Alugar vestidos de luxo, um negócio de sucesso

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Aos 26 anos Filipa Neto dirige uma empresa com operação internacional e um mercado prioritário: o Reino Unido. A diretora da Chic By Choice, que é também uma das fundadoras da marca que se dedica ao aluguer de vestidos de luxo, e que está entre esta segunda-feira e dia 31 de março a vender 250 peças do seu catálogo a preços iguais ou inferiores ao valor habitual de aluguer, explica-nos como surge uma ideia de negócio espetacular e como se consegue levá-la a bom porto: não ter medo de perguntar, ouvir os mais velhos e ter um filtro pessoal são algumas das características que a Filipa Neto diz ter na equipa.

Como é que surgiu este negócio?

A parte da ideia do negócio surgiu da nossa própria necessidade. Éramos estudantes na universidade, tínhamos 20 anos e um dia, quando nos apercebemos que íamos ter mais um evento, tomamos consciência que estávamos a fazer um investimento demasiado grande em peças que íamos usar apenas numa ocasião. As peças faziam-nos sentir fantásticas e maravilhosas, mas no dia seguinte percebíamos que não fazia qualquer sentido, que não era um investimento, que não íamos voltar a vestir aquela peça.

Porque não se pode repetir um vestido destes…

Sim. E com o Facebook e com o Instagram, tornou-se ainda mais difícil usar uma peça como se fosse pela primeira vez. As redes sociais e o fast fashion forçam-nos a ter algo novo a todo o instante. Foi nessa altura, na faculdade, que nos apercebemos que o ideal era poder ter uma loja em que pudéssemos ir buscar a nossa peça de sonho e que pudéssemos sempre devolver, pagando apenas uma fração do preço.

Como é que passou da ideia para a concretização de um negócio?

Nós estávamos a frequentar na altura o curso de Economia e Gestão na Universidade Católica e houve um concurso de empreendedorismo, da Acredita Portugal, e achámos que era um concurso extremamente interessante para nós. Estávamos habituadas a ver concursos na área das energias renováveis e na área de tecnologia e vimos neste concurso uma oportunidade única extremamente interessante para nós, porque não havia limites nem de área de trabalho.

Contaram aos colegas da faculdade que estavam nesse concurso?

Não, não dissemos para não termos pressões. Só quando estávamos a chegar à final é que dissemos aos nossos amigos. Nessa altura já nos sentíamos mais seguras em relação ao conceito.

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Este concurso obrigou-vos a fazer um plano de negócios. A licenciatura ainda não vos tinha dado essa competência?

Eu acho que a parte do plano de negócios é importante, mas acima de tudo a parte de perceber o mercado e testar o próprio modelo de negócio são conceitos que não se dão na faculdade. Estes são modelos do Lean Star Up, são conceitos que vemos em livros internacionais e depois são aplicados nestes concursos, de acordo com um modelo pré-estabelecido. Essas bases de trabalho ajudam quem está a concurso a desenvolver a ideia e isso foi uma coisa fundamental. À medida que fomos passando às fases seguintes do concurso, tivemos a oportunidade de utilizar estes frameworks (alguns deles estão num livro importante, ‘Business Model Generation’) que são formas de trabalho completamente diferentes daquelas que nos dão na faculdade.

É um problema de todas as universidades internacionais ou das portuguesas?

Acho que a parte da educação não está 100% coordenada com a parte pós-formação. Há uma componente mais teórica e os programas de faculdade não estão todos desenvolvidos de forma vocacionada para o negócio.

Quando é que se aperceberam que tinham aqui mesmo um negócio, que não ia ser só um exercício?

Nós estabelecemos um desafio para nós próprias. Demo-nos 3 meses para perceber se conseguíamos angariar capital para testar o conceito, porque este é um negócio de capital intensivo. Estamos a falar de produtos de luxo, de e-commerce que requer um grande investimento – nós tivemos que criar de raiz uma plataforma de aluguer, não pudemos recorrer a um software open source para fazer a nossa loja, porque não existe nada para este tipo de negócio – tivemos de recrutar. Nós temos programadores, web developers in house, nós temos uma ilha de pessoas que testa, reporta os erros e propõe logo soluções. Temos que ser rápidos.

Esse investimento foi conseguido em tão curto período de tempo?

