Amores arranjados: Adeus Tinder, olá Agência Matrimonial

iStock-casamento

Desengane-se quem pensa que os amores arranjados já passaram à história. Depois da época em que eram os familiares a tratar do assunto, o que são os encontros proporcionados pelas redes sociais e as aplicações de telemóvel senão uma forma de juntar pessoas que não se conhecem? Mas também estes métodos parecem já ter os dias contados. É que, cansados de engates online, já há jovens de 19 anos em busca do par ideal em agências matrimoniais.

Setembro é um dos meses com mais afluência: “As pessoas vêm nesta altura porque voltaram ao dia-a-dia. Durante as férias estiveram a refletir e não querem voltar àquela rotina de trabalho, onde muitas vezes ficam até mais tarde porque sabem que chegam a casa, rodam a chave e a casa está vazia”, explica Liliana Paiva, coordenadora na maior agência matrimonial em Portugal, Amore Nostrum. Um aumento de inscrições que se sente muito também na época do Natal e em janeiro:” é o momento do recomeço, é a altura em que as pessoas pensam ‘ok, este ano vou inscrever-me no ginásio, deixar de fumar, fazer uma dieta e… ter sorte no amor’.

Foi isso mesmo que tentou Sónia, 26 anos. Deixou-se de conversa fiada nas redes sociais e recorreu a uma agência matrimonial. “Estava solteira há algum tempo e senti necessidade de ter um companheiro. Sonhava voltar a apaixonar-me. No entanto, não havia ninguém que me interessasse nem no meu grupo de amigos, nem no trabalho, nem noutros círculos sociais em que me movimentava”, contou ao Delas.pt.

Esta não foi uma decisão imediata. Antes de procurar uma agência matrimonial, Sónia fez o percurso de muitos jovens: estar nas redes sociais e instalar aplicações na esperança de encontrar alguém que valesse a pena, mas… “Nenhuma amizade que fiz com homens que conheci nessas aplicações evoluiu para uma relação amorosa. Para dizer a verdade, nenhuma evoluiu sequer para um segundo encontro. Basicamente, o primeiro encontro foi sempre uma desilusão, ou em termos físicos ou em termos de compatibilidade de interesses, objetivos e maneira de estar na vida”, revelou.

Foi aí que Sónia partiu para uma pesquisa na internet em busca de um novo cupido e encontrou a agência Amore Nostrum, que lhe valeu o relacionamento que mantém com Hélio há dois anos e três meses.

Na agência matrimonial Amore Nostrum, dos mais de 20 mil inscritos, 20% são jovens entre os 18, a idade mínima, e os 30 anos.

A viverem em união de facto há mais de um ano, quando lhe perguntámos se a forma como se conheceram influenciou a relação, respondeu prontamente: “Não e sim. ‘Não’, porque somos um casal absolutamente normal, como seríamos se nos tivéssemos conhecido num grupo de amigos ou numa saída à noite; ‘Sim’, porque se não tivéssemos recorrido à agência, muito provavelmente, os nossos caminhos não se teriam cruzado”.

Será por isso que os jovens estão a dizer adeus ao Tinder e a outros métodos online, dando a oportunidade às agência matrimoniais? Só na Amore Nostrum, que detém uma base de dados com mais de 20 mil inscritos, 20% são jovens entre os 18 e os 30 anos, avançou ao Delas.pt Liliana Paiva, coordenadora da agência.

“Não temos uma diferença estatística significativa entre homens e mulheres inscritos. É basicamente 50/50. Quanto a idades, temos clientes desde os 19 até aos 80 e muitos anos”, revelou ainda Liliana. E acrescentou que dependendo da faixa etária do cliente, os objetivos de relacionamento diferem.

Os clientes mais jovens tendem a procurar alguém para união de facto ou até mesmo para casar e também o fator maternidade entra aqui em jogo: “Nós, mulheres, temos prazo de validade para ter filhos, como se costuma dizer. E muitas mulheres pensam: ‘Eu agora tenho 30 e poucos anos, mas o tempo de conhecer alguém, ter um relacionamento sólido e construir alguma coisa para vir a ter filhos… o prazo está a ficar apertado’. Muitos dos nossos clientes mais jovens procuram-nos exatamente por isso e os homens, mesmo não tendo o tal prazo de validade, também sentem isso. Não querem ser pais aos 50 anos”, refere Liliana.

A faixa etária dos 45-65 anos é a que tem maior representação na base de dados de inscritos na Amore Nostrum (40%).

Foi precisamente aos 50 anos que Adélia casou com António, par que conheceu na Amore Nostrum. Depois de viver em união de facto durante 17 anos, ficou sozinha e isso começou a incomodá-la: “Não tinha ninguém há cerca de sete anos. Sentia-me muito sozinha, todas as minhas amigas tinham as suas famílias e as suas vidas. Durante o dia ocupava-me com o trabalho, mas quando chegava a casa e nas férias sentia-me sem rumo”, contou ao Delas.pt. E embora nunca lhe tivesse passado pela cabeça recorrer a uma agência matrimonial, acabou por fazê-lo após uma conversa com uma amiga: “Confesso que inicialmente tive alguma vergonha, mas ganhei coragem e liguei”.

