A célebre frase “amor de mãe” foi das mais tatuadas por soldados portugueses durante a guerra colonial, que usaram a tinta pintada no corpo por revolta ou luto por camaradas, segundo o livro Guerra na pele.
A escolha das palavras deve-se também ao facto de, nas principais situações de conflito de guerra e quanto estavam aflitos, era pela mãe que chamavam”, refere João Cabral Pinto, 51 anos.
Licenciado em gestão de empresas, tem uma paixão histórica pelo tema das tatuagens, embora não tenha nenhuma, passou 20 anos a fotografar e tentar fazer a história de centenas de homens que estiveram na guerra colonial (1961-1974) e que resultou no livro “Guerra na pele – As tatuagens na guerra colonial”, (edição de autor), com dezenas de fotos.
Depois de fazer milhares fotos, na rua, na praia, em encontros de militares, e centenas de entrevistas ao longo de 20 anos (perdeu cinco anos de trabalho devido a um problema informático), o autor explicou que a tatuagem teve, para estes homens, uma mistura de motivações, questões políticas, mas também muito pessoais e íntimas. “É uma questão muito particular e não tem regra”, afirmou à agência Lusa, e “muitos fizeram por revolta, até por luto, pela morte de colegas”, fizeram-no “também por imitação”.
Mas muitos pintaram o corpo, em especial o braço e o antebraço, também por uma “questão da moda”, de “vaidade e de exibicionismo, ‘eu trago uma tatuagem, eu estive na guerra´”, afirmou João Cabral Pinto.
Amor é a palavra mais tatuada
O autor descreveu que muitos dos entrevistados revelaram “muita emoção” e “até lágrimas” quando mostraram as tatuagens e recordaram o que os levou a fazê-las. Depois de juntar tudo (fotos e entrevistas), a estatística das 350 tatuagens revelou que a palavra “amor” foi a palavra “mais tatuada” — “amor de mãe”, “amor de filhos”, “é a ti que eu amo” ou ainda “dor é amor”.
A explicação é simples e assim sintetizada por João Cabral Pinto: “Muitos dos homens que eu entrevistei disseram-me que nas principais situações de conflito de guerra quanto estavam aflitos era pela mãe que chamavam. E daí a ser uma palavra chave deste tema.”
E a remeter para a guerra, África, Deus há outras palavras chave, como “Angola por ti lutei”, “Adeus África”, “Deus me guie”, “Dor é amor, morte é sacrifício”, “Quem ama sofre” ou ainda “A Pátria honrai, que a Pátria vos contemple”.
No livro, as motivações são muitas e podem encontrar-se respostas tão desconcertantes como “amor”, “dor”, “desespero”, “luto”, “patriotismo””, “liberdade”, “não sabe porquê” ou “excesso de álcool”. A lista dos porquês tem muitas razões que o autor enumera em frases retiradas das entrevistas, como por exemplo “fiz para marcar a vontade de servir o país”, “fiz por ter orgulho em ser fuzileiro”, “para me libertar do fascismo”, “porque eu era contra a guerra”, “por causa das namoradas”, “se fosse abatido e ficasse irreconhecível, a tatuagem identificava-me” ou ainda “parvoíces da idade” e “fiz porque estava com os copos”.
Esta “febre” das tatuagens, afirmou ainda, não teve paralelo em Portugal até à recente moda de pintar o corpo, dado que nessa década de 1960 e 1970 as tatuagens estavam ligadas a presidiários ou à prostituição.
Há ainda que ter em conta que quem as fazia, fazia-as, por vezes, a si próprio, com três agulhas e um copo com tinta da china, à margem da hierarquia militar e ficavam muitas vezes imperfeitas.
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