Almoçar no jardim? Não, almoçar o jardim

Qual será a derradeira decadência à mesa? Eu aposto: comer flores. Decadência saudável, claro está, afinal as flores fazem parte da categoria maravilhosa do sem glúten, sem hidratos de carbono, baixo teor de gordura e calorias. Em português corrente, a mensagem é clara: coma quantas quiser!

E há qualquer coisa de pecaminoso (mas de tão apetecível) em comer, numa dentada, a flor que eventualmente originaria uma abóbora, que daria sopa para o mês de uma família de quatro. Chamam-me perdulário e burguês, eu sorrio enquanto trinco mais uma.

Nas próximas curtas semanas, se o tempo ajudar, a deusa vai presentear-nos com esta deliciosa ‘mariquice’ gastronómica. Podem ser ao natural, sem nada que saber, é só despejar o pacote ou a caixinha na taça da salada que esta fica logo mais bonita e apetecível.

O segundo modo implica mais ciência, tempo e dedicação. Aqui usam-se flores de courgette, abóbora ou cabaça, desde que tenham tamanho suficiente para receber saboroso recheio. Curiosa? E se lhe disser que o passo final implica fritá-las em polme?

É uma coisa de sul e de país preguiçoso que se cansou de as regar e carregar estas bestas cor de laranja: quantas mais flores comermos menos trabalho temos na altura de colher as abóboras. A receita vem de Itália, espalhou-se pelo restante mediterrâneo e chegou cá: as belas flores amarelas são recheadas com queijo de cabra e queijo creme, estes perfumados com cebolinho, manjericão e pimenta. Passam-se num polme fino e fritam-se em óleo quente, por um a dois minutos. Escorrem-se e salpicam-se de sal.

São decadentes, palacianas e excelentes, e pelo menos por uma vez experimente-as assim, pois há quem recomende que se temperem com marinara ou vinagrete. Bom, não é?

As flores são as rainhas da decoração, e também na cozinha se podem usar para decorar. E comer. E não pense que é uma coisa gourmet de agora armada ao modernaça; no episódio Patatoes Galore da série britânica Two Fat Ladies, Clarissa Dickson Wright fez uma tarte do livro The Art of Cookery Made Plain and Easy, pela mestra Hannah Glasse, em 1747.

Para além da inusitada massa, de amêndoa ralada amassada com clara de ovo (e mais nada), o recheio de chocolate era salpicado generosamente com amêndoas laminadas e pétalas de rosa amarela. Amarela.

Nunca use flores de florista, estão carregadas de químicos nocivos e sabe-se lá que mais. E nem todas, por apetitosas que pareçam, são comestíveis. Também não as colha sem saber mais sobre esta matéria porque podem originar uma valente dor de barriga, no mínimo.

Compre-as em lojas de produtos naturais ou em vendedores bio, hoje em dia há imensos mercados deste tipo. Os supermercados não as têm porque são frágeis e difíceis de perenizar.

Se as apanhar por sua conta e risco, remova os estames e os caules, pois na maior parte das vezes são amargos ou de sabor estranho. Use apenas as pétalas e poucas e, claro, gente alérgica ao pólen passa para o prato seguinte.

O ideal, não só por estas mas por tantas outras coisas ‘fora da caixa’ que têm que ser pensadas com antecedência, é desenvolver uma relação constante com o mesmo fornecedor de verduras biológicas, que na maior parte das vezes até entregam os cabazes em casa. Se precisar de contactos, fale connosco, temos imensos.