Adélia pertence à faixa etária dos 45-65 anos, a mais representada entre os inscritos na Amore Nostrum (40%). “Um cliente entre os 40 e os 60 anos, é um cliente que normalmente já está divorciado e procura alguém para refazer a vida. Para estas pessoas a questão dos filhos costuma ser muito importante, porque querem alguém que os aceite”, explica Liliana.

Isso aconteceu com Adélia que apenas revelou onde conheceu António à filha: “Não contei a ninguém, nem à minha amiga que me recomendou ir a uma agência matrimonial. Decidi guardar só para mim para ver como corria. Confesso que mesmo hoje, passados três anos de casamento, só a minha filha sabe onde conheci o António. Não me sinto à vontade para contar a mais ninguém”.

Mas como funciona este ‘match’ da vida real?

“O primeiro passo é saber se a pessoa é livre, solteira, divorciada ou viúva e se pretende um relacionamento sério: namoro, união de facto ou casamento. Preenchendo esses requisitos e tendo mais de 18 anos, qualquer pessoa pode vir a um dos escritórios da agência [Amore Nostrum] para uma consulta presencial com os psicólogos ou consultores”, começou por explicar a coordenadora Liliana.

Nessa primeira consulta, que tem um custo de €15 e demora cerca de uma hora, faz-se então o levantamento das características físicas, psicológicas, sociais e emocionais do cliente. “No fundo é perceber quem é a pessoa que temos ali e saber também como foram os seus relacionamentos anteriores – para tentar entender porque falharam e evitarmos repetir o padrão”, explicou a coordenadora.

Ainda na mesma consulta é construído o perfil da pessoa que o cliente procura, recolhendo-se uma série de informações idênticas, mas agora tendo em conta os gostos do cliente. “Aí ficamos então a saber se podemos resolver o caso ou não. Se pudermos, é nesta consulta que aconselhamos a inscrição mais adequada”, refere Liliana, e são então apresentados os vários packs de inscrições existentes, porque o valor pago pelo serviço varia: “Depende muito das características específicas de cada processo, bem como do número de apresentações que o cliente pretende adquirir”.

“Nós somos só o catalisador que faz com que duas pessoas se conheçam, tal como se tivessem sido apresentadas num café entre amigos”, diz Liliana Paiva.

Depois de feita a inscrição oficial é marcada uma segunda consulta, esta de psicologia. Só depois dessas duas consultas é que se traça o perfil completo do cliente e se inserem os dados no sistema informático que vai permitir encontrar-lhe o par ideal. Quando feito esse cruzamento de dados, “selecionamos aqueles que são mais compatíveis e chamamos o cliente para ver os perfis e ficar a conhecer um pouco daquilo a que chamamos os “dados públicos do cliente” – a profissão, as características de personalidade mais vincadas, os objetivos de vida. Depois é ele que escolhe se quer ou não conhecer pessoa”, esclarece Liliana. Se a outra pessoa também estiver interessada é marcado um encontro na agência, na companhia de um psicólogo ou consultor para ajudar a iniciar a conversa.

Embora diga que não teve receio, Sónia, a jovem na casa dos 20 anos, admitiu ter sentido algum nervosismo nesse primeiro encontro: “Quando vamos conhecer alguém, há sempre aquela expectativa se vai corresponder ao que idealizamos ou não. Se vou achar tão interessante fisicamente como nas fotos, se tem uma conversa que me atraia, como será a voz, etc.”.

“O tal ‘clique’ foi imediato, não sei explicar, mas assim que o vi… Senti logo algo diferente, o meu coração disparou”, recorda Adélia, ex-cliente da Amore Nostrum

Se o primeiro encontro correr bem e ambos quiserem voltar a ver-se devem aproveitar para trocar algum contacto, seja o número de telemóvel, o e-mail ou a morada. “Nós [a agência] nunca damos esses dados pessoais, são sempre os clientes que trocam essas informações entre si, se assim o decidirem”, afirma Liliana. E acrescenta que “apenas o primeiro encontro é nos nossos escritórios, a partir daí funciona como na vida real. Nós somos só o catalisador que faz com que duas pessoas se conheçam, tal como se tivessem sido apresentadas num café entre amigos”. Por isso, “se o relacionamento evoluir ótimo, são dois processos encerrados. Se não, se ficarem só amigos ou se terminarem ao fim de algum tempo, retomamos os processos de um e de outro, para apresentarmos outra pessoa”, concluiu.

Foi isso que aconteceu com Sónia: “Conheci três pessoas antes de conhecer o Hélio. Foi simples, quando me apercebia que aquela pessoa não era ‘a tal’, contactava a agência para ativarem de novo o meu processo. Até que vi o perfil do Hélio, tive um bom feeling e aceitei conhecê-lo. A agência marcou a apresentação e não me enganei, estamos juntos desde aí”.

Também Adélia passou por dois encontros antes de conhecer o António, mas à terceira foi de vez: “No terceiro encontro, conheci o António, o meu atual marido. O tal ‘clique’ foi imediato, não sei explicar, mas assim que o vi… Senti logo algo diferente, o meu coração disparou e sentia muitas saudades quando não estávamos juntos. Começámos a namorar seis meses depois de nos conhecermos”.

A Amore Nostrum possui ainda um serviço para casais homossexuais e para emigrantes

Embora seja raro falhar, pode acontecer, mas Liliana garante ser impossível alguém ficar sem par: “Temos mais de 20 mil clientes, portanto quando fazemos ‘match’ na nossa base de dados nunca nos surge: ‘Não existem pessoas compatíveis’. Claro que temos casos mais difíceis e que demoram mais tempo, mas felizmente conseguimos sempre apresentar alguém”. E revela ainda: “Muitas vezes estou a falar com um cliente e na minha cabeça já estou a pensar ‘ai este cliente era perfeito para aquela pessoa’, isto sem sequer ir ao computador”.

No entanto, a coordenadora alerta: “Não temos nenhuma varinha de condão, senão estávamos multimilionários, tínhamos descoberto a fórmula mágica para o amor. Não há aqui fórmulas mágicas. Mas claro que a experiência diz-nos que os estudos que fazemos e a sensibilidade que temos são muito importantes para formar casais de sucesso. Isso sem dúvida nenhuma, senão não estaríamos aqui”.

Segundo dados facultados por Liliana Paiva, a agência apresenta atualmente uma taxa de sucesso superior a 85%, contra um percentagem inferior a 1% no que toca à taxa de divórcio e uma taxa de tentativa e erro que ronda os 20% – estes são casais que acabam por ficar amigos ou não prosseguem a relação, retomando o processo.

A funcionar desde março de 2003, a Amore Nostrum tem atualmente sete agências espalhadas por Portugal continental – além da sede no Porto, está presente em Braga, Viseu, Coimbra, Leiria, Lisboa e Faro. Desde o início que a agência compromete-se também a encontrar o amor entre homossexuais: “Desde sempre que aceitamos tanto clientes heterossexuais, como homossexuais. A procura entre homossexuais é maior nas grandes cidades, como Porto, Lisboa, Coimbra e Braga. Em meios mais pequenos, como Viseu e Leiria não temos tanta afluência, talvez por ainda haver algum tabu, vergonha ou mesmo por serem centros com menos pessoas”. Além disso, detém ainda um serviço dedicado aos emigrantes: “Mais especificamente aos clientes portugueses que estão no estrangeiro e que pretendem conhecer alguém que está aqui, ou mesmo portugueses que estejam lá fora e queiram conhecer alguém que também esteja lá”.

Em busca do amor na caixinha mágica

A televisão portuguesa prepara-se para estrear, já este mês de setembro, programas em que parece ser possível encontrar a cara-metade. Enquanto a SIC aposta no amor à primeira vista, apelando a que os portugueses se inscrevam para casar com alguém desconhecido no programa Casados à Primeira Vista; a TVI prepara-se para estrear First Dates (Primeiros Encontros), um programa que promete levar pessoas desconhecidas a encontrar o amor.

Este tipo de formatos não é novidade na televisão, pelo menos para quem assiste a alguns canais do cabo. Dating Naked e Adam And Eve, transmitidos atualmente pela SIC Radical são exemplos de programas onde os concorrentes procuram encontrar um parceiro. Despidos de roupa e preconceitos, em ambos os formatos os concorrentes surgem nus e vai havendo uma seleção até ficar um casal final.

Também no TLC é possível assistir a Undressed, que desafia duplas desconhecidas (heterossexuais e homossexuais) a conhecerem-se em tinta minutos – durante esse tempo os concorrentes terão que se despir e deitar numa cama diante de um ecrã gigante, onde vão sendo lançados diversos desafios.

Por cá, os programas que surgem na televisão generalista tendem a ser mais contidos. O primeiro formato televisivo a querer juntar pessoas foi o Acorrentados, emitido pela SIC em 2001. Foi o primeiro reality show exibido pelo canal de Carnaxide e funcionava da seguinte maneira: cinco pessoas permaneciam acorrentadas dia e noite, tendo que ir juntas para todo o lado; quatro eram do mesmo sexo e a do oposto tinha de ir eliminando aquelas que não lhe interessavam até sobrar uma que poderia ser o par ideal ou (pelo menos) o mal menor.

A aposta em reality shows havia começado um ano antes, em 2000, com a TVI a fazer sucesso de audiências com Big Brother. Programa que acabou por ter várias edições e de onde resultaram vários casais, embora o propósito não fosse esse. O mesmo aconteceu com a Casa dos Segredos, a estrear em 2010.

Em 2016, a estação de Queluz de Baixo apresenta Love On Top, este sim um programa mais perto dos contornos daqueles que estão prestes a estrear este mês.

[Imagem de destaque: iStock ]

Millennials: só querem amigos coloridos

Ghosting: ele foi comprar cigarros e nunca mais mandou mensagem