Ana Moura: a chef que está a cozinhar bacalhau como ninguém

Não há quem coma tanto bacalhau salgado no mundo quanto os portugueses (70 mil toneladas por ano, segundo dados do Conselho Norueguês da Pesca), mas será que todos o sabem cozinhar na perfeição?

Para Susana Almeida e Sousa, responsável pelo novo restaurante Bacalhoaria Moderna que tem a chef Ana Moura ao “leme”, ainda há muito a aprender sobre este peixe de águas frias. “Nós, os portugueses, achamo-nos todos grandes especialistas em bacalhau. Mas a verdade é que nem todos o sabem cozinhar“, começa por contar ao Delas.pt a proprietária do espaço, que abriu na Rua São Sebastião da Pedreira, em Lisboa, no início de fevereiro.

Arquiteta de profissão, Susana Almeida e Sousa já tinha gerido alguns projetos no mundo da restauração, mas este é o seu primeiro restaurante dedicado a monoproduto que tanto se associa à cozinha portuguesa. “Somos quem mais consome bacalhau salgado no mundo. Faz parte da nossa história, de saber como preservar o peixe e da época dos Descobrimentos”, nota.

Foi este amor nacional pelo peixe de águas frias que a levou a abrir a Bacalhoaria Moderna, um restaurante com menu curto e claro, onde oito pratos são dedicados ao bacalhau, que chega da Islândia (“onde a sua textura mais firme”) e já previamente demolhado para garantir a consistência, refeição após refeição. Sendo Susana arquiteta, o projeto ficou à sua responsabilidade, bem como a decoração de interiores, onde se destacam as cores de azul e branco e as peças da Bordallo Pinheiro que imitam bacalhau seco nas paredes.

Já a mestria de revolucionar este produto foi entregue à jovem Ana Moura, 34 anos, uma das poucas mulheres a trabalhar alta cozinha em Portugal. Susana conheceu-a durante um jantar na Cave 23, restaurante onde a chef praticava uma cozinha mais voltada para o fine dining, chegando na altura a ser referida como uma forte candidata a uma estrela Michelin. Na Bacalhoaria, Ana manteve o mesmo cuidado com os ingredientes, bem como a criatividade na sua preparação e apresentação, mas mantendo um espírito descontraído.

Esteve envolvida no projeto muito antes de o restaurante abrir, tendo carta-branca para criar os pratos de raiz. “No início achei difícil trabalhar um monoproduto, especialmente porque não sabia por onde começar, se fazia mais ou menos tradicional como podia dividir esses dois aspetos”, conta ao Delas.pt, já depois do almoço em que preparou seis pratos de bacalhau da carta. “Comecei a perceber que é um produto super-versátil e que dá para fazer muitas coisas com diferentes partes do bacalhau. Mudando-lhe a temperatura, os diferentes pontos de cozedura faz com que tenha sabores completamente diferentes”.

Duas das sobremesas da Bacalhoaria Moderna: à esq, a tarte de queijo com base de toffee e nozes caramelizadas; à dta., uma mousse de chocolate e chocolate branco, pedaços de chocolate e kumquat, um cítrino asiático.

Aqui, o bacalhau não se resume ao lombo, embora este seja a principal peça usada pelo restaurante, como no arroz de bacalhau e no bacalhau de grão, broa e puré da mesma leguminosa. “Ao ser um peixe grande, varia muito consoante a parte que se consome. A parte mais perto da cabeça tem mais gelatina, ao pé do rabo é mais seca, explica Ana. As línguas, cachaço e posta de asa branca são também outras partes do animal usadas em diferentes pratos, caso das viciantes línguas de bacalhau com um polme e pil-pil, a emulsão espanhola típica do país Basco, onde Ana viveu durante vários anos.

Apesar de ter começado carreira no Eleven, junto ao Parque Eduardo VII, Ana teve a sua grande evolução em terras espanholas, começando por Ampulia, seguida de Ávila, antes de terminar em San Sebastián, onde estagiou no Arzak com três estrelas Michelin. É por isso que, na carta da Bacalhoaria, não faltam inspirações espanholas, como o molho romesco que acompanha espargos brancos numa das entradas.

“O que uma pessoa cozinha acaba por ser um resumo dos sítios por onde passou”, explica, já durante o momento da sobremesa, em que chegam à mesa uma mousse com chocolate preto e branco, torta de laranja e uma tarte de queijo, também popular em Espanha. “Acho que a cozinha portuguesa e espanhola não são assim tão diferentes. Em São Sebastião, por exemplo, faz-se muito bacalhau salgado, já no resto de Espanha utilizam mais bacalhau mais fresco”, conclui a chef desta bacalhoaria, onde o bacalhau é mesmo para todos os gostos.

Menu executivo
A Bacalhoaria tem um menu executivo (inclui prato, couvert, sopa ou sobremesa, café e bebida), disponível de segunda a sexta, ao almoço, a 16,50 euros. Brevemente haverá menus de degustação.

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