Será que a startup de Ana Lima vai ser a melhor do mundo?

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Ana Lima tem 37 anos, é natural do Porto e arquiteta de formação. Em 2017 fundou a Matter, uma das cinco startups que disputa, esta quinta-feira, 25 de janeiro, a final portuguesa da Chivas Venture, um concurso internacional, promovido pela marca de whiskey Chivas Regal, para apoiar novos empreendedores.

Quem for escolhido hoje irá representar Portugal na competição internacional e habilita-se a um prémio no valor de 1 milhão de dólares, para a melhor startup do mundo com um impacto positivo sobre a Sociedade e o Ambiente. O incentivo é mais do que bem-vindo para quem está a começar num mundo do empreendedorismo, que tem tantas rosas, como espinhos. Como explica Ana Lima, em entrevista ao Delas.pt, ao contrário do que se possa pensar, não é fácil lançar e manter a funcionar uma startup. É preciso mais do que boas ideias.

Convencer os investidores e os potenciais clientes da virtude de um produto novo é um desafio e persistência a palavra de ordem para quem arrisca tudo o que tem para dar. A Matter, que utiliza resíduos e sobras de produção de café, cerveja, vinho ou cacau em produtos de arquitetura e design, está só no começo, mas tem gerado interesse dentro e fora de portas. Ana Lima explica como funciona este negócio que tem tanto de inovador como de sustentável.
Quando é que criou a Matter?
Criar como empresa foi só no final do ano passado. Mas como ideia vem desde 2012, 2013.

E como é que surgiu a ideia de trabalhar resíduos?
Eu sempre fui uma apaixonada por materiais e um amigo mostrou-me os resíduos da produção de azeite e perguntei o que é que faziam com eles. Ele disse que não faziam nada e eu pedi-lhe umas amostras e comecei a tentar, muito empiricamente, criar materiais com aqueles resíduos, que, no fundo, eram o caroço de azeitona. Só que depois pensei que isso tinha de ser bem estudado e então comecei a fazer un doutoramento, em 2013. Passei o primeiro ano a tentar criar um ligante natural. E depois também vi a dimensão do mercado e a pertinência do tema – na altura ainda não se falava sobre economia circular – e a partir daí tem sido um longo percurso, cheio de altos e baixos, mas acho que finalmente a ‘Matter’ está mesmo a arrancar.

Não é nada, nada fácil ser-se empreendedor e às vezes passa-se a mensagem de que é. E não é, de todo. Para arranjar investimento, ninguém investe assim em boas ideias.

Como é que passou da ideia para a materialização do conceito e a criação da empresa?
O processo todo de investigação é que foi muito demorado. E nós achamos sempre que está quase e depois nunca está e encontram-se muitos desafios pelo caminho. Eles vão aparecendo e vão-se combatendo e não estou nada arrependida.

Que desafios é que foi encontrando?
Mesmo o encontrar de um ligante natural para agregar as partículas foi um desafio. Depois houve desafios a nível monetário, de financiamento do próprio projeto, concursos não ganhos, trabalho investido. Muitas coisas, um percurso nada linear, mas no final, sinceramente, acho que é muito gratificante.

Sempre se interessou pelo reaproveitamento das matérias-primas, da sustentabilidade ambiental?
Sim, sempre. E na altura, em 2013, achava que havia uma lacuna grande no mercado de materiais sustentáveis e com texturas diferentes e naturais. A grande vantagem ou a grande diferença da Matter é que pega nestes materiais naturais e agrega-os quase de uma maneira impercetível. Ou seja, devolve um bocadinho a natureza ao cliente final. Agora já há muito, já há construção em terra, já se vão buscar outros materiais muito interessantes mas na altura havia a cortiça, que é um material super interessante mas era só.

Porto, 24/01/2018 – Ana Lima (fundadora da Startup Matter).
(Amin Chaar / Global Imagens)

Mas como é que estas matérias naturais ganham vida nos projetos de arquitetura e design?
Primeiro a cor, o odor e a textura são naturais. O material de chocolate, por exemplo, cheira mesmo a chocolate [risos]. E é muito interessante até ver a reação das pessoas. Depois, há a ligação à indústria. Quem está a fazer uma cervejaria artesanal, por exemplo, o material ajuda a contar um bocadinho a história do espaço.

E dão origem a que novos produtos, concretamente?
Dão origem a revestimentos ou produtos de mobiliário, de design. No fundo, são matérias-primas que dão para outras finalidades. Estamos a falar de materiais resistentes que podem ser feitos para tetos, paredes, pavimentos, mas sempre a nível de revestimento, não são materiais estruturais. Mas, em vez de acabar com uma tinta ou com madeira podia acabar com uns painéis a cheirar a chocolate. Também podem ser feitas embalagens, por exemplo.

A Ana é a fundadora da Matter. Quantas pessoas trabalham na sua startup?
Sou a única sócia fundadora, mas tenho uma equipa grande de pessoas que me estão a ajudar. Nós somos três mas depois temos todos os parceiros industriais.

Mencionou que teve alguns desafios em relação ao financiamento. Que desafios foram esses?
Não é nada, nada fácil ser-se empreendedor e às vezes passa-se a mensagem de que é. E não é, de todo. Para arranjar investimento, ninguém investe assim em boas ideias. Acho que o percurso temos de o fazer sozinhos. Quando o investidor vem já se tem de estar noutro patamar. Há muito poucos projetos a vingar verdadeiramente e os apoios que temos não são assim tantos.

Ter as ideias materializadas e alguns clientes?
Sim.

Não sentiu que o facto de ser mulher poderia condicionar a forma como os investidores olhariam para a startup…
Não, isso não.

Tendo em conta a sua experiência, que conselho daria a uma pessoa que quer criar uma startup, o que é que tem de fazer, que passos dar?
Isso é muito, muito difícil. Não sei…É não desistir, não desistir. Se tiverem provas fortes de que devem avançar, não devem desistir, porque às vezes temos de estar mesmo contra tudo e contra todos.

O que significaria para si ganhar um prémio como o da Chivas?
Sem dúvida, seria um grande incentivo. O que também me ajudou a não desistir foram estes incentivos de ganhar um prémio com esta envergadura, tal como agora o facto de ter sido aprovada a nossa candidatura a um fundo ambiental para apoiar a transição para a economia circular. E com isso sentimos que realmente estamos no bom caminho e que somos valorizados e isso é um estimulo muito grande. Recentemente também recebemos um prémio, na categoria de cereiais, do Crédito Agrícola, e acabamos de vir da Suécia, de um programa intensivo com o Ikea e fomos a única startup portuguesa a ser selecionada e isso também foi muito importante.

Já têm clientes para o vosso negócio?
As amostras acabaram de seguir para a Chanel, em Tóquio, para uma apresentação de vinhos, e os materiais vão ser apresentados pela primeira vez, na Feira de Mobiliário e Iluminação, em Estocolmo. Mas não estamos em produção, ainda. Estamos quase, quase.