André Leal: “Os homens valorizam mais os óculos do que as mulheres”

Os primeiros óculos saíram das mãos e da criatividade de André Leal quando ele tinha “16 ou 17 anos”. “Eram de acetato”, conta este proprietário da André Ópticas e criador de peças únicas e feitas por medida.

Hoje, 20 anos depois das primeiras investidas e diretamente das bancadas do ateliê-museu do Chiado, a vida deste optometrista é feita de cirurgia. Sim, dar vida a armações feitas ao gosto e medida do cliente é assunto de precisão absoluta, definida em milímetros: os da espessura dos materiais, das armações, das hastes, os do assentamento na curva do nariz ou no encaixe nas orelhas e tantas, tantas outras medições.

A entrada para este universo faz-se pelo número 12 da rua Serpa Pinto, na baixa lisboeta. Uma vez lá dentro, o difícil é não parar a cada passo para olhar ao detalhe os múltiplos modelos vintage e raros em exibição.

Ao fundo deste espaço e mergulhando para a cave, entra-se num outro mundo. A maquinaria antiga que espreita através de uma parede de madeira e vidro, a iluminação em tons quentes, as peças raras criadas pelo próprio e as raridades adquiridas ao longo de quase quatro décadas de presença neste setor acolhem quem chega para procurar algo pessoal: seja do passado, seja a pensar no futuro, mas absolutamente tailormade.

“Quem vem ao ateliê, quem encomenda e compra uns óculos personalizados já não volta às marcas”

Volvido um ano após a inauguração deste ateliê-museu, que quer ser alternativa e escapar à voracidade e multiplicação que esta indústria tem vindo a assistir, André Leal, de 37 anos, já conclui que “quem vem ao ateliê, quem encomenda e compra uns óculos personalizados já não volta às marcas”. “Acho que é pelo gozo da experiência, por ser mais pessoal e por os óculos poderem ser usados uma vida inteira”, justifica.

Neste local onde é garantido que a cola fica à porta, é de madeira, de acetato e de chifre que se têm feito as armações. Os ornamentos, esses, podem ir até onde as “técnicas próprias de fundição” dos materiais permitam, assegurando que não há margem para degradação. “Trabalhamos com madrepérola, com osso de camelo, com molar de mamutes e também com tecidos”, refere. E é num destes últimos – verdes claros com bolas verdes escuras – que André está a trabalhar, a estudar e a testar para garantir que a peça vai resistir ao tempo e ao uso.

André Leal no ateliê-museu  André Óptica, no Chiado, em Lisboa [Fotografia: João Silva/Global Imagens]
André Leal no ateliê-museu André Óptica, no Chiado, em Lisboa [Fotografia: João Silva/Global Imagens]

O trabalho em metal é um sonho, mas ainda não será para já. André prossegue as suas pesquisas em ateliês pela Europa e junto de prototypistes [criadores de protótipos], mas a criação destas peças exige, contextualiza, “outro tipo de escala”: maquinaria mais pesada e de maior dimensão. Está nos planos, o que, no caso de André, ameaça dizer quase tudo.

É como o exemplar que está a criar agora e no qual quer aplicar areia que trouxe do Mar Vermelho. A placa que servirá de base já existe, é avermelhada e cheia de reflexos, mas Leal quer ter a certeza que nenhum grão se perderá. Muitos testes depois, a fórmula está encontrada. Agora é tempo de a aperfeiçoar, e não seria de estranhar que, em breve, estivesse disponível para venda.

“Fazemos peças para crianças com Trissomia 21”

A procura de aros por medida e únicos, na sua maioria graduados, tem sido feita por ambos géneros, como conta André Leal. O designer tem notado, contudo, que “os homens valorizam mais os óculos do que as mulheres”. A razão, para o especialista e empresário, é simples: “Elas têm mais acessórios do que eles. Para os homens existem apenas os sapatos, os cintos e os relógios, eles apenas podem jogar com isso.”

Os preços são variáveis, consoante as peças e o que se procura, mas “começam nos 400 a 450 euros”, aponta André. Há, no entanto, exceções: “Fazemos peças para crianças com Trissomia 21, com valores a começar nos 250 a 300 euros e isso é um verdadeiro desafio para quem cria. Falamos de outras medidas, de outros requisitos para as armações”, explica o criador.

Uma peça pode levar ”dias, semanas ou mesmo três meses a ser feita, dependendo dos materiais e dos detalhes escolhidos”, explica. Um processo que começa por propostas de desenhos ajustadas a imagens do rosto em tamanho real, com visitas regulares de acompanhamento por parte do cliente e escolha final dos materiais, como explica o responsável ao Delas.pt

“Temos peças em arquivo que os melhores museus não têm”

A história deste optometrista no mundo da ótica acontece pela mão dos pais, cujo negócio de óculos seria batizado em homenagem do filho que acabava de completar três meses de idade: o próprio André.

Muito antes de se deixar levar pelas máquinas antigas – que ele próprio arranja, por já não existir quem o faça – e pela vontade de criar e fazer a diferença, tinha, ele mesmo, trilhado o caminho do colecionismo. Estava ele na plena adolescência, a fazer do surf a sua primeira paixão e a imaginar como poderia adaptar pranchas aos vários tipos de corpos, quando começou a olhar para os óculos de outra forma.

André estava ainda longe, contudo, de imaginar que, numa primeira fase, recusaria seguir o negócio dos pais para, depois, estar – como está atualmente – debruçado sobre desenhos, parafusos, fresas, tupias e máquinas de corte. Para estar, como está hoje, rodeado de peças raras e valiosas. Neste momento, a família Leal soma mais de seis mil exemplares reunidos numa coleção, e algumas armações são mesmo absolutas raridades. “Temos peças em arquivo que os melhores museus do mundo não têm”, afirma.

Apenas uma ínfima parte destas preciosidades podem ser vistas na loja-ateliê do Chiado, mas são uma irresistível porta de entrada para este mundo. Por aqui, há um exemplar chegado da China e que André situa no tempo: “datam por altura de 1500”. “Falamos de óculos que eram usados por juízes chineses e que eram de pedra polida com lentes em quartzo, muito usados para esconder as emoções”, desfia. Há peças raras do século XVIII e XIX, caixas de óculos antigas, exemplares que estão devidamente acomodados numa pequena estante.

Há propostas de óculos que esperam um cliente ou, talvez, uma oportunidade de outra dimensão

Mas nem só de passado se faz esta exibição. Há propostas de óculos que esperam um cliente ou, talvez, uma oportunidade de outra dimensão, e há armações para todas as necessidades, mesmo as mais extraordinárias. “Temos óculos para todos, até para quem tem três olhos”, ri-se André, enquanto mostra a peça.

Obras que nascem das mãos do proprietário desta óptica que diz estar “há 20 anos a acumular conhecimentos”. Formação feita em visitas regulares a ateliês de prototypistes de França e da Suíça, em fábricas portuguesas e estrangeiras e mesmo em momentos ‘faça-você-mesmo’, com testes homemade que, muitas vezes com êxito, têm decorrido “entre o forno e a varanda lá de casa”, revela André, entre sorrisos.

Imagem de destaque: João Silva/Global Imagens

Usa óculos? Então é assim que deve maquilhar os olhos