Ana Rita Clara tem 37 anos, é apresentadora de televisão, está grávida de cinco meses mas tem outro bebé: o Change It, que acaba de fazer um ano e meio. O que é? Um movimento que pretende ajudar à mudança, a começar pela mudança interna e individual e que se organiza em torno de encontros temáticos. O último aconteceu no dia 29 de abril e a conversa foi andou à volta do mote ‘Aceita-me’. Porquê? “Eu acredito que as pessoas têm de ser um pouco abanadas. A intolerância que ainda acontece é uma coisa que me incomoda. Aproveito o Change It para partilhar os temas que me parecem ser a tendência do momento e neste momento sinto que temos de pôr em causa porque é que existe tanta intolerância em pleno séc. XXI. Como é que ainda se falam de questões como a igualdade entre os géneros,” diz Ana Rita Clara.
O que é o Change It?
O Change It é já um movimento de mudança social. Começou em novembro de 2014. Já celebrou o seu primeiro aniversário. São encontros criativos que instigam a mudança. Eu convido changers inspiradores, almas inquietas tal como eu, que sobretudo me inspiram, nos inspiram para conseguirmos partilhar estas vivências estas perspetivas de vida para levar, eventualmente, outros portugueses também transformar as suas realidades e ajudá-los nesse processo.
O tema do encontro de 29 de abril foi ‘Aceita-me’. A mudança que defende é em primeiro lugar individual?
Eu quis um tema algo provocador. Quando escolho os temas, gosto que eles consigam causar o impacto logo à partida. Independentemente de as pessoas se identificarem ou não. Vão pelo menos pensar um pouco sobre o que é que é isto de aceitarmos o outro. Falamos de desconstrução, falamos de fazer acontecer, falamos de empreender, falamos de ser livre para mudar, tantas questões e tantas formas de encarar a realidade e aquilo que é mudança, porque se por um lado a palavra mudança pode ser encarada, na atualidade, como algo já comum, quando falamos de um indivíduo e quando falamos de uma mudança profunda daquilo que é efetivamente acreditarmos em nós, aceitarmos o outro e transformarmos mesmo aquilo que temos nas nossas vidas o discurso é outro.
Este sistema que fala tem a ver com uma mudança interna. Quer mudar as pessoas?
Começa aí. Recuando um pouco quando tudo começou. Eu sentia necessidade com tudo o que ia fazendo na minha vida, como apresentadora diariamente, na SIC Mulher e na SIC e como atriz, de criar projetos que me colocassem perto das pessoas, que tocassem as pessoas, que me permitissem sair do estúdio e de certa forma também provar às pessoas que não é preciso existir estigmas em relação ao que é uma apresentadora de televisão.
Mas no programa que tem no ar, o ‘Faz sentido’ , não se desliga assim tanto da genuinidade das pessoas.
Não se desliga assim tanto e eu fui também criando fusão perfeita e este encontro entre aquilo que eu sou e aquilo que era o programa ‘Mais mulher’ e aquilo que é o ‘Faz sentido‘. Eu tenho também a sorte, e só posso agradecer essa disponibilidade, de estar num canal que acredita em mim, no meu talento e no meu trabalho; que me permite também ter a liberdade total não só para sugerir convidados mas também para conduzir entrevistas, portanto essa liberdade de comunicar dá-me também uma proximidade com as pessoas.
Contribuiu para o formato do ‘Faz sentido’?
A ideia inicial do programa, a estrutura foi-me apresentada e a partir daí eu coloquei tudo aquilo que é a minha vontade e a minha observação da realidade atual, porque é um programa que acompanha muitas tendências, muito empreendedorismo também. Eu quis muito que tivesse a voz forte das mulheres, que tivéssemos perfis de carreira, homens e mulheres, e que sobretudo as minhas entrevistas e estes meus momentos de conversa fossem um regresso à intimidade e àquilo que eu acredito que pode ser a televisão que é a televisão de proximidade, que é uma televisão que é boa, que inspira, que não tem capas, não tem camadas, porque todos somos reais e todos temos um lado B, um lado C e um lado D. E isso é muito interessante ter essa liberdade e as pessoas sentirem-se em casa no programa. O próprio nome do programa é muito interessante combina na perfeição com este conceito, não é? Porque tudo faz sentido não é? Tem aqui a ligação perfeita entre o que eu sou fora da televisão e o que eu sou dentro dela.
Ouvi aí uma ligeira crítica a alguns formatos televisivos demasiado plásticos?
Eu não sou fundamentalista em nada. Temos um mercado que permite todo o tipo de formatos. Todo o tipo de pessoas. Eu identifico-me com a realidade, eu identifico-me com uma televisão que pode ser um investimento também obviamente. Também eu quero fazer a nível de desejo pessoal carreira, criar e quero apresentar outros formatos de outra dimensão, mas acredito que há espaço para todo o tipo de formatos.
O público reconhece a qualidade da televisão?
Sim, sim, reconhece a qualidade da televisão. Eu só posso agradecer o carinho de todo o público que acompanha, já são muitas pessoas. Todo o envolvimento das sugestões. O facto de também me dizerem que gostam muito da energia que o programa tem, que é um bocadinho curto…. Ir a um programa de televisão e saber que a conversa pode viajar também para outras coisas para além do óbvio e sentir-se à vontade com isso, com poder a revelar mais do que aquilo que a partida nós vemos é muito interessante.
Dizia-me há pouco que quer fugir do estigma do que é apresentadora de televisão. Ainda sentes que em Portugal existe muito preconceito?
Eu não posso generalizar. Eu só posso falar daquilo que a mim me move. Eu trabalho como apresentadora há 10 anos, mas tenho feito uma série de outras coisas e quero deixar a minha marca no mundo. Quero também tentar causar alguma diferença, provocar alguma reação, sinto que é tudo dentro de mim. Não sei se tem a ver com a formação como socióloga, se tem a ver com a minha costela do norte, se tem a ver com a minha forma de ver o mundo eu sinto é que dentro de um estúdio é óbvio que fica muito por dizer. Portanto precisei e senti a necessidade de criar um projeto que mostrasse também o meu ADN inquieto.
Foi quando criou o Change It?
O Change It começa logo com um nome internacional também porque eu sinto que Portugal é apenas a ponta do icebergue para aquilo que pode ser o mundo. É apenas um pequeno país na Europa e que às vezes a sua dimensão atrapalha um bocadinho a forma como se encara a si próprio. E quis logo que o nome nos posicionasse de uma forma nacional e internacional.
A ideia é para ir a outros países com este projeto?
Sim. Já estamos a fechar encontros no estrangeiro. Já estamos a fechar um festival em Barcelona. E também com organizações que se movem em Berlim, relacionadas com o que é que é mudança social. Os caminhos começam-se a aproximar e a ligar-se e para mim é muito importante propagar e estender esta mensagem a outros sítios.
O que é que é preciso mudar?
O que é que é preciso mudar? São muitas coisas, não é?
Mas o que é que gostaria que fosse alterado?
Eu senti esta necessidade de voltarmos a ter as tertúlias, as partilhas, as conversas diretas e também de certa maneira senti que podia fazer a relação entre convidados excecionais, pessoas inspiradoras e changers que eu conheço e colocá-los de certa forma acessíveis, na sua essência humana, a quem não os consegue ver. Tirarmos aquela capa da importância e até mesmo da distância que a televisão, às vezes, também dificulta e colocar aqui. Daí também ter tido já o prazer ter o Ricardo Costa, o José Água Lusa, o José Luís Peixoto, a Laurinda Alves; para misturar várias áreas, não só porque sou criativa, mas porque acredito que estas diferentes perspetivas é que nos conseguem preencher de alguma maneira, porque todas têm a sua lógica.
E criei então estes encontros criativos de duas horas que eu moderava, mas desde do início que filmei tudo o que estava a acontecer, porque também sou muito audiovisual obviamente e coloquei microfones por todo o lado para puxar as pessoas. Como se fosse um live talkshow , puxar as pessoas a falarem, a contarem as suas histórias e as suas necessidades, porque é que estavam ali.
Uma coisa que faz também neste encontro é pedir às pessoas que escrevam uma palavra uma palavra num post-it.
Começo por aí, foi uma coisa que levei algum tempo a pensar, porque precisava não só de desbloqueadores, mas de alguma coisa que nos unisse, porque continuava a haver uma certa barreira para o diálogo. Havia algo entre a timidez natural que as pessoas têm e o desconhecido de todo o projeto. E então criei os post its que são os change its, com várias cores, que espalho por todo o encontro. E esse convite que eu faço é para que escrevam aquilo que nunca disseram aquela pessoa, aquilo que vos apetece dizer ao chefe, à pessoa que amam, à pessoa que detestam, o que querem mudar, porque é que estão aqui, o que vos apetecer, a palavra que vos vier à cabeça. Eu quero que coloquem por escrito e depois vamos colar num cartaz que temos lá. Desde o primeiro encontro criativo que fiz, senti que o impacto estava a ser real e muito forte. Que as pessoas tinham necessidade de partilhar as suas histórias, mas mais do que isso, tinham necessidade de inspiração. E estar perto daqueles changers e sentir toda esta energia e a conversa ser moderada, que eu tenho todo esse cuidado e essa pesquisa, ser moderada para algo real. A pessoa sair do encontro com algumas respostas que podem encaminha-la, sem ter de entrar numa lógica de um consultório público emocional… Criei os post its para desbloquear mas, mais do que isso, para as pessoas começarem a interagir.
Lê as palavras e pede que as pessoas se levantem e contem a sua história?
Sim. Instigo-as.
E as pessoas contam?
Elas percebem que estão em casa. Eu faço isso, eu ponho toda a minha energia. Eu termino cada encontro como se estivesse estado 10 horas em direto.
Muito cansada?
Sim, porque me entrego muito. Acredito muito nisto. E acho que isso se sente. Acho que as pessoas também percebem o que há de genuíno. O projeto ainda se baseia muito nesta essência boa e genuína daquilo que é também o encontro criativo de uma conversa, mas vai mexer com muitas outras coisas, porque passado um ano eu sinto que as pessoas querem muitas respostas. Portanto o meu objetivo também foi, desde o início, que as pessoas percebessem que isto nunca foi um capricho da Ana Rita Clara, da apresentadora que se lembrou agora de fazer uns encontros criativos e que junta uns amiguinhos.
Depois dos encontros as pessoas contam-lhe as consequências, as mudanças que sofrem ou que fazem a acontecer?
Muitas. Sim. Quando perguntava o que é que é preciso mudar, existem vários níveis de mudança como é óbvio, aquele à qual o Change It se dirige mais tem mesmo a ver com a mudança de perspetiva de vida: profissional, individual, global… E portanto colocar estas pessoas a pensar na sua vida. Num ponto daqui para uma perspetiva maior, porque todas as pessoas tem as suas próprias mudanças, os seus próprios receios, felicidades e alegrias, mas que cada um encontre também o seu caminho. Eu sinto que as pessoas dão o primeiro passo, são convidadas a questionar as suas próprias vidas. Já somos perto de 5 mil portugueses, com várias ligações e parcerias, mas sobretudo com esta visão de que criamos um movimento uma comunidade que é positiva que te influencia de uma boa maneira, que te apresenta também um quadro informativo, um atelier Change It, para que se possas fazer essa mudança, no caso de uma mudança profissional ter um acompanhamento para isso mesmo. No caso de ser um criativo e um changer que nunca tive uma oportunidade, eu criei os challenges, já fizemos com o José Luís Peixoto, para dar oportunidade a escritores, a artistas, enfim não se estanca o projeto nas conversas.
O que faz é ajudar as pessoas a descobrirem o que elas têm de melhor?
Sim. Elas dão o primeiro passo. E como curiosas que gostam do projeto, gostam dos challenges, gostam de mim, querem ter um momento feliz de questionamento. Eu acredito que todo o ser humano precisa de ter esta sensação de pertença, esta sensação de que é escutado, esta sensação de que não está sozinho.
A sua vida está quase a mudar?
A minha vida já está a mudar, sempre! Todos os dias! A minha vida está sempre em mudança. Não posso dizer que tenha uma vida estanque ou rotineira, porque, com o meu perfil isso também não seria muito simples de acontecer, não compreendia muito com a aquilo que eu sou, mas agora muito mais também, mas ainda me dá mais força e mais energia para mudar tudo.
O que é que a fez escolher ser a mãe agora?
O amor, o amor sempre, em tudo. O amor pela vida e o amor pelas pessoas e o amor por acreditar que esta geração que estava muito desacreditada e que precisava de algum motor de arranque foi o que me fez querer o Change It. O meu casamento, o meu bebé, este estado de graça em que me encontro por um amor enorme que tenho com o meu marido e com aquilo que simboliza para mim, mais do que estar casada, a união e a força que é ter alguém ao nosso lado a quem se dá a mão, com quem se caminha lado a lado. Não à frente ou atrás, mas lado a lado.
O que é que espera da maternidade?
O que é que eu espero? Neste momento, ainda não estou a pensar nisso. Estou a desfrutar cada segundo, porque como estou a ter, e posso partilhar claramente, que estou a ter uma gravidez abençoada, porque não estou realmente a ter nem enjoes, nem aquelas partes mais difíceis que muitas mulheres iam partilhando comigo, ainda estou com mais energia, com mais força e aí sim com mais responsabilidade de passar aos meus filhos uma profunda responsabilidade e necessidade de até de fazer alguma diferença.
O que é que, se pudesse, mudava no mundo para os seus filhos?
Ui. Acho que a tolerância sem dúvida, porque é fundamental para aquilo que é o indivíduo e tanta gente que fica perdida porque é castrada socialmente. Tolerância, liberdade obviamente também e igualdade. Se não existissem tantas questões desigualitárias que impossibilitam as crianças e os jovens de progredir. Sinto que é para ajudar a essa mudança que o Change It surgiu na minha vida.