Presidenciais 2021 : Ana Gomes pela ‘transparência’, Marisa Matias contra ‘o medo’

Luaty Beirão para falar sobre os direitos Humanos em Angola
Ana Gomes e Marisa Matias juntas, em Bruxelas, em 2017, numa audição com o ativista angolano Luaty Beirão na sub comissão dos direitos Humanos do Parlamento Europeu [Fotografia: Nuno Pinto Fernandes / Global Imagens]

Têm 22 anos de diferença, são amigas, têm trabalhado proximamente na Europa e estão agora frente-a-frente na luta por Belém, para as Presidenciais de 2021. A socialista Ana Gomes apresentou esta quinta-feira, 10 de setembro, a sua candidatura depois da bloquista Marisa Matias ter feito o mesmo no Largo do Carmo, no dia anterior.

A socialista, de 66 anos, diz entrar na corrida após espera do partido em escolher alguém das suas fileiras – que não o fez até ao momento – e pela “transparência”, vincando ser “capaz de representar o socialismo democrático” e esperando vir ainda a recolher o apoio dos socialistas, que, de resto, se têm mostrado divididos nesta questão.

Marisa Matias, 44 anos, quer combater “o medo”. Recorde-se que a eurodeputada pelo Bloco de Esquerda está diante de uma recandidatura a Belém após ter sido, em 2016, a mulher com mais votos desde que há eleições presidenciais em Portugal, tendo ficado em terceiro lugar, com 10,13% e 470 mil boletins.

E quando esta crê que jamais Ana Gomes lhe pediria para desistir da corrida a Belém, em entrevista ao Público, Ana Gomes referiu na conferência de apresentação, que decorreu na Casa da Imprensa, em Lisboa, ver a bloquista e “amiga” como “uma excelente candidata”.

E foi mais longe: “Tenho a certeza que faremos ambas campanhas com elevação e norteadas por ideias e projetos que, em muitos aspetos são convergentes.”

Quem são Ana e Marisa?

Ana Gomes e Marisa matias[Fotografia: Igor Martins / Global Imagens]

Em 1981, enquanto Ana Gomes concluía o doutoramento em Direito Comunitário pelo Instituto Nacional de Administração, Marisa Matias começava a sua escola primária, um ritual que a obrigava a caminhar cinco quilómetros a pé até às aulas.

Ana Maria Rosa Martins Gomes nasceu na Maternidade Alfredo da Costa, em Lisboa, a 9 de fevereiro de 1954, enquanto Marisa Isabel dos Santos Matias nascia a 20 de fevereiro de 1976 em Sé Nova, Coimbra, e vivia, nos primeiros anos, numa casa ainda sem água, nem luz, em Alcouce, Coimbra.

As origens não podiam ser mais distintas. O pai da jurista, diplomata e socialista era comandante da Marinha Mercante e a mãe doméstica, já no caso da socióloga política Marisa Matias, o pai era guarda-florestal, a mãe empregada de limpeza. A família vivia também do pastoreio e agricultura. Tarefas, aliás, que a bloquista terá cumprido frequentemente enquanto crescia e após as aulas.

Já mais tarde, em 1999, como embaixadora em Jacarta, na Indonésia, Ana Gomes pugnava pelo difícil processo de independência de Timor-Leste. Por cá, há muito que as lutas políticas e sociais em torno da qualidade de vida, ambiente e a despenalização do aborto não eram nada estranhas a Marisa Matias. Começou, revelou a eurodeputada, com as batalhas contras as propinas e a Prova Geral de Acesso (1992).

Nesse mesmo ano, esta caminhava para se consolidar como assistente de investigação no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, onde leccionaria Sociologia. A recandidata bloquista tinha-se, à data, já tornado na primeira licenciada da família, tendo frequentado, recorde-se, o curso de Sociologia na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Ao mesmo tempo, revelou, foi rececionista, serviu a mesas, limpou casas de banho e escadas para fazer face a despesas.

Cinco anos depois, em 2004, Ana Gomes tornar-se-ia eurodeputada socialista e Marisa era investigadora do mesmo Centro de Estudos – onde tinha trabalhado anos antes como secretária – e estava a um ano de aderir ao Bloco de Esquerda, o que sucedeu em 2005.

Em 2009, quando apresentava a tese de doutoramento em Saúde Pública e Ambiente, a bloquista conquistaria também o passaporte para Estrasburgo e Bruxelas, tornando-se eurodeputada, que ainda mantém. Nesse ano, Ana Gomes revalidaria a sua posição na Europa e candidatava-se também à Câmara Municipal de Sintra, perdendo para Fernando Seara.

Fora de Portugal, mas a partir do centro do continente, Ana Gomes e Marisa Matias trabalharam de forma estreita em matérias económicas e sociais, o que não foi interrompido em 2016. Nesse ano, Marisa Matias corria a Belém e conquistaria o melhor resultado que alguma mulher alguma vez tinha conseguido em Portugal, nas Presidenciais. Já Ana Gomes tinha demonstrado o seu apoio ao candidato socialista António da Nóvoa, tendo as notícias avançado que foi uma das que sugeriu a candidatura de Maria de Belém, que acabou por também integrar a corrida a Belém nas presidenciais desse ano.

No ano seguinte, em janeiro de 2017, Gomes e Matias sentavam-se lado a lado, no Parlamento Europeu, para promover e escutar uma audição com o ativista angolano Luaty Beirão, que denunciou “um problema gritante em relação aos direitos humanos naquele país”.

[Fotografia: Nuno Pinto Fernandes / Global Imagens]

Em 2019, Ana Gomes deixaria de ser eurodeputada por querer exercer cidadania ma sociedade civil. Desde aí tem sido voz ativa em matérias como a do processo Rui Pinto, que divulgou documentos no âmbito do Football Leaks e Luanda Leaks e tem denunciado casos de corrupção.

Quem está na corrida até agora?

No que diz respeito às presidenciais de 2021, Marcelo Rebelo de Sousa diz que “só lá para novembro” vai dizer se se recandidata. Para já, Ana Gomes, mesmo sem apoio formal dos socialistas, e Marisa Matias, pelo BE, estão na corrida com, pelo menos, mais quatro pré-candidatura.

André Ventura, líder do partido Chega e deputado único, foi o primeiro a posicionar-se na corrida, ainda em fevereiro. Mais recentemente, Vitorino Silva, conhecido por Tino de Rans e tendo participado no Big Brother Famosos, da TVI, confirmou ao Observador quer seria candidato.

Também Orlando Cruz, ex-militante do CDS, poderá apresentar a sua candidatura este fim de semana. É também esperado que o PCP defina, este fim de semana, um candidato a Belém após reunião do Comité Central.

Recorde-se que as candidaturas que só serão formalizadas quando os proponentes entregarem a documentação e um mínimo de 7500 e máximo de 15 mil assinaturas de eleitores apoiantes e até 30 dias antes do sufrágio, previsto para janeiro do próximo ano. O Tribunal Constitucional deverá depois verificar a validade dessas mesmas assinaturas e, uma vez cumpridos os requisitos, serão formalizadas as candidaturas.