Depois de pisar o palco do Teatro Nacional D. Maria II, com ‘Judite’ (a peça saiu de cena no dia 27), a atriz Ana Guiomar prepara-se para voltar à próxima novela da SIC, com o nome ‘Golpe do Destino’, a estrear em setembro. Em tempo de despedida da peça de Rui Catalão com base num texto bíblico, a atriz de 27 anos falou da televisão, da publicidade, dos projetos e do trabalho que desenvolve na net, por via da conta de Instagram ‘Mãe, Já não Tenho Sopa’, onde publica receitas simples e rápidas – tem mais de 50 mil seguidores.
Vai sair em digressão com a peça de teatro ‘Judite’?
A peça pode sair da cidade e posso ser substituída.
Porquê?
Por questões de trabalho e de outros compromissos. Porque as tournées são muito espaçadas, depois há que ir a festivais uma semana ou duas em Espanha e para mim, depois, com novelas, pode não ser possível. O texto é um pouco dramático, muito bonito, mas a encenação não é nada naturalista. A expressividade até é pouca para aquilo que estou habituada a fazer. É muito diferente.
Como assim?
Estou habituada a fazer papéis em que a expressão é sempre acompanhada pelos gestos ou por um pensamento e ali é tudo muito mais direito, mais ‘blasé’ ou ambíguo. O texto é muito clássico e o encenador tentou dirigir-nos como se estivéssemos num tabuleiro de xadrez. Não há espaços para gestos muito largos. É um trabalho mesmo diferente, mais contido.
“Foi um bocadinho difícil ambientar-me [ao texto da peça ‘Judite’] porque ainda não percebi se é uma linha que quero seguir ou não. Estou aqui um bocadinho nesta batalha interior”, afirma Ana Guiomar.
E nesta peça, qual foi o maior desafio para si?
Gostei muito do texto logo na primeira vez que o li, o que me fez querer fazer a peça. Depois, o encenador chegou e começou a desconstruir o texto com a história das linhas do xadrez. Foi um bocadinho difícil ambientar-me porque ainda não percebi se é uma linha que quero seguir ou não. Estou um bocadinho nesta batalha interior. Mas o que é muito giro. Todos os dias em que estamos em cena temos um exército em palco, que são crianças de escola a partir dos 12 anos. Então, é sempre diferente e acontecem coisas mesmo muito giras.
Como por exemplo?
No outro dia, durante a peça – e o encenador pode sempre interromper e parar quando quiser – estava um menino e uma menina em palco. A miúda tinha de dizer ao rapaz: ‘Olho para ti e encanto-me’. Mas ela dizia: ‘Olho para ti e apaixono-me’. O encenador tentava corrigir. Então a rapariga olhou para o público, para o rapaz e pensou que era melhor não mentir e disse: ‘Sim, eu amo-o!’ (risos) Uma confissão, portanto. Imagina agora os colegas da escola a ouvirem aquilo? Foi muito engraçado.
E elas sabem que a Ana Guiomar era dos ‘Morangos com Açúcar’ (TVI)?
Não se lembram, mas sabem que eu sou porque a novela está a repetir. Então, ficam assim nervosos.
E a Ana?
Eu não fico nervosa. E não é estranho para mim, acho até engraçado ouvi-los falar de uma coisa que aconteceu quando eles ainda não eram nascidos.
As pessoas estão habituadas a vê-la em registos mais leves, mais humorados, em novelas. O Teatro é outro tipo de forma de apanhar a representação?
Não penso muito bem assim. As pessoas dizem que fazem muitas vezes televisão e que fazem teatro depois para compensar. Mas eu pergunto: ‘Compensar o quê?’ Não sei. Acho que são trabalhos tão diferentes e distintos entre si…
O que a faz a si andar entre estes dois registos?
Gosto muito de fazer teatro e gosto muito de fazer novelas. São coisas diferentes, os textos são diferentes, os tempos em que se trabalha são diferentes. Portanto, não há mesmo nada para compensar.
Acaba por ter papéis televisivos sempre bem-humorados, sente que tem uma imagem esterotipada em televisão?
Isso acontece sempre. A última personagem que fiz até era bastante natural, não era nada cómica, acho é que é mais a energia e a própria maneira como eu giro as redes sociais que leva para isso. Nunca fiz um papel de comédia.
Mas também nunca foram dramáticos.
Mas esses papéis começam a fazer-se aos 40 anos.
Não há dramas aos 15?
Nas nossas novelas não há muitos.
Porquê? É uma questão de textos?
Sim, acho que sim. A vilã mais nova que me lembro é talvez a Joana Santos, na novela ‘Laços de Sangue’ (SIC).
Vai agora voltar às novelas, na próxima da SIC?
Sim, tenho essa ideia.
Já sabe o que vai fazer?
Nada. Eles estão muito preocupados com a novela nova de março [‘Rainha das Flores’’, estreia em maio, na SIC].
“Tive mais problemas em levar o cão para a publicidade do que o Diogo”
A Ana e o Diogo [Valsassina] protagonizam uma publicidade que se alicerça bastante na vida real. Como é mostrar esse lado da vida pessoal?
Foi muito real. Foi uma coisa que gostei muito de fazer. É a vida real, de facto. É a nossa relação, é o nosso cão, há quem pense que é a nossa casa, mas não é. Mas não faz impressão, se fizesse não teríamos aceitado.
Por vezes há outros valores e a publicidade é geralmente bem paga.
Não me vendo por isso. Por exemplo, nunca fui a muitos eventos com o Diogo, nunca fiz entrevistas com o Diogo, nunca acedi às viagens que me ofereceram a mim e ao Diogo. Portanto, acho que tenho todo o direito de fazer isto porque fiz um caminho para aqui chegar.
Mas acaba por mostrar a relação nas redes sociais.
Não, na semana publiquei uma foto nossa de férias, mas devo ter posto, ao todo, três imagens nossas. Nos comentários até diziam: ‘Finalmente, uma foto com o Diogo.’ Nós não fazemos esse culto do casal… tive mais problemas em levar o cão para a publicidade do que o Diogo. (sorriso). Eu e o Diogo temos uma relação supernatural e falamos… mas há casais que, desde que namoram, vão para todo o lado juntos. O que faria eu, por exemplo, com o Diogo na ModaLisboa? Era só ridículo… (risos)
Mas então, ter posto fotos agora tem alguma coisa a ver a publicidade que está no ar? É que cada vez mais as fronteiras entre os dois mundos estão mais esbatidas e alicerçadas.
Não. São coisas ao acaso. Se aquilo fosse para a publicidade tinha acrescentado os hastags (#).
Para lá da novela, que outros projetos estão por aí?
Espero que este ano ainda regresse ao teatro, talvez ao Aberto. E continuar o meu Instagram das comidas.
Está a falar do ‘Mãe, Já Não Tenho Sopa!’. Até onde espera levar essa conta?
Agora, espero levá-la comigo de férias (risos). Não sei, divirto-me imenso com aquilo.
Pode vir a desenvolver este projeto?
Para já é só isso. Quem sabe se vem aí uma multinacional que me queira comprar isto. Vendo já (risos). Mas depois tenho de criar outro, porque adoro fazer aquilo. Agora é fácil, mas quando começar a gravar é capaz de ser mais complicado. Não sei, só se um dia me der na cabeça e abrir um espaço com aquelas receitas. Adorava, mas agora não tenho tempo para isso.
Vem de uma geração de atores, a dos ‘Morangos’, em que elas e eles dominaram por uma imagem em que requisitos de beleza parecem ser definitivos para o talento, imprimindo essa mesma ideia junto do auditório. Mas a televisão aceita que para haver talento os atores não têm de ser modelos?
Não concordo nada. Acho que os ‘Morangos’ tinham todo o tipo de adolescentes, todo o tipo de roupa e todo o tipo de corpos. Havia três personagens que eram as Pop Stars e, se calhar, está a dizer isso porque entravam muito e aquilo não era de todo o que era certo. Nós fazíamos até um pouco de escárnio e gozo. De resto, claro que as protagonistas têm de ser bonitas para vender sonhos – a Cláudia [Vieira] e a Rita [Pereira] já eram modelos, a Diana [Chaves] já era desportista, que sorte, e portanto não entram nisso -, mas não acho nada que os ‘Morangos’ tenham contribuído para essa ideia. Seja para o masculino, seja para o feminino. Na altura dessa novela as únicas pessoas que iam fazer castings eram as que estavam inscritas em agências e essas empresas, sim, só aceitavam pessoas magras. Os responsáveis iam para a rua fazer castings? Não. Agora é diferente. Na altura, havia muito menos oferta, o mercado era mais controlado.
Pois, mas a beleza facilita a que se continue em televisão ou isso pode estar a mudar?
As pessoas que não continuaram são quem? A beleza que elas têm e o brilho são muito importantes. E depois há pessoas que não tinham talento nenhum e não prosseguiram e não tenho problema nenhum em dizer isso.
É mais difícil ficar pelo caminho quando se corresponde aos padrões de beleza?
Há muitas pessoas bonitas que ficaram pelo caminho. Claro que a imagem em televisão é muito importante, ser-se magra é importante, mas tudo depende.
Mas como atriz, acha que a televisão pode estar hoje mais diversificada, em relação ao sexo feminino, do que era na altura dos ‘Morangos’?
Acho que a televisão era mais diversa na altura dos ‘Morangos’. Senão a novela, ao repetir, não tinha outra vez uma nova geração a acompanhar. Aquilo pode durar 20, 30 anos porque vestíamos calças de ganga, sweat-shirts. Depois, havia o ‘I Love It’ (TVI), que era completamente estereotipado e os miúdos não ligaram nenhuma. Na série em que eu entrei não concordo nada que isso tenha acontecido, a verdade é que eu e todos os meus colegas estamos ainda hoje o trabalhar. Talvez as séries posteriores tenham sido diferentes.
“Eu nunca tive [o estigma das novelas]. E se ouvir alguém dizer que só faz novela por dinheiro, sou a primeira a dizer: ‘então, vai-te embora já’. Acho que é uma falta de respeito”
Como atriz, para onde gostava que caminhasse a ficção em Portugal?
Gostava que fizessem mais séries, a par das novelas, e acho que esse espaço existe. A RTP tem preparadas várias e isso é ótimo. A nós, atores, também nos sabe bem fazermos trabalhos de curto prazo. Mas eu estou muito satisfeita com a novela em Portugal, a parceria da Globo com a SP. A produtora portuguesa já era muito boa e quando fui para lá, adorei. As novelas portuguesas estão no bom caminho. Há bons textos, autores a escreverem muito bem como o Pedro Lopes, a Inês Gomes. A série ‘Conta-me Como Foi’ (RTP1) estava muito bem escrita. As histórias acompanharam os tempos.
Ainda há estigma dos atores no que diz respeito a fazer novelas?
Eu nunca tive. E se ouvir alguém dizer que só faz novela por dinheiro, sou a primeira a dizer: ‘então, vai-te embora já’. Acho que é uma falta de respeito. Tem de se fazer novela porque se gosta, porque, óbvio, que dá mais dinheiro do que teatro, não se pode fazer de forma que seja um trabalho menor, horrível. Não gosto das pessoas assim, seja em que profissão for. O ritmo é puxado, mas depois temos outras compensações. Eu nunca gravei todos os dias de uma semana.
E, no seu caso, o que está por fazer de diferente em novelas?
Quando aceito os personagens, tenho de gostar deles. Não aceito fazer novelas sem saber o que vou fazer. Em televisão, sei lá o que gostava de fazer. Deixa ver o que aí vem…
E no futuro, vê-se, por exemplo, atrás das câmaras?
Gosto muito de ser isto, ser atriz, não me vejo a fazer outras coisas.
Ana Guiomar (Foto: Reinaldo Rodrigues/Global Imagens)
“Acabar a escola foi um inferno porque gravava, ia para as aulas e depois voltava a gravar. Foi terrível e o meu pai e a minha mãe tinham toda a razão”
E como foi ter feito a sua adolescência e o início da idade adulta debaixo dos holofotes dos media. O que ficou por viver à conta disso?
Foi ótimo, adorei. Não trocava por nada.
Foi fácil andar e acabar a escola enquanto gravava?
Acabar a escola foi um inferno porque gravava, ia para as aulas e depois voltava a gravar. Foi terrível e o meu pai e a minha mãe tinham toda a razão. Porque quando entrei era só para fazer uma série de verão e acabei por ir ficando. Mas foi uma fase ótima, o elenco era muito giro as memórias são muito boas.
Como adolescente, o que ficou por fazer ao nível das experiências pessoais à conta de ser conhecida?
Podia ter ficado só onde vivia [Torres Vedras] e ter feito muito menos coisas do que as que fiz. Talvez tivesse feito uma viagem de finalista a Lloret del Mar, o que seria uma chatice. Olha, acho que fui muito mais feliz. Vim à Berskha muito mais cedo do que as minhas amigas (risos). De resto, fiz tudo. Continuei a ir à escola. Continuei a ter os mesmos amigos – nunca fui de ter muitos. Mantenho hoje o contacto com as minhas amigas, não jantamos, mas falamos muitas vezes. Como comecei a trabalhar aos 14 anos, os amigos que fiz foram nos ‘Morangos’ e gostei muito. Aliás, adorava ter uma máquina do tempo e ir lá, éramos inocentes, não havia compromissos com nada, nem nos lembrávamos que ganhávamos dinheiro. Aquilo para nós era tempo livre.
Dizia que a escola foi um inferno. Porquê?
Não foi fácil. Claro que podia ter tirado melhores notas, mas nunca chumbei.
Qual era a atitude dos professores: facilitavam, nem por isso?
Não. Tive de mudar para uma escola pública. O Estado deixava-me ter recibos verdes e estar a estudar, sendo eu menor. Sim, o Estado permitia isso. Foi muito bom. (risos)
Se fosse mãe e o seu filho ou filha dissesse que queria fazer um percurso semelhante ao seu, o que faria, o que lhe diria?
Apoiava-o. Dantes havia aquela ideia de que ‘ah, vai para ator, nunca há trabalho’. Acho que isso está mais presente no meio rural e, mesmo no meu meio familiar, ainda chegam com esta conversa. Se for mãe, gostava que os meus filhos fossem outra coisa, que ganhassem muito dinheiro para que pudesse ter uma reforma para viajar (risos).
“Não sei [qual o segredo da duração da nossa relação]. Há dias melhores, há dias piores, mas o facto de crescermos juntos também ajudou”
Geração com o comportamento vigiado até a nível de relacionamentos. Qual é o segredo para a durabilidade da sua relação com o Diogo?
Não sei (risos). Há dias melhores, há dias piores, mas o facto de crescermos juntos também ajudou. Ainda não éramos adultos, fomo-nos formando, estando lado a lado. Acho que um dia, se me separar do Diogo – espero que não -, sei que seremos amigos. É claro que não somos mais amigos do que namorados, isso não pode acontecer e acho ridículo. Agora, enquanto eu gostar de estar com ele num sítio qualquer, é porque estamos bem.
A vigilância aproximou-vos?
Ele é mais discreto do que eu, eu vou mais a coisas, tenho mais amigos no meio. O Diogo ainda preserva os amigos do berço. (risos) É muito equilibrado nisso, tem uma vida familiar muito estável, muito certo. É tudo muito certo. Acho que a nossa relação resulta bem.