Ana Correia tem 21 anos e criou um programa de liderança feminina em Portugal

Há dois anos, Ana Lomba Correia concorria a um programa de liderança feminino, nos Estados Unidos, sem pensar muito em ser selecionada. Tinha apenas 18 anos, mas acabou por ser uma três candidatas escolhidas para representar Portugal no Women2Women, um programa internacional dirigido a promissoras jovens mulheres e líderes emergentes.

A experiência marcou a jovem de Viana de Castelo de tal forma que, este ano, decidiu fazer uma edição portuguesa, convidando figuras como a secretária de Estado para a Cidadania e Igualdade Rosa Monteiro, Inês Santos Silva da Portuguese Women in Tech, a cantora Carolina Deslandes, a artista Clara Não e o humorista Diogo Faro do movimento #NãoéNormal, entre muitos outros representantes de empresas e associações nas áreas de liderança, empreendedorismo, cidadania e igualdade, tecnologia e desporto.

A Ana Lomba Correia juntaram-se amigas e conhecidas que, entusiasmadas com este projeto, constituíram a primeira equipa de organização do primeiro Women2Women Portugal. O evento decorreu na segunda semana de setembro, em Lisboa, durante cinco dias, em que 75 jovens (dos 16 aos 21 anos) tiveram a oportunidade de assistir a conferências, participar em workshops e até desenvolverem projetos individuais numa área do seu interesse.

O Delas.pt foi acompanhar o quinto dia de formação do Women2Women Portugal, dedicado à igualdade, e entrevistou o cérebro por detrás da “operação”, no final da manhã. Em entrevista, Ana Lomba Correia fala sobre a sua participação no programa internacional e do desenvolvimento desta primeira edição portuguesa que criou, com apenas 21 anos.

O que é o programa Women2Women?
É um programa de liderança feminina, que decorre anualmente em Boston. Em 2017, fui uma das candidatas escolhidas para representar Portugal. Foram 10 dias de treino intensivo de liderança, com mais de 100 raparigas, de 30 países. Estivemos em universidades como Harvard (na Governement School e na Law School), na Babson College, que é muito focada em empreendedorismo. No ano em que eu participei, a Embaixada dos Estados Unidos da América em Portugal estava a patrocinar o programa, pelo que suportou os nossos custos. Já voltei lá duas vezes, enquanto alumni e sei que, apesar de já não patrocinarem o programa, as jovens portuguesas continuam a concorrer.

Como descobriu que existia um programa para líderes femininas emergentes?
É uma história caricata [risos]. Em 2017, candidatei-me a uma hora de terminar o prazo final, tudo porque uma amiga identificou-me no Facebook a insistir que eu tinha mesmo de me candidatar. Eu tinha 18 anos e preenchi a candidatura sobre pressão, nem pensei bem, fui escrevendo o que sentia. Com a pressa, ficaram muitos erros, não de gramática, mas da rapidez com que escrevia. E pensei logo que mais valia esquecer. Passado um mês, estava eu com o telemóvel avariado e a estudar para os exames, e ligaram para a minha mãe a dizer que me queriam entrevistar por Skype. Nem nunca tinha feito uma entrevista, mas foi rápido e dois dias depois diziam-me: “Congratulations!“.

Como foi a experiência?
Muito enriquecedora. Sou uma miúda do Norte, de Viana do Castelo, nem nunca tinha viajado para os EUA. Fui eu, com mais duas raparigas, a Ana e a Joana, sozinhas no avião. E aquele ano foi a primeira vez que Portugal foi representado, já era a 12.ª edição do programa internacional.

Que temas abordaram durante esses 10 dias no Women2Women internacional?
Desenvolvemos, principalmente, competências de liderança e comunicação. Fizemos muitos workshops de storytelling, de como passar a nossa mensagem. Falámos também muito sobre a presença das mulheres no setor público e tivemos contacto com um programa de Harvard para países em desenvolvimento. São 10 dias a aprender, a treinar, mas acho que o mais mágico é a rede internacional de “irmãs” com que ficamos, depois do Women2Women. Desenvolve-se uma relação muito intensa entre as candidatas, todas escolhidas entre centenas ou milhares de candidaturas, com 15 aos 19 anos. Depois quando trouxemos o programa para o contexto português, achámos que faria mais sentido termos uma faixa etária mais abrangente.

Como surgiu a ideia de trazer o Women2Women para Portugal?
Foi já depois de ter participado no programa dos EUA, em Boston, e de ter regressado como alumni e oradora nas edições seguintes. Dessa última vez, eu e algumas participantes conseguimos passar um dia na ONU Mulheres, em Nova Iorque. Sendo muito honesta, esse era o meu trabalho de sonho e eu acho que tinha muitas expectativas para aquilo que realmente acontece lá. Fiquei desolada e, apesar de me sentir uma privilegiada por ter ido, pensei que tinha de repensar todo os meus objetivos de vida. Fiquei mesmo com esta ideia de que é urgente agirmos agora e pensei que tínhamos mesmo de trazer um programa de liderança feminina para Portugal. Juntei um grupo de amigas, que trouxeram mais amigas. Não houve processo nenhum de recrutamento para a equipa, se queriam ajudar eram bem-vindas.

Quanto tempo levou a organizar esta primeira edição?
A data de início oficial foi 11 de outubro, Dia Internacional da Rapariga, porque fazíamos questão de começar a nossa atividade nesse dia. Mas a visão começou a ser pensada em agosto, quando eu cheguei de Boston, e comecei a estruturar tudo. Somos 13 raparigas na equipa, com idades dos 19 aos 26 anos, e acho que a forma como o grupo se formou foi das coisas mais bonitas que me aconteceram. Muitas não se conheciam, fizemos quase tudo por Skype, em trabalho remoto, e depois dei casa a toda a gente a Viana, que é hoje a nossa sede. E acho que o facto de sermos tão unidas influenciou as participantes a terem uma experiência positiva.

Como selecionaram as 75 candidatas?
Foi tudo através de um formulário online. Responderam a questões sobre como enfrentariam determinadas situações, qual o envolvimento na sua comunidade e procurámos avaliar o seu espírito crítico. Uma das perguntas incidiu sobre qual a igualdade de género e o direito das mulheres em Portugal e pedimos que identificassem quais eram os grandes entraves. Recebemos cerca de 170 candidaturas, o que tendo em conta que é a primeira edição pareceu-me bom.

As 75 candidatas vieram de todas as zonas do país?
Sim, embora a maioria seja do Norte, com 19 e 20 anos, e muitas estão na universidade a estudar ciências socioeconómicas. Cobrámos 95 euros pelo alojamento e alimentação e ficámos todas na Residência do Alto da Ajuda. Além disso, estão todas divididas por equipas, cada uma com o nome de uma mulher influente nos dias de hoje: Michelle Obama, Chimamanda, Greta Thunberg, Katie Bouman (cientista responsável pela primeira imagem de um buraco negro), a congressista Alexandria Ocasio-Cortez e a juíza Ruth Bader Ginsburg.

Em que consistiu o programa?
Tivemos alguns imprevistos com oradores, mas fazendo um resumo geral de cada dia, o Women2Women Portugal arrancou na segunda-feira com team building e com um painel e workshop de liderança e empreendedorismo. Tivemos connosco a jornalista Catarina Marques Rodrigues, a Cristina Ferreira da Women in Business e a Inês Santos Silva do Portuguese Women in Tech. Na terça-feira, seguimos para o Village Underground onde ouvimos a Filipa Galrão, a Helena Magalhães, a Clara Não e a escritora brasileira do Empodere-se Mayara Fanucci. A tarde foi dedicada ao desporto com a Bárbara Tino, Vice-Campeã Mundial de Judo e a Inês Ponte Grancha, co-piloto de Rally. Quarta foi dia de tecnologia na Siemens, que as meninas adoraram, e onde se falou muito em inclusão. Quinta falámos de igualdade de género e sobre sustentabilidade e na sexta-feira terminamos com as apresentações individuais dos projetos de cada uma.

Vão preparar uma segunda edição?
Vamos descansar um bocadinho depois desta para começarmos a perceber o que acontece no próximo ano. Queremos fazer mais, mas acho que não é inteligente da nossa parte assumirmos que vamos fazer uma segunda edição, antes de medirmos o nosso impacto e percebermos como correu. Vamos fazer uma avaliação grande com parceiros, participantes, oradores e entre a equipa para redefinir algumas falhas que possam ter surgido e aprender com isso.

Foi fácil chegar a convidados como a Secretária de Estado Rosa Monteiro e ter o apoio de tantos parceiros?
É engraçado que a Rosa Monteiro foi das primeiras pessoas com quem eu falei. Tirei vantagem de ser uma miúda para chegar às pessoas de forma menos protocolar, arriscando. Mandei-lhe uma mensagem no Facebook e fiquei surpreendida ao receber a resposta dela, então marcámos um café em Matosinhos e depois foi-se desenvolvendo tudo. Infelizmente, ela não conseguiu vir, mas se há coisa que aprendi muito este ano foi a falar com pessoas e a comunicar. Ainda estou a aprender muito, mas acho que para chegar a tanta gente é também aproveitar oportunidades. Investi muito tempo e dinheiro em deslocações constantes a Lisboa, isto enquanto estudava na Universidade do Minho. Foi um grande investimento da equipa.

O que está a estudar?
Direito, na Universidade do Minho, apesar do curso, este ano, não ter sido a minha maior prioridade (porque a Women2Women tomou esse lugar). Eu espero fazer uma carreira nesta área e sei que é um privilégio muito grande ter a minha mãe a apoiar-me em tudo. O curso não sai de lá e preciso de aproveitar a energia que tenho com esta idade para criar este tipo de impacto. Um dia mais tarde acabo o curso, vou trabalhar, e quando é que vou ter oportunidade de fazer isto?