Alguns juízes só acreditam nos abusos sexuais se crianças chorarem

shutterstock_541543678

A maior parte dos magistrados considera que as crianças são testemunhas pouco credíveis, com mais tendência a mentir do que os adultos e, por isso, têm dificuldade em acreditar nelas quando estão a julgar casos de abuso sexual intrafamiliar. Alguns admitem mesmo que têm “de ver a criança chorar” à sua frente para acreditarem.

Estas são algumas das conclusões da tese de doutoramento Decisão judicial em casos de abuso sexual de crianças no contexto familiar: perspetivas, experiências e processos psicológicos de magistrados, de Catarina Ribeiro, psicóloga do Instituto de Medicina Legal. Em entrevista ao Público, a especialista sublinha que muitos juízes tomam decisões com base em “crenças sociais, preconceitos e estereótipos” e não em evidências empíricas.

“Há juízes que entendem que a criança tem de manifestar sofrimento e que esse sofrimento tem de ser visível naquele contacto imediato, por exemplo. Há magistrados que dizem: “Tenho de ver a criança chorar à minha frente.” Alguns acham que a criança tem de dar todos os detalhes, nomeadamente dizer as horas, os detalhes periféricos sobre o espaço”, explicou Catarina Ribeiro na mesma entrevista.

Há magistrados que desvalorizam o trabalho dos peritos

Dos 52 magistrados entrevistados pela psicóloga para o seu estudo, quatro juízes revelaram que, se pudessem, até recusariam as perícias psicológicas “porque sentem que o que os peritos fazem conseguem fazer”.

“Lembro-me de uma pessoa que disse: “Eu não preciso de peritos, porque aquilo que eles fazem eu também consigo fazer, porque sou um bocado psicóloga, muito intuitiva, sou muito sensível.” Houve outra que disse: “Eu mal vejo uma criança entrar percebo o que ela está a sentir porque sou muito intuitiva.” Esta confiança cega na intuição é problemática”, sublinhou a psicóloga do Instituto de Medicina Legal.

Antes deste estudo, Catarina Ribeiro já tinha analisado as perspetivas das crianças vítimas de abuso sexual intrafamiliar. E as suas conclusões são idênticas aos resultados obtidos por outras investigações internacionais: as crianças tendem a dizer a verdade quando entram nos tribunais “e algumas acham que podem ser castigadas se não o fizerem”.

“Isto é interessante porque depois há estes profissionais que dizem que as crianças mentem imenso ou têm mais tendência a mentir, o que, segundo a investigação científica, não é verdade”, acrescentou Catarina Ribeiro.