violação à polícia”, lê-se no documento da investigação científica.
E se a lei tem implicações que se revelam abusivas sobre a vida das vítimas, ela consegue imiscuir-se na intimidade de todos. Os resultados do estudo anual do Match Group [que detém plataformas de encontros como o Tinder e o Hinge], com uma amostra de cinco mil pessoas, diz notar alterações de comportamento após a reversão do clausulado Roe vs Wade e a mais evidente é a de que mais de uma em cada dez pessoas solteiras inquiridas e até aos 50 anos dizem que estão a ter menos sexo. Pelo segundo ano consecutivo, as conclusões apontam para o facto de a perda de um direito como o aborto está a mexer com as relações e com a libido.
Direitos reprodutivos são tema na campanha à Casa Branca
Recorde-se que em junho de 2022, a maioria conservadora no Supremo Tribunal, resultante das nomeações do ex-presidente republicano Donald Trump, pôs fim à proteção federal do direito ao aborto, abrindo caminho à adoção de legislação muito restritiva, chegando mesmo à proibição total em vários estados conservadores.
Mas os estados liderados pelos democratas, pelo contrário, decidiram implementar “leis de proteção” para proteger os médicos que praticam consultas à distância em benefício dos doentes nos estados alvo de uma proibição.
Segundo a SFP, foram realizados em média 9.200 abortos sob a proteção destas leis entre janeiro e março de 2024, um aumento de 16% em relação ao trimestre anterior.
O estudo da Planned Parenthood mostra também quedas significativas no número de abortos nos estados que aprovaram restrições ou proibições desde 2022, sendo as maiores no Texas, Georgia, Tennessee, Louisiana e Alabama.
O direito ao aborto, e os direitos reprodutivos, em geral será um dos principais temas da campanha presidencial norte-americana, tendo-se a candidata presidencial democrata, Kamala Harris, comprometido a restabelecer a proteção a nível federal caso seja eleita.
Kamala Harris critica regularmente o rival republicano, Donald Trump, pelo papel que desempenhou na nomeação de três juízes conservadores para o Supremo Tribunal antes da mais alta instância judicial nos EUA tomar a sua decisão em 2022.
com Lusa