Sim. Queríamos perceber se era apenas essa validação que nos fazia falta e quisemos ouvir também as pessoas da indústria – da moda e do digital. Na altura, tivemos a oportunidade de falar com o diretor do Club Fashion, com pessoas que têm boutiques de luxo, com pessoas que são hoje nossos angels investors, como o CEO da La Redoute, ou o ex-chief innovation da Farfetch, e foram conversas muto importantes para mim. Uma das coisas de que me fui apercebendo é que, desde que exista vontade de perguntar, as pessoas estão muito disponíveis para responder e para passar tempo com jovens, com empreendedores. Existe mesmo uma vontade de ajudar. Nessa altura percebemos que havia várias pessoas deste universo que nos diziam ‘Faz sentido, queremos apoiar’.

Quando é que decidem que Portugal não ia ser o principal mercado da Chic by Choice?

Desde o início. Sabíamos que não poderíamos ter em Portugal um mercado de grande escala. A ideia sempre foi começar no Reino Unido. Nessa altura da validação da ideia percebemos que íamos ser capazes de implantar o negócio lá e hoje temos 70% das encomendas vindas do Reino Unido e 50% destas são de Londres. É interessante perceber que o nosso cliente é um cliente supercosmopolita. E esta questão de sermos portuguesas e sermos capazes de construir um competidor, sabendo que já há players no mercado internacional e tornarmo-nos uma referência é muito importante para nós.

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Ainda faz sentido falar da geografia nacional como um impedimento ao aparecimento de marcas fortes? O vosso capital é só português? A vossa mão-de-obra é muito diversificada.

Neste momento somos uma empresa portuguesa com capital português. Só português. Não quer dizer que os investidores vivam necessariamente em Portugal e sabemos que o caminho da Chic By Choice também passa pelo investimento estrangeiro. Em termos de estrutura de trabalho, o país está a conseguir atrair talento de uma forma nunca antes vista. Vêm pessoas com grande qualidade porque a nossa proposta de trabalho em termos de qualidade de vida é muito interessante. Temos pessoas francesas, lituanas…

E o armazém da marca está em Londres.

Sim. Mudámos o armazém para Londres e deixámos de ter showroom. O que fazemos é pop up stores em Londres e em Lisboa não temos um espaço permanente aqui. Durante épocas especiais, provavelmente vamos fazer acções especiais para os clientes portuguesas.

Qual é o futuro da Chic By Choice?

Queremos consolidar o mercado no Reino Unido e na Alemanha, estamos a trazer novas marcas para o nosso catálogo de verão.

Há um retrato único das vossas clientes?

É muito diverso. No Reino Unido a época mais forte é o inverno, começando com as festas de Natal e passando pelos bailes e festas de caridade. Em Portugal, o verão é que é muito forte por causa dos casamentos. Temos clientes para quem o preço não é um fator importante, porque podiam comprar um vestido por 1500 euros e vão alugar por 180, depois temos a junior corporate com os amigos a casarem-se todos ao mesmo tempo, tem que ir a 5 eventos, e nessa altura o fator financeiro move a decisão de aluguer.

Há transações de valor muito significativo?

Temos clientes que já gastaram mais de 2 mil euros num ano. Temos clientes que já encomendaram 5 vestidos de uma vez. Depende muito do segmento.

E o que é que acontece aos vestidos depois de usados?

Após a época de alugueres temos parcerias com sites de venda de artigos de luxo em segunda mão e vendemos nesses sites. Compramos os vestidos às marcas a preço de boutique, dependendo do modelo compramos dois ou mais tamanhos. O cliente recebe sempre o tamanho principal e um tamanho extra, para ir com o fitting perfeito. O valor de aluguer inclui uma caixa, dois vestidos.

Quando teve a ideia da Chic By Choice, pela primeira vez, imaginava que aos 26 anos ia ser CEO de uma empresa com esta expressão?

Não. Sinceramente nunca tinha pensado no que é que eu ia ser… quando fosse grande. Quando era pequenina dizia que ia trabalhar na Bolsa, mas não aconteceu. Hoje acho que há uma razão para estar a fazer o que estou a fazer: venho de uma família ligada ao têxtil. Eu ia para a fabrica de confeção de roupa interior do meu avô materno e adorava. O meu pai faz software de retail para marcas de moda. Parece que é um encontro dos dois mundos.

Qual é o segredo do sucesso?

Perguntar, perguntar, perguntar. Ouvir toda a gente mas seguir o nosso próprio instinto. Eu pergunto muito mas depois também filtro muito, porque quando perguntamos a alguém que teve muito sucesso na sua área é natural que essa pessoa pense que a sua forma de montar um negócios é a melhor forma para todos os negócios. É que há uma receita para cada indústria mas não há uma receita para o sucesso. O que funcionou numa marca não vai funcionar necessariamente numa outra que está a começar do zero.

 

As sample sales da Chic by Choice decorrem de 27 a 31 de março,

no seu espaço da marca na Rua Castilho.

Fotografias de Gerardo Santos