Relações ao contrário: e quando o sexo vem antes de tudo o resto?

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As redes sociais e a constante conectividade em que nos encontramos nos dias de hoje mudaram, entre outras coisas, a forma como nos relacionamos uns com os outros. Sejam relações de trabalho, amizades ou amor, tudo está à distância de um click. Será isto bom ou mau? E no que diz respeito às relações, o que devemos fazer quando tudo começa ao contrário? A sexóloga Susana Dias Ramos explica tudo.

Se nos tempos em que não existiam redes sociais as pessoas tinham de se conhecer primeiro e, depois, envolver-se sexualmente e criar uma relação, hoje em dia as coisas andam um pouco trocadas. Plataformas como o Tinder, por exemplo, são muitas vezes utilizadas para encontros sexuais esporádicos e, pelo meio, perde-se o interesse de construir uma relação.

“As relações deveriam começar pela paixão, de seguida a atração sexual e depois o amor, apenas pelo facto de que assim é mais fácil evoluir no sentimento”, começa por explicar a sexóloga. “Assim, teríamos uma química mental com a pessoa, identificávamo-nos com ela e poderíamos estar abertos a apaixonarmo-nos, passando de seguida para os outros passos”, reitera.

Uma geração de paixões fugazes

Segundo a especialista, estamos perante “uma geração que, na camada mais jovem, gosta de se divertir, gosta de ter encontros sexuais esporádicos e não é por isso que tem de se apaixonar ou que ter um envolvimento amoroso com a pessoa”. E se antigamente se pensava que só os homens é que tinham este tipo de comportamento, atualmente as mulheres “estão empoderadas e emancipadas e podem também ter o comportamento sexual que desejarem” e isso dá-lhes “uma liberdade diferente nos encontros”, explica a sexóloga.

Mas será que esta inversão das relações tem consequências para a construção do amor? Susana Dias Ramos acredita que sim.

“Isto interfere na forma como pautamos a relação desde o início. A verdade é que a geração mais recente está mais habituada a este tipo de relações, ou seja, que iniciam com uma atração sexual e um envolvimento sexual, partindo logo para as coisas mais quentes e, a partir dai, quem sabe se se dá uma oportunidade ou não para o seu desenvolvimento”, defende a terapeuta.

Mas, afinal, será isto bom ou mau?

Nem uma coisa, nem outra. Por vezes temos tendência a olhar para as mudanças da sociedade e qualificá-las de boas ou más, mas a verdade é que são evoluções naturais e com as quais temos de saber lidar. No entanto, a psicóloga admite que isto poderá dificultar um pouco o processo de construção de relação.

“Não sei se feliz ou infelizmente, porque penso que isto dificulta um bocadinho a perceção do emocional. Nós temos dificuldades em perceber o emocional quando temos uma atração física, porque nos deixamos levar. E ao deixarmo-nos levar pelo físico da pessoa, depois temos dificuldade em conhecê-la a fundo”, explica.

Aliás, Susana Dias Ramos confessa que conhece várias pessoas que mantém relações sexuais esporádicas com a mesma pessoa há, por exemplo, mais de um ano, e que nenhuma delas se conhece verdadeiramente. “E isto também não é uma evolução boa, porque é difícil depois retroceder”, defende.

Mas a verdade é que esta realidade é o que mais se vê nos dias de hoje, fazendo-nos quase acreditar que o amor e a paixão estão apenas reservados para uma faixa etária mais velha ou para pessoas que procuram outro tipo de relacionamento.

A geração que não se quer magoar

Todas nós já ouvimos alguém dizer que não quer relações amorosas porque dessa forma não irá sofrer. Para a especialista, isto é um erro: “vivemos numa geração que não quer pensar no sentimento e que acha que assim se vai safar melhor, que não vai sofrer emocionalmente. Não sei se vai, porque mais tarde ou mais cedo vão ser apanhados pelo amor ou pela paixão”.

Mas calma, porque não podemos olhar apenas para o lado mau. “Se antigamente se dava demasiado valor ao amor e à relação sexual, sendo que a perda da virgindade era uma coisa absolutamente mágica e que só poderia acontecer com o amor das nossas vidas, o que também não era bom porque se metia uma grande responsabilidade no ato sexual, nesse aspeto acho que é bom. Esta liberdade que nos é dada de sabermos que o corpo é nosso e fazemos dele o que bem entendermos. E acho que ninguém tem nada a ver com isso”, analisa a sexóloga.

Quando o desejo está no corpo e não no coração

O grande problema para quem quer construir uma história de amor pode ser, precisamente, como ela começa. Porque, tal como já dissemos, quando a relação começa ao contrário pode ser difícil dar-lhe a volta.

“Quando isto começa ao contrário, pode ser mais difícil chegarmos ao amor e evoluirmos desta forma, porque nós mantemos uma relação sexual porque o desejo está no corpo, e isso não é errado, mas se o desejo está só no corpo não está na mente, na alma, no coração. Nós ate podemos ficar do lado dessa pessoa porque é confortável e porque nos sentimos bem, mas fica a faltar aquela faísca”, reflete Susana Dias Ramos.

E se a paixão e o desejo sexual são coisas que surgem de forma natural, sem que tenhamos que fazer muito para que elas aconteçam, o amor não é bem assim. “O amor é uma coisa muito difícil de conseguir, manter e alimentar. A paixão não, a paixão acontece sozinha, assim como a atração sexual – são coisas que não nos dão trabalho nenhum, porque elas existem ou não existem. O amor necessita de uma construção, de uma alimentação, de um cuidado especial e de um fogo-de-artifício. O amor é trabalhoso”, termina por dizer.

Mas, afinal, o que fazer para remediar uma relação que começa ao contrário?

Sendo que as relações que começam ao contrário vieram para ficar, o que é que afinal podemos fazer para que, mesmo assim, elas possam ter sucesso? O conselho de Susana Dias Ramos é simples: “dois em um”.

“No momento em que nos envolvemos sexualmente com a pessoa, devemos também tentar descobrir quem é que ela é e o que é que ela tem que nos possa atrair a outros níveis que não só o sexual”, defende a sexóloga. Porque mais interessante do que o alimento do corpo, é também o da mente.

“Porque é interessante ter um envolvimento sexual com alguém que nos alimenta a mente também, porque senão não vai passar de uma relação esporádica, porque não temos mais nada em comum. O importante é tentar conhecer a pessoa, mesmo não sendo de uma forma muito romantizada mas sim com o intuito de simplesmente conhecer. Ter uma conversa “pós cama”, por exemplo, ser amigo dessa pessoa, utilizar as redes sociais e as mensagens também para a conhecer”.

“E se calhar vamos ter surpresas agradáveis porque as pessoas que mantém relações sexuais só porque sim e nunca se deram ao trabalho de conhecer a outra pessoa, podem até perder oportunidades fantásticas. Se calhar do outro lado está uma pessoa para o futuro e para o amor mas passam despercebidos um ao outro”, termina por defender a especialista.