Sem medo das palavras, o terceiro disco de Agir, No Fame, vem carregado de mensagens. Críticas sociais e alguma ironia surgem ao lado de temas românticos e bem-dispostos. Um misto que, apesar de trazer um “puxão de orelhas”, como refere o próprio cantor português, não foge ao registo dos álbuns anteriores.

Lançado no início deste mês, No Fame é igualmente considerado por Agir, atualmente com 30 anos, um trabalho autobiográfico, sendo o resultado das experiências que tem vindo a ter nos últimos anos.

Em entrevista ao Delas.pt, além de falar sobre o trabalho mais recente, Agir abordou o direito à liberdade de expressão, a importância de rever prioridades na vida e o poder que tanto a música, como as pessoas têm de mudar a vida de alguém. O papel das redes sociais na sociedade atual, bem como o facto de o seu público ser maioritariamente mais jovem foram ainda tema de conversa.

Agir, cantor português de [Fotografia: Bruno Lisita / Global Imagens]
No Fame é um disco que traz crítica, ironia e romantismo. Como descreve este trabalho?

Gosto de acreditar que é um álbum, tanto pelo título, como pelas palavras que vêm lá dentro e pelas músicas, que deixa as pessoas a pensar um bocadinho no que é que realmente importante. A trocarem um bocadinho de prioridades. O próprio nome tem a ver com isso. Estamos a viver tempos em que a malta diz: ‘O que é que queres ser quando fores grande?’, ‘Quero ser famoso’. E tu perguntas ‘Mas a fazer o quê? A cantar?’, ‘A ser famoso’. Isso tem que ser uma consequência e não um objetivo, a malta realmente tem que querer fazer alguma coisa, gostar, ter uma área, dedicar-se, tentar ser melhor todos os dias e depois, o que vier daí é supérfluo. E se vier é bom, ainda bem, mas não tem que se olhar para isso como um objetivo. E é isso que eu quero passar com este álbum, é que a malta tenha realmente as prioridades certas na cabeça.

O tema Vai Madonna acaba por mostrar um bocadinho essa troca de prioridades, ao falar de um Portugal adorado pelos turistas, mas não valorizado pelos portugueses?

O povo português podia dar mais valor. E atenção que não me estou a pôr de fora, é um puxão de orelhas também para mim, porque também me incluo nos que, de vez em quando, se fascinam com coisas que vêm de fora e ainda bem. Mas sinto que os brasileiros gostam muito deles próprios, que os mexicanos gostam muito deles próprios, os angolanos igualmente e os espanhóis a mesma coisa. São povos que gostam da música deles, daquilo que é deles, e nós ainda temos aquela mentalidade pequenina – que está muito melhor – de que o que vem de lá de fora é que é bom e não nos estimamos assim tanto. Já temos artistas portugueses que enchem mais palcos do que alguns artistas que vêm de fora e, ainda assim, têm direito a algumas exigências. Nós quando temos exigências somos umas divas. Agora… seria injusto dizer que não está muito melhor, acho que nunca se ouviu tanta música portuguesa como se está a ouvir neste momento, mas por estar melhor não está perfeito. Aliás, perfeito acho que nunca vai estar.

“Quem sabe fazer faz, quem não sabe comenta”

Outra das músicas deste terceiro álbum é Falas demais, onde faz referência ao uso das redes sociais para expressar as mil e uma opiniões que não passam disso: opiniões. Somos um povo que fala muito e pouco faz?

Penso que isso seja transversal ao mundo inteiro, não é só cá. E com as redes sociais vê-se mais. Sempre houve, mas antes ficava no café, agora se calhar a internet é um café gigante. As pessoas indignam-se com muito e acham mesmo que é importante darem a sua opinião e fazer com que se saiba qual é a sua opinião. Toda a gente tem o direito de opinar, mas chega a um ponto que a opinião deve ficar com elas e com os amigos delas. É importante termos essa liberdade, mas, muitas vezes, ter a liberdade de o fazer não demonstra inteligência se o fizermos a toda a hora e de qualquer maneira. Portanto, é importante ser-se ponderado, principalmente e independentemente de dar opinião ou não, deve-se ser educado, respeitador e tolerante. Tem a ver com uma data de coisas desse género. E eu digo isso no som, que quem sabe fazer faz, quem não sabe comenta, normalmente.

As redes sociais estão a fomentar isso? Estão a mudar os valores e princípios da sociedade?

Nós somos sempre influenciados por tudo o que nos rodeia e, obviamente, que se o que nos rodeia agora é a internet, isso vai ter um impacto na nossa vida. A meu ver tudo na vida tem um lado bom e um lado mau e a internet, se bem usada, tem tudo de bom e de benéfico. Agora… Faz parte da natureza do ser humano muitas vezes usar para o bom, usar para o mau, usar da maneira certa ou errada. Há muita coisa boa que a internet trouxe. Ao dia de hoje, toda a pessoa tem a mesma oportunidade e é mais democrático o poder fazer música, o poder demonstrar a música. Não é só dizer que tem coisas más, também tem muita coisa boa. Mas depois tem esse lado um bocado, lá está…. de ser muito mais fácil apontar o dedo e de haver um sítio onde eu possa apontar o dedo, mas que não se sabe muito bem quem apontou um dedo. É um lugar confortável, digamos assim.

“Se sinto que tenho coisas para dizer, toda a vida o disse, portanto agora continuo a fazê-lo”

O Agir tem tido um público bastante jovem. Com tantas mensagens, No Fame é um disco mais adulto, com o intuito de promover alguma consciência no público?

Sim. Este é um álbum, tal como faço questão que sejam todos, muito autobiográfico. É claro que ao dia de hoje já tenho um cuidado q.b., que é apenas um cuidado q.b.. Não gosto de dizer que é uma responsabilidade. Mas saber que tenho um público um bocado mais novo, não só jovem, como mesmo crianças, faz com que se calhar dizer aquilo, em vez de dizer daquela maneira, tente dizer de outra, com algum cuidado. Porque sei que tenho de ter algum cuidado. Mas é só um cuidado, não é uma responsabilidade. Se sinto que tenho coisas para dizer, toda a vida o disse, portanto agora continuo a fazê-lo. A diferença é que agora tenho mais olhos postos em mim e há mais pessoas que se calhar ouvem. Mas é bom quando a música nos deixa a pensar. Não sou daquelas pessoas que acha que a música tem a obrigação de nos deixar a pensar, acredito que possa ser apenas entretenimento e que não é menos arte e menos música por causa disso. Mas sim, também pode servir para deixar as pessoas a pensar. E o álbum tem um bocadinho disso tudo. Tem músicas para nos deixar a pensar, assim como tem músicas para justamente não pensar em nada. Tem música para irmos sair com os amigos, para estarmos em casa a pensar, para estar contente e para estar triste, para refletir… Eu gosto disso, dessa variedade.

Recentemente afirmou ser difícil ‘pôr-se numa determinada gaveta’. A variedade no disco resulta disso mesmo? De ainda não ter um estilo definido?

Quando comecei, há uns anos, as ‘tribos’ estavam mais vincadas. A malta que ouvia Hip Hop não ouvia Punk, a malta que ouvia Punk não ouvia Heavy Metal. Havia tribos realmente separadas. De há cinco ou seis anos para cá, se calhar até há um bocadinho mais, essas tribos foram-se dispersando. O mesmo miúdo que ouve Sam The Kid, a seguir quer ouvir uma balada do Diogo Piçarra e a seguir quer ouvir um Avicii e a seguir… As pessoas estão mais ecléticas, eu próprio sempre fui eclético. A música Pop também é um bocado isso, é muito difícil dizer o que é música Pop, porque Blink-182 e Madonna são dois artistas Pop. No entanto, uns são de Punk e outros são de música eletrónica. O ser Pop tem a ver com o que organicamente se torna popular, e o que é que as pessoas gostam, podendo ser tanto uma música de Hip Hop como uma balada.

“As mulheres têm mesmo capacidade de nos mudar a vida assim de um dia para o outro”

Além das músicas cheias de mensagens de consciencialização, No Fame é um disco romântico? Sinto a Tua Falta, Minha Flor e Até Ao Fim são a prova disso?

Gosto de finais felizes depois, no meio disso tudo. Seja qual for o estado de espírito, estou sempre a fazer música. Desde que o último álbum saiu que vinha a fazer este, as músicas foram todas escritas neste tempo e realmente tenho umas com um mês e outras com três anos. Estão muito bem distribuídas cronologicamente. E ao longo destes três anos claro que vivi várias coisas. Vivi momentos em que estive mais revoltado, momentos de estar mais apaixonado…. E sendo as músicas autobiográficas é impossível que não abordem um bocadinho disso tudo. Podia ser um álbum só de amor, como podia ser só sobre o que sinto que devo deitar cá para fora. Quando é algo realmente sobre mim e sobre muito do que me rodeia – e graças a Deus tenho uma vida preenchida com várias coisas – obviamente que me apetece falar de várias assuntos.

No tema Minha Flor o Agir refere ‘mudaste a minha vida’. As pessoas têm mesmo poder para mudar a nossa vida?

Sim, principalmente as mulheres. As mulheres têm mesmo capacidade de nos mudar a vida assim de um dia para o outro. Principalmente ela [Catarina Gama, mulher de Agir]. Mas sim toda a gente e tudo o que nos rodeia afeta-nos e influencia-nos, obviamente. E acredito que consoante vamos ficando mais velhos, as pessoas que nos rodeiam começam a ser menos, mas por serem menos começam a impactar-nos mais e a influenciar-nos mais. Porque durante muito tempo, quando somos novos, estamos com muitas pessoas só por estar, porque são amigos e vamos para ali e vamos sair. Ao ficarmos mais velhos, vamos ficando um bocadinho mais seletivos e vamos mesmo fazendo questão de ter por perto pessoas com poder para nos influenciar, para nos mudar e nos tornar melhores a cada dia que passa.

“Já toda a gente se apaixonou, já toda a gente acabou com alguém, já toda a gente se indignou com algo”

E a música? Também tem esse mesmo poder de mudar?

Sim, principalmente quando a música sai deixa de ser minha e passa a ser de quem se identificar com ela. De quem realmente achar que a música serve para lhe mudar a vida, seja num momento mau, seja num momento bom. Acredito que a música tenha esse poder de às vezes ouvirmos algo e parecer que acertaram em cheio naquilo que nós estamos a viver. Porque obviamente com particularidades, acabamos todos por viver situações muito parecidas. Já toda a gente se apaixonou, já toda a gente acabou com alguém, já toda a gente se indignou com algo. Portanto é muito fácil arranjar pontos comuns em letras e achar que a música foi escrita para nós.

No Fame conta ainda com as participações de Diogo Piçarra e Ana Moura, esta última mais surpreendente. Como aconteceram estas colaborações?

A da Ana Moura aconteceu porque estava a compor a música em casa, sozinho, e quando cheguei à parte do refrão, acabei de fazer o refrão e, não sei porquê, ouvi a voz dela a cantar. Nesse momento achei que a voz dela fazia sentido ali. Depois tive a sorte de termos amigos em comum e de conseguir ir jantar com ela. Pude mostrar-lhe a música e ela alinhou nesta maluquice comigo. A música diz-me muito a nível de letra e penso que também disse muito às pessoas. Está nomeada para Globo de Ouro, portanto fiz bem em lançar este desafio e a Ana Moura em ter aceite. Em relação ao Diogo Piçarra. O Diogo Piçarra é uma pessoa amiga mesmo, é de ir lá a casa. Mais tarde ou mais cedo iria acontecer. Nós já falávamos há muito tempo de fazer uma música juntos, mas lá está, quando somos muito amigos não é hoje é amanha, depois fazemos e não sei quê. Até que houve um amigo nosso que um dia, enquanto estávamos a jantar, diz: ‘Vocês estão sempre a adiar, sempre a adiar. Bora para o estúdio a seguir ao jantar’. E aí pronto, foi uma hora. Foi uma hora e fez-se a música.

Um dos temas mais conhecidas do Agir é Makeup, cujo refrão é: ‘Ela é linda sem make up’. Esta é uma letra com capacidade de empoderar as mulheres, mostrando que se podem afirmar como são e ter liberdade para optar por não usar maquilhagem?

Todos temos que acreditar e achar que somos bonitos, porque o bonito vai muito para além do exterior. Esse era um som que pretendia ser sobretudo divertido, não queria que tivesse uma carga de ‘Epah isto é para defender’. Até porque não sou muito de defender causas. É bom falarmos do que se passa, as situações existem… mas aquele tema era principalmente um som divertido, onde se diz: ‘Sim, tu até sem make up és bonita’. Agora… se a pessoa quiser usar make up, que use make up à vontade. Eu estou tatuado da cabeça aos pés, sou lá alguém para dizer o que devem usar ou não. Devemos fazer as coisas pelos motivos certos. Se quisermos maquilhar-nos deve ser para nós e muitas vezes sinto que existem pessoas, ao dia de hoje – não só na maquilhagem e nem só mulheres – que estão muito a olhar para o lado. As mulheres muitas vezes maquilham-se porque estão a pensar o que é que a outra mulher, que está ali, vai achar se ela tiver com uma ruga. Eu não estou todo tatuado para ver se alguém me acha graça tatuado, é porque gosto de me tatuar. E se assim for, se a pessoa estiver segura de si própria e gostar de si própria… epah que se maquilhe todos os dias e com a quantidade de maquilhagem que entender.

“Quando comecei a aparecer com as primeiras tatuagens em casa ela [Helena Isabel, mãe de Agir] não adorava. (…) Ao dia de hoje já se habituou. Também não tinha outro remédio”

Esse princípio de defender a liberdade de cada um tem também muito a ver com a educação. A sua mãe, a atriz Helena Isabel, teve aqui um papel importante?

A minha mãe é uma pessoa que se preocupa com a imagem, mais do que com a imagem, com o bem-estar dela. Não é só de agora, desde que a conheço que ela sempre se preocupou com o que é que vai comer, tentando fazê-lo da forma mais saudável possível. E vejo que o faz pelas razões certas, porque ela sente-se realmente melhor a comer melhor. Não quer dizer que não faça um jantar quando lhe apetece, porque também não vive refugiada ou presa a isso. Fá-lo pelos motivos certos e se isso serviu para me influenciar… Obviamente que quando comecei a aparecer com as primeiras tatuagens em casa ela não adorava. Mas nunca foi pessoa de me proibir fosse do que fosse. Ficava desgostosa, digamos assim. Ao dia de hoje já se habituou. Também não tinha outro remédio. Mas nesse sentido, e não quero ser presunçoso a dizer isto, estamos cá todos para nos ensinarmos uns aos outros. Ela ensinou-me muita coisa, mas eu também. Mais que não seja por insistência, ensinei-a a ser um bocadinho mais tolerante e a perceber que as pessoas não deixam de ser boas pessoas por estarem tatuadas da cabeça aos pés. Tal como há pessoas que não têm uma única tatuagem e podem ser más pessoas. Hoje em dia poderá ainda haver uma pessoa ou outra um bocado mais conservadora, mas já não me consigo sentir tão indignado e já não acho que as pessoas olhem para mim como ‘o tatuado’. Talvez até porque, atualmente, toda a gente ou já tem uma tatuagem ou tem um amigo que tem uma ou mais, penso que já passámos essa fase.

Mas não criticarem a sua imagem não terá também a ver com o facto de ser uma figura pública?

Claro que as pessoas quando conhecem e acabam por acompanhar um bocado mais o trabalho da pessoa, até podem identificar-se com ela e se calhar ter um grau de tolerância maior. Pode ser que sim, mas gosto de acreditar que não, porque ao dia de hoje já temos pessoas tatuadas e com piercings em todas as áreas, não é só na música. E acredito mesmo no que estava a dizer, de que já toda a gente tem ou tem alguém com tatuagens. Se calhar não ao nível que eu tenho, estou realmente muito tatuado. Ou então sou eu que já ando muito distraído e já não noto.

“É quando somos apaixonados pelo país em que vivemos e achamos que há pequenos aspetos que podiam ser mudados que nos damos ao trabalho de falar, senão nem falávamos”

E o que é que gostaria que as pessoas notassem em No Fame?

Que há coisas que não se devem levar a sério demais. Este trabalho é para pôr as pessoas a pensar, mas por exemplo, no tema ‘Falas demais’ que sonoramente é mais agressivo e onde parece que estou realmente revoltado com alguma coisa, não estou. Aquilo é normal no estilo Rap e no Hip Hop. É normal haver uma espécie de egotripping, dar dicas e tentar fazer aquilo a que se chamam punchlines com dicas. Sim, parece que estamos sempre a falar para alguém, que estamos a ‘cascar’ em alguém, mas não. Não é um som para ninguém em específico. E se calhar para malta que não está tão ligada ao Hip Hop, para quem vê de fora, parece que: ‘Ah! Ele está revoltadíssimo com qualquer coisa’. Não. Eu estou a sorrir e estou a rir com os meus amigos no estúdio. As pessoas andam todas muito indignadas e muito sensíveis, todas muito defensoras. Agora todos nós somos defensores de uma causa qualquer, às vezes causas que nem são causas nenhumas. Este trabalho não é para ser levado tão a sério. Considero-o até um álbum bem-disposto, tem lá uma ou outra música um bocadinho mais pesada, mas que não é para levar com esse peso todo.

Até porque apontar os erros não tem que ser algo negativo. As mensagens de No Fame podem ser levadas como críticas construtivas.

No próprio Vai Madonna, quem olhar para aquilo pode pensar que sou uma pessoa super nacionalista e que estou revoltado com este país. Zero. Estou zero revoltados. Sou super feliz aqui e gosto imenso daqui. Isso não são coisas que me tirem o sono. Não ando aqui revoltado em casa com alguma coisa. Até sou uma pessoa bastante tranquila e feliz, normalmente. Só criticamos e só nos damos ao trabalho de falar quando achamos que vale a pena e quando gostamos. Não perdemos muito tempo a falar com alguém que não nos interessa ou que achamos que já não tem remédio. É justamente quando somos apaixonados pelo país em que vivemos e achamos que há pequenos aspetos que podiam ser mudados que nos damos ao trabalho de falar, senão nem falávamos.

[Fotografia de destaque: Bruno Lisita / Global Imagens]

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