Porque gostamos tanto de falar do peso dos outros?

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[Fotografia: Istock]

Seja porque se está mais gorda, seja porque se emagreceu, seja porque mudou fisicamente de aspeto, porque é que falar do peso dos outros é sempre um tema tão apetecível? A discussão ganha agora renovada força depois de a cantora britânica Adele ter surpreendido ao surgir, numa imagem evocativa do seu aniversário, bem mais magra.

Izabel de Paula, dietista e body shaper, conta que, desde essas fotografias reveladoras, as suas clientes abordam o tema. “Todas querem ser mais magras, todas falam da Adele, mas nenhuma me pede para ser como ela”, diz a especialista ao delas.pt.

“Muitas vezes em consulta, as pessoas falam da cantora, há mesmo quem faça e me mostre as montagens que fez com o antes e depois da cantora. Dizem depois que ela só conseguiu porque é rica, as pessoas vão sempre arranjar uma desculpa para isto”, refere Izabel de Paula, que elenca: “As observações, entre afirmações e perguntas, que mais me têm feito são: qual a dieta? Qual é a doença para ficar mais magra? Ela tem dinheiro para fazer tudo; Foi um caso de amor não correspondido”.

Para Nuno Duarte, falar do peso dos outros é tão irresistível como falar de qualquer outro tema do alheio que implique espanto ou choque. “Há vários fatores que explicam esse interesse e um deles é a sensibilidade à mudança drástica. Dependendo que como são os nossos desafios, podemos ter reações que podem ser de orgulho, mas também de inveja, e de que não somos capazes de ser e fazer o mesmo”, refere o psicólogo e responsável na Oficina da Psicologia, em Lisboa. “O acto de alguém passar por uma transformação funciona como um gatilho em nós”, sustenta.

A questão que, de seguida, se impõe passa por gerir e como lidar com essas emoções. “Uma das formas de fazer uma relação com essas emoções é chegar aos fóruns das redes sociais e começar a comentar”, descreve.

Mas, e a desculpabilização do esforço do outro (ser rica, estar doente, ter um desaire)? Afinal, tal nasce de onde? Para o psicólogo, aquela reação tem lugar porque “todos arranjamos estruturas de racionalização para nos sentirmos melhor, é pura sobrevivência psicológica e serve para não fraturar o nosso ego”. E compara: “É como o fenómeno da fake news, que reduz a dissonância cognitiva, ou seja, quando o nosso mundo e convicções são abalados, vamos criar informação que valide as nossas convicções predefinidas.”

“À noite, há mais asneiras. Não é catarse, é exaustão”

Nuno Duarte não usa palavras brandas. “A maior parte das dietas não funciona por uma razão: não é a dieta, é a manutenção que é insustentável, que exige autocontrole difícil ao ser humano”, refere o especialista. Izabel de Paula também fala mais dos impulsos do que da comida em si própria. “O que faz ficar gorda não é só a comida, é também o motivo que leva a comer”, concorda a body shaper.

É a controlar o dia-a-dia que se caminha para uma melhor gestão do peso. “Por isso é que, à noite, há mais asneiras. E não é catarse, é exaustão devido ao autocontrole que se teve durante o dia”, confirma a psicólogo. “Quanto mais o exercemos, maior é a dificuldade que temos a resistir a impulsos e cedemos aos estímulos. Torna-se mais difícil resistir, há uma incapacidade em manter o autocontrole”, prossegue.

Por isso, mais do que comentar ou desculpabilizar, só resta um propósito para o esforço e Nuno Duarte diz que este não pode ser menor do que sonhar ter o corpo para o verão, para daqui a um mês. “As pessoas que querem perder peso têm de arranjar melhores propósitos que sustentem a mudança. Quanto mais forte for a minha razão, mais resistência tenho”, diz o especialista, excluindo desta realidade fatores como a genética ou a doença, que devem sempre ser olhados de outro prisma.