Igreja. Quase quatro em cada dez vítimas que denunciaram são mulheres

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[Fotografia: Zhivko Minkov/Pexels]

Do trabalho feito durante o primeiro semestre, a Comissão Independente que está a estudar os abusos sexuais contra crianças pela Igreja Católica portuguesa diz ter recebeu 365 inquéritos, dos quais 338 foram validados.

Até ao momento, 17 foram encaminhados para o Ministério Público, apesar de os responsáveis da Comissão admitirem ter poucas expectativas quanto ao êxito em matéria criminal. “Há poucas expectativas quanto ao êxito em matéria criminal”, uma vez que os testemunhos são dados de forma anónima e em muitos casos não é identificado o abusador ou o local em que ocorreram os abusos, avançaram elementos da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra as Crianças na Igreja Católica Portuguesa nesta quinta-feira, 30 de junho, em conferência, em Lisboa.

O pedopsiquiatra Pedro Strecht, coordenador do grupo de trabalho, salientou que “já todos sabem que houve casos de abusos sexuais em Portugal” e destacou que o trabalho feito até agora comprova que passam-se décadas desde o momento do abuso até a vítima fazer a denúncia ou falar sobre o que lhe aconteceu, defendendo, por isso, que é importante continuar a denunciar.

Segundo os dados apurados, a maioria das vítimas que testemunharam à comissão é do sexo masculino (56,9%). Por outro lado, 39,7% – quase quatro em cada dez vítimas – é mulher. Atualmente, 73% das vítimas têm até 65 anos. Quanto ao nível de escolaridade, os dados revelam que praticamente um em cada três das vítimas tem uma licenciatura.

Tendo em conta a faixa etária, há 2% de vítimas com menos de 18 anos, 5,1% com idade entre os 18 e os 25 anos, 7,6% entre 36 e 45, 21,2% entre 46 e 55 e 22,9% com idade entre 55 e 65 anos. Há também 16,4% de vítimas que hoje têm entre 66 e 75 anos e uma percentagem de quase 6% que tem 76 ou mais anos.

Perfil dos abusadores e tipos de agressões

Em relação aos abusadores, a maioria são homens, com predomínio de padres, mas há também mulheres, nomeadamente religiosas e catequistas. A maior parte das vítimas caracterizou os abusos sofridos como “toque de outras zonas erógenas do corpo ou beijos nas mesmas zonas” ou “manipulação de órgãos sexuais”, mas há também casos de sexo oral (15,6%), sexo anal (10,8%) ou cópula consumada (5,9%).

É também uma maioria (61%) aquela que ainda hoje se considera católico praticante, e há diferentes razões para terem decidido dar o seu testemunho à comissão, variando entre a necessidade de contar um segredo, a vontade de que mais ninguém passe pelo mesmo ou a reposição da verdade, nomeadamente em relação ao número de possíveis vítimas.

O psiquiatra Daniel Sampaio, que também faz parte da comissão, apresentou um panorama global dos abusos sexuais e revelou que a tendência em todo o mundo é de 164 a 197 casos de raparigas vítimas em cada mil, enquanto nos rapazes o número anda entre os 166 e os 188 por cada mil.

Frisou, no entanto, que em contexto institucional os rapazes são mais frequentemente vítimas do que as raparigas.

Apontou também que a cultura do silêncio ajuda a perpetuar os crimes e a penalizar ainda mais a vítimas, sublinhando que em 60% dos casos as pessoas ficam com situações graves de psicopatologias, como ‘stress’ pós-traumático, ansiedade ou tentativas de suicídio.

“O abuso é algo que ninguém esquece ao longo da vida”, apontou, defendendo a necessidade de uma boa resposta ao nível da saúde mental para estas pessoas e apontando que isso ainda não existe em Portugal.

CB com Lusa