Editora da Elle Ucrânia: “Continuamos a arranjar um equilíbrio entre as questões da guerra e o nosso material anterior”

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[Fotografia: Instagram de Anastasia Bilous]

Anastasia Bilous é editora de moda da Elle Ucrânia, especialista em Relações Pública de Moda e desenha marcas digitais para o Metaverso. Esteve presente esta quinta-feira, 9 de março, na cerimónia de abertura da ModaLisboa, constituindo o painel de oradoras nas Fast Talks.

 

À margem do evento e em conversa ao Delas.pt, Anastasia Bilou falou sobre a situação de guerra que a Ucrânia atravessa, sobre a forma como se reinventou desde o começo da guerra, e como a moda pode contribuir para ajudar milhões de ucranianas.

[Fotografia: Divulgação]

O que mudou na forma de fazer uma revista de moda em contexto de guerra?

Primeiro de tudo, as versões impressas. Sou editora de versões impressas de ELLE e, em tempo de paz, tínhamos onze edições por ano. Claro, parámos esse processo de produção durante o ano passado, imprimimos apenas uma edição de guerra da ELLE Ucrânia. Todo o nosso trabalho – e a equipa – ficou concentrado apenas no site. Depois, não há eletricidade, há muitos problemas devidos às explosões que impedem que a revista seja impressa. Depois temos as questões dos orçamentos, todos tiveram muitas perdas. As pessoas perderam os seus locais de trabalho, as marcas muito dinheiro e clientes. Perdemos os nossos clientes e nosso dinheiro. Nos primeiros meses tivemos algum apoio de cliques europeus para certas marcas como Diesel, por exemplo, com anúncios para nos apoiar, e da ELLE Internacional Networks e outras revistas em diferentes países como a ELLE France. Fizeram um grande artigo sobre a nossa realidade e o nosso tempo. Tivémos sempre as nossas reportagens de capa e editoriais. Agora, não temos nada parecido, apenas algum tipo de projeto especial para site, mas não há esse lado de editorial de moda.

O que uma revista de moda como a ELLE pode fazer pelas mulheres em contexto de guerra?

No primeiro dia, ficámos muito chocados. Não parámos o nosso trabalho, mas parámos todo o processo ligado com moda, beleza, todos os tópicos tradicionais sobre os quais escrevíamos e passámos a focar-nos nas questões da guerra.

Como por exemplo?

Como manter a saúde mental durante as explosões. Falar sobre o que acontece na capital ou em outras cidades, sobre decisões do governo, sobre discursos do nosso presidente acerca do apoio de outros países. Temos artigos, algumas entrevistas durante o ano, sobre os nossos heróis. É claro que entrevistamos celebridades, modelos de moda… Agora, os nossos principais heróis são as mulheres que são soldados na Ucrânia, as voluntárias e também os políticos. Apenas em alguns meses, mesmo que a guerra não tenha acabado, preocupámo-nos em retomar delicadamente alguns tópicos relacionados com tendências de moda, de beleza, artigos sobre saúde mental, mas fizemo-lo passo-a-passo porque entendemos que as pessoas estão bastante vulneráveis. Lembro-me que o meu primeiro artigo foi sobre tendências de moda primavera/verão no ano passado, mais sobre o verão porque nós perdemos a parte da primavera. Começava sempre como “a moda pode ser uma espécie de distração da situação atual e, por essa razão, propomos, por exemplo, este top ten de vestidos para este verão…”. Devemos sempre explicar que está tudo bem e que sabemos o que está a acontecer na guerra. Podemos propor algo adicional ao tema principal porque temos o feedback dos nossos leitores, que estão cansados disto tudo. Essa é a nossa missão agora.

Um ano depois da guerra, qual é o rumo que a publicação vai tomar?

Posso dizer que continuamos a arranjar um equilíbrio entre abordar as questões da guerra e tentar voltar ao nosso material anterior sobre moda tradicional e beleza. Trata-se de procurar o equilíbrio entre a realidade e a vida privada porque nunca se sabe. Hoje, posso escrever um artigo sobre as dez principais tendências da moda e amanhã sobre uma explosão em Kiev ou em outro lugar. Tentar manter esse equilíbrio é muito difícil porque o leitor agora está muito vulnerável e sensível por isso, por enquanto, é esse o nosso caminho. Claro que esperamos que a guerra acabe e que comemoremos a vitória. No futuro, esperamos que a Ucrânia prove ao mundo inteiro que somos o país vencedor, progressista, moderno e criativo. Acredito que no futuro possamos tomar um novo rumo na nossa revista.

Qual o papel da primeira-dama ucraniana Olena Zelenska na vida das mulheres num país em guerra? Em que pode ajudá-las?

Devo dizer que o casal presidencial Volodymyr e Olena é um grande exemplo. Ele [Volodymyr Zelensky] ficou no território, foi apontado como o alvo para os russos. É um grande exemplo de poder e força, mas ela também. [Olena Zelenska] É uma alma bondosa e apoiou muito as mulheres. Milhões de ucranianos deixaram as suas casas por causa dos filhos e porque perderam os seus trabalhos. Algumas deixaram os maridos em casa porque têm filhos pequenos que não precisam de ouvir as explosões e viver na cidade durante a guerra. É muito complicado. Ela fala muito sobre as mulheres e explica que a guerra vai acabar e que vamos vencer, claro. Foi um enorme apoio e é importante. Ela [Olena] também trabalha como o marido para construir conexões entre os países e atrair algum apoio para o nosso porque precisamos de mais armas, mais defesa e ela faz de tudo para conseguir isso. Por exemplo, participou no Web Summit em Portugal, no ano passado. Na realidade, não é apenas a guerra na Ucrânia. A guerra começou com a Ucrânia, mas nunca sabemos o que esse homem [Putin] tem em mente. Acho que o mundo inteiro deveria entender que devemos parar com isto o mais rapidamente possível porque é perigoso para toda a Europa.