APAV alerta para a banalização das casas de abrigo

mulher à janela

A Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) denuncia que as casas abrigo para vítimas de violência doméstica passaram a ser usadas como “espécie de depósito” para situações mais complicadas.

Em entrevista à agência Lusa, por ocasião dos 10 anos da criação da casa de abrigo ALCIPE, que recebe mulheres vítimas de violência doméstica, Daniel Cotrim, assessor técnico da APAV, aponta alguns desvios no tipo de resposta dado por essas instituições e como maior desafio a autonomização das mulheres.

O técnico, que, no geral, faz um balanço positivo do trabalho feito, considera que o acolhimento prestado por essas instituições “passou a ser muito uma resposta social”, em que “muitas vezes” se fazem triagens “apressadamente” de situações encaminhadas para casas de abrigo que depois as equipas técnicas percebem que não deviam ter sido para ali destinadas.

“Tem-se banalizado o uso da casa de abrigo e na APAV achamos, inclusivamente, que o número de casas de abrigo é suficiente para a realidade nacional”, apontou.

 

Para Daniel Cotrim, é preciso que as outras medidas de proteção das vítimas e de coação dos agressores funcionem.

“Não se pode continuar a recorrer às casas de abrigo como uma espécie de depósito para colocar situações que não se sabe muito bem o que fazer com elas. Se achamos que um individuo é perigoso, que pode matar aquela mulher, não vale a pena enviá-la para uma casa de abrigo, mas que se prenda preventivamente aquele homem”, defendeu.

Questionou, por isso, que se opte por “fazer uma mulher perder o emprego, sair da sua casa, quebrar as relações afetivas e emocionais com o sítio onde está, os seus filhos terem de abandonar a escola e terem de recomeçar tudo do zero, num sítio onde não conhecem, quando muitas vezes, se calhar, a aplicação correta e imediata de medidas de proteção e de coação poderiam ser o suficiente”.

Lembrou, por outro lado, que as casas de abrigo servem para proteger do risco, mas que muitas vezes quando as mulheres se autonomizam da casa de abrigo, “a situação de risco ainda não está resolvida e o processo-crime ainda decorre”, o que “encerra em si mesmo algo perverso e paradoxal”.

Crianças em casas de abrigo
Especificamente no que diz respeito ao trabalho feito nas casas de abrigo, e numa espécie de reflexão para o futuro, Daniel Cotrim defendeu a necessidade de um plano nacional, coerente, para trabalhar com as crianças em meio institucional como as casas de abrigo, “que são muito diferentes de outro tipo de centros de acolhimento”.

“Achamos que é fundamental haver um plano estratégico para trabalhar com estas crianças e com estes jovens. Não nos podemos esquecer que eles podem ser transmissores intrageracionais ou transgeracionais da própria violência”, alertou, considerando necessário evitar que as crianças e jovens que acompanham as mães para as casas de abrigo não se tornem no futuro vítimas ou agressores.

Por outro lado, defendeu que é necessário começar a trabalhar questões “tão fundamentais” como a certificação da qualidade deste tipo de equipamentos, apontando que não basta analisar o equipamento do ponto de vista físico, mas também certificar a qualidade do que é feito e dos procedimentos que são desenvolvidos nas casas de abrigo.

O caso da casa ALCIPE
De acordo com dados da APAV, passaram pela casa ALