Acabei a minha relação. Socorro, quem fica com a conta da Netflix?

casal

Seja por razões emocionais, práticas ou económicas, a verdade é que a gestão e partilha de redes sociais ou plataformas de exibição de conteúdos – como a Netflix ou a HBO – tem vindo a tornar-se um tópico assente no que respeita à ‘separação de bens‘ após o fim de uma relação.

Afinal, não é novidade que as redes sociais tenham mudado substancialmente a forma como nos relacionamos em sociedade e em casal. Escusado será dizer que, tal como no arranque dos namoros, também as ruturas passaram a conhecer novas e múltiplas modalidades. A partilha e o tipo de bens a dividir é agora bem diferente.

A forma como hoje nos ligamos, de uma forma geral, é muito mais superficial e tem como base coisas muito menos importantes, digamos assim. E nós [profissionais] vamos sentindo isto quando falamos com casais, mas não só, também nas amizades se passa o mesmo”, afirma a psicóloga Catarina Lucas.

Segundo dados recolhidos pela própria plataforma de streaming Netflix, mais de 51% dos seus utilizadores afirmaram que criar um conta em conjunto – ou partilhar a senha de uma já existente – é um “grande passo” para tornar a relação oficial e séria. O pior é quando o compromisso acaba.

E se toda esta questão parece exacerbada, opinião distinta têm milhares de pessoas que, em mais de 90 mil likes de uma publicação no Twitter, se debruçaram sobre esta questão. “Eu e o meu ex acabámos há um ano e meio e este fim de semana ele expulsou-me finalmente da sua conta da Netflix. Juro que isto doeu mais do que a própria separação”, afirmou uma internauta, definindo o tom e a dor de muitos relatos femininos que se lhe seguiram.

Catarina Lucas fala sobre como a desconexão emocional está inevitavelmente ligada à digital. Por vezes as pessoas até fazem primeiro a desconexão digital, para depois conseguirem fazer a emocional. Há uma primeira fase para bloquear ou apagar contas do mundo digital para depois distanciar”, justifica a especialista. Até porque, segundo defende, ter uma conta em comum ou continuar a seguir uma pessoa numa rede social dá “a sensação de que continuamos a ligação com essa pessoa”, explica.

Para a psicóloga Silvia Sanz, entrevistada pela S Moda, atualmente a desconexão amorosa está não só inevitavelmente ligada à desconexão digital, como também uma custa mais do que a outra: a alteração de uma palavra-chave é “muito mais dolorosa” do que um “vou-te deixar”.

Catarina Lucas afirma que a razão pela qual tal pode acontecer deve-se ao facto de que o apagar uma conta faz com que a situação “se torne real” e mostre que efetivamente “já não fazemos parte” da vida dessa pessoa. Ainda que, pessoalmente, já não o fizéssemos.

Antes havia o casamento, agora há a partilha de redes

Se antigamente uma relação se tornava oficial através do casamento, hoje o compromisso é assumido de uma forma totalmente diferente. Segundo o estudo da Netflix, mais de metade dos seus subscritores afirmou que a partilha da sua conta oficializava a relação. Porquê? Catarina Lucas explica que as pessoas estão com dificuldades em assumir responsabilidades.

“Agora, formalizamos desta forma, através de situações de partilha de contas. Porque, de uma forma muito geral, as pessoas estão com muitas dificuldades no compromisso e em torná-lo formal“, defende a psicóloga.

Ainda assim, continua, o ser humano “tem uma necessidade de comprometimento, de estabilidade e tem também uma necessidade inata de previsibilidade”. Por esse mesmo motivo, já que as pessoas não se sentem preparadas para assumir grandes compromissos, precisam de arranjar “outros mecanismos que vão permitindo essa ligação, ou essa falsa sensação de ligação”, termina.

Quem fica com a custódia das contas?

Verdade seja dita: não existe ninguém que queira ter um parceiro cujo passado ainda está demasiado ligado à sua relação anterior. “As pessoas não gostam muito que os ex mantenham muita ligação entre si, só mesmo o estritamente necessário”. Por vezes, esta questão pode até ser vista como uma ameaça, defende a psicóloga.

“Em termos ideais, era bom que existisse essa separação de contas, até para futuros relacionamentos. Se agora encontro uma outra pessoa, é mais complicado de gerir essa nova relação se existe, lá está, essa tal ligação virtual com a outra pessoa”, reitera Catarina Lucas.

No entanto, se não existirem constrangimentos e as pessoas se entenderem bem, pode existir esta partilha – ainda que vá sempre ser vista como uma ligação ao passado.

Estamos hiperconectados, o que dificulta a separação

A Internet veio permitir que, mais facilmente, entremos em contacto virtual uns com uns outros, mas, na verdade, a nível pessoal estamos cada vez mais sós e separados, defende Catarina Lucas. Quando uma relação acaba, o facto de termos acesso constante a informações sobre o outro pode dificultar e atrasar o processo de separação.

“Toda esta informação pode ir alimentando a esperança. O problema é que, quando não há hipóteses do outro lado, estamos de alguma forma a dar alimento a uma coisa que depois não é correspondida. Isto é brutal“, desabafa a psicóloga, habituada a receber casais nas suas consultas. Os mecanismos digitais disponíveis permitem que as pessoas façam uma perseguição ou controlo muito mais apertado do que se fazia antigamente.

Como lidar com o ex nas redes sociais?