Ana Luís: “Tenho sido sempre a mais nova de qualquer coisa”

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Acabada de completar 42 anos, a açoriana Ana Luís é a nova presidente das Assembleias Legislativas Regionais Europeias (CALRE). Dias depois de a atual responsável máxima da Assembleia dos Açores ter tomado posse – e após primeiras declarações ao Delas.pt – a socialista volta a falar para explicar, em detalhe, o que quer e o que espera fazer naquele novo cargo, com um mandato de um ano.

O problema da Catalunha, mas também a forma como os parlamentos locais se vão fazer ouvir junto do poder central europeu são alguns dos temas abordados, a par da igualdade de género e da migração. Missões que quer abraçar à frente de um organismo que congrega 76 assembleias regionais, de oito estados-membros, e das quais 24 são, atualmente, presididas por mulheres.

[Fotografia: DR]

No que diz respeito às questões de género, Ana Luís entende que “muito falta ainda conquistar”, para que todos (homens e mulheres) “sejam tratados como iguais”, com as mesmas oportunidades e avaliados pela sua “competência” e não pelo seu “género”, disse na tomada de posse, bem como nas declarações que concedeu ao Delas.pt. O que fazer e como fazer?

Nos aqui, no nosso parlamento açoriano, tivemos uma assembleia de crianças e um parlamento dos jovens, nacional, na qual participámos. Quer o ensino Básico, quer o Secundário irão debruçar-se sobre a igualdade de género. Claramente mostra que não chegámos ainda ao patamar que queríamos, à igualdade de acesso no local de trabalho, aos lugares cimeiros nas organizações. O que se pode fazer? Apostar na educação, acima de tudo. Educação ministrada pelas escolas, entidades, mas também falo da parental, aquela em que são os pais que a levam até aos seus filhos e ajudam a formar cidadãos. Grande parte do problema reside em estereótipos culturais e históricos que têm lugar na nossa sociedade.

Tais como?

Para algumas mulheres e jovens esta já não é uma questão. Muitas vezes, quando falo com jovens mais novas do que eu, sinto que não percebem o porquê de falarmos nisto. A vida, como ela está e durante um certo período de crescimento dos jovens, poderá querer indicar que não há desigualdade. A questão é que ela se faz sentir em pontos muito mais complexos e a desigualdade está lá. Muitas mulheres têm ainda problemas de culpabilização, o que as impede ir mais longe na profissão, porque pensam que estão, por exemplo, a ser más mães. Num país que tem mais de 40 anos de democracia, não podemos esquecer que os nossos avós e pais ainda pensam de uma certa forma. Há de levar o seu tempo, mas estou empenhada, até pelas funções que exerço, que possa dar um contributo, por modesto que seja, para que algo possa mudar nesse sentido.

“Muitas mulheres têm ainda problemas de culpabilização, o que as impede ir mais longe na profissão, porque pensam que estão, por exemplo, a ser más mães”

E no âmbito da CALRE, o que pode ser feito nesta matéria?

Há seis anos que estou na CALRE e sei que o número de presidentes de Assembleias Legislativas Regionais femininas cresceu, muito devido às regiões espanholas, que até têm mais mulheres do que homens. Sobre as matérias em concreto, a questão da violência, a questão da igualdade de género não podem apenas ser vistas na perspetiva de área e influência. Sabemos que há países em que as mulheres não têm direitos só porque são mulheres. Temos de divulgar e criar lobby para que estas situações desapareçam.

Como? Creio que a CALRE tem um grupo de trabalho em matéria de igualdade.

O grupo de trabalho tem-se dedicado, mesmo em áreas mais extremas, a questões como a violência doméstica, a desigualdade salarial. Depois, há o debate interno que tem de ser feito: as quotas, mesmo sendo a CALRE um órgão meramente deliberativo. As quotas e a lei da paridade são um mal necessário que foi preciso existir para que as mulheres entrassem na vida política, mas as mesmas não deixam de estar associadas à questão de se a mulher está num determinado cargo apenas porque é mulher. E não é, nem pode ser isso. Elas têm de ser tratadas com iguais direitos e oportunidades. Em Portugal, tem havido um progresso excecional na lei da parentalidade que é reconhecido por organizações internacionais, e este é o caminho correto para que não haja desigualdade.

Mesmo quando existe, como referiu Marisa Matias, ao Delas.pt , iniciativas como a de voltar a pôr as mulheres em casa, na Hungria, ou “ ataques sucessivos aos direitos laborais e sexuais e reprodutivos das mulheres, que obrigou à greve geral da há um ano”, na Polónia. Ou mesmo aqui ao lado, em Espanha, quando se tentou, sem sucesso, “voltar a criminalizar o aborto?

É sempre difícil de conciliar posições quando temos uma conferência que congrega 78 parlamentos regionais de oito países, com poderes bastante distintos entre si. É um desafio para a CALRE. É isso que me proponho fazer este ano: um maior conhecimento das regiões, dos problemas com que se deparam. Repare, a questão dos refugiados tem um impacto tremendo nas regiões italianas, mas noutras nem sequer se coloca. É preciso conciliar todas estas diferenças. Um dos meus objetivos passa por fazer com que as regiões que integram a CALRE se revejam num organismo que lhes dá voz, para sermos mais fortes e termos uma posição mais preponderante no todo europeu.

“É sempre difícil de conciliar posições [mesmo as que dizem respeito às questões da desigualdade de género] quando temos uma conferência que congrega 78 parlamentos regionais de oito países, com poderes bastante distintos entre si”

Numa altura de intenções de secessão das regiões [como é o caso da Catalunha, mas também a luta pela maior autonomia em Itália, por parte da Lombardia e Veneto, em novembro de 2017], como conciliar estes ímpetos com a necessidade de convergência europeia?

Não é fácil (risos). O anterior presidente era espanhol, era da Andaluzia. A questão da Catalunha é difícil.

Como resolver?

Tem que haver respeito. Representamos regiões, pessoas, partidos e a verdade é que, acima de tudo, é preciso um grande respeito para com a forma como os assuntos são colocados. É preciso respeitar as norma internacionais, europeias e constitucionais de cada estado membro e temos de poder ouvir os nossos pares. Agora, a CALRE assume desde o início que é uma conferência de Assembleias Legislativas Regionais.

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Mas qual a posição da CALRE sobre a Catalunha?

Não tomou no passado e para já não prevê tomar uma posição sobre esta matéria. Neste momento, já tomou posse o Parlamento e teremos de aguardar serenamente e ver como a situação se vai desenvolver.

E o que disse a Catalunha à CALRE nesta matéria?

Não tomou, para já, nenhuma posição porque acredito que esteja à espera que haja desenvolvimentos. Para todos os efeitos, a Catalunha é ainda uma região do estado espanhol. A mim não me foi chegada nenhuma posição, e ao anterior presidente também não. Nem formal, nem política da sua situação.

No que diz respeito à Catalunha, que contactos tem mantido com Inès Arrimadas e Carles Puidgemont?

Não. Com Puidgemont não, nem faria muito sentido. Somos parlamentos e ele representava um governo. É um trabalho diferente.

O que antecipa?

Devemos aguardar serenamente o desenvolvimento desta situação. Não perder o foco neste trabalho e, como disse, respeitar e perceber que, neste caso concreto, a CALRE tem um papel muito importante na divulgação das regiões, da suas gentes e tem uma voz cada vez mais forte na Europa e junto das instituições europeias.

“Para todos os efeitos, a Catalunha é ainda uma região do estado espanhol”

O que significa ser mulher e estar a dirigir o CALRE nesta altura e nestas circunstâncias?

É sempre diferente se tivesse sucedido a uma mulher ou a um homem. As pessoas são diferentes, colocam sempre o seu próprio cunho, a sua personalidade, o seu olhar na forma como desempenham as suas funções. Neste sentido, gosto de assumir esta igualdade. Não é uma questão de ser melhor, apenas defendemos a diferença. Agora, até pelas áreas de intervenção que quis fazer sobressair para este meu mandato, talvez por ser mulher haja uma maior sensibilidade. Da minha parte, quero poder imprimir uma forma diferente de criar consensos, unanimidades que, muitas vezes, no seio de um organismo tão heterogéneo como o nosso são difíceis de alcançar. Creio que depois a questão da sensibilidade e da diversidade de projetos abraçados em simultâneo podem ser boas ferramentas.

O que representa para si, para a sua carreira o exercício deste cargo?

Será um marco muito importante, foi um reconhecimento que muito me orgulhou, não estava sinceramente nos meus planos, até porque tinha, este ano, uma série de eventos já assumidos, e bastante interessantes, no âmbito do parlamento açoriano. Não estava, sinceramente, nos meus planos mais imediatos assumir a presidência da CALRE, por isso não deixa de ser um desafio mais interessante. Em 2012, quando decidi candidatar-me pela ilha onde nasci [Faial] e vivo, não pensava ser presidente desta assembleia regional. Agora, só tenho de dar o melhor de mim e trabalhar muito – que é o que tenho feito – e cumprir com as expetativas que os outros depositaram em mim.

Creio que é das mais novas responsáveis a assumir a presidência da CALRE.

Tenho sido sempre a mais nova de qualquer coisa. Serei dos presidentes mais jovens.

E como encara isso?

A juventude é, muitas vezes, associada à falta de sabedoria, conhecimento e experiência. Pessoalmente, gosto de ver a juventude como a capacidade para assumir riscos. Mas, ter 42 anos não me faz ser propriamente tão jovem (sorriso). Ver, isso sim, jovens com futuros políticos promissores que farão da região, país, Europa um sítio muito melhor para se viver no futuro, é muito motivante.

“Creio que [por ser mulher] a questão da sensibilidade e da diversidade de projetos abraçados em simultâneo podem ser boas ferramentas”

Que conselhos lhes deixa?

Se também souberem ser humildes para ouvirem os mais velhos, confio plenamente na juventude, podem construir-se coisas muito interessantes. Uma outra experiência e outra forma de ver a vida são essenciais para cumprir outros objetivos. Com a idade que tenho, e conciliando com a experiência dos mais velhos, acredito que a predisposição para assumir riscos, a par de alguma irreverência, são condimentos importantes para o exercício de funções.

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O que representa esta presidência das Assembleias Legislativas Regionais para os Açores?

É um grande desafio, muito interessante para os Açores no sentido em que, sendo uma região pequena, ultra periférica e distante da maior parte dos centros de decisão europeus, fica no centro com esta presidência. Por isso, naturalmente que conto, com este mandato, fazer a defesa intransigente das regiões europeias, mas também para os Açores. Para nós, são muito importantes as questões da ultra periferia e insularidade e também as que se prendem com a forma como quereremos ser ouvidos.

Mas que matérias quer defender em concreto?

Questões ao nível da produção legislativa, que diferem entre as mais de 70 assembleias. Há depois outros temas centrais como as alterações climáticas, os desastres naturais e igualdade de oportunidades, dentro das quais focaremos a nossa atenção para a igualdade de género.

Em matéria de ultra periferia e insularidade, quais as maiores necessidades dos Açores que podem agora ser reivindicas por si?

Não falaria de necessidades, mas antes dar a conhecer as particularidades dos Açores. Falamos de uma região autónoma, com nove ilhas muito distantes entre si e de Portugal continental e isto traz uma exigência muito grande em termos da gestão autónoma. Investir em estruturas básicas de apoio às nove ilhas, apostar nas condições de vida para todos os cidadãos são matérias que têm de ser vistas pelas autoridades nacionais e europeias e têm de ser acarinhadas e consideradas quando se tomam decisões ao nível europeu. O grande desafio que se coloca às regiões, no fundo, é que, sendo elas os órgãos de gestão mais próximos – em matéria de poderes legislativos – das pessoas, são quem melhor conhece as necessidades da população. Logo, entendemos que faz todo o sentido que a nossa voz seja audível e plena no espaço europeu.

Ser jovem: “Acredito que a predisposição para assumir riscos, a par de alguma irreverência, são condimentos importantes para o exercício de funções”

Creio que os Açores tem um dos parlamentos regionais mais distantes – se não o mais distante – do epicentro das decisões europeias. Como se pode fazer ouvir?

Em termos concretos de distância, não sei se seremos o que estamos mais longe, mas penso que sim. No entanto, o facto de vivermos em ilhas, temos todas as condicionantes. Ao nível de CALRE, o que +podemos fazer é marcar encontros, com congéneres europeias, pedir audiências com os membros do Parlamento Europeu e Comissão Europeia, para que as nossas solicitações possam ser atendidas. Todos os anos, fazemos uma reunião plenária – que adapta o nome da região onde foi assinada e subscrita – da qual sai uma declaração anual. Nela estão todas as áreas em que gostaríamos de intervir, de fazer ouvir e de aprofundar. Esse lobby é feito todos os dias, com os contactos que podemos estabelecer, nos eventos em que podemos participar. Gostaria que a própria CALRE criasse um espaço de debate interno – uma iniciativa que gostava de pôr em marcha no meu mandato – por forma a encontrar soluções que nos levem a conhecermo-nos melhor.

O que espera que conste na Declaração dos Açores 2018?

Espero que seja uma declaração que continue a reivindicar, mas que constate os objetivos alcançados e desafios ultrapassados.

Ter Mário Centeno como presidente do Eurogrupo pode trazer vantagens para a sua presidência? De que forma e em que medida?

Organizacionalmente, são estruturas que não se cruzam. Representamos regiões e não o Estado. É importante porque é um português e porque, efetivamente, é uma forma de influenciar, na sua área de intervenção, as políticas para Portugal, possibilitando que o país possa ter um crescimento sustentável. Nesse sentido, todos somos poucos para trabalhar em prol do nosso país.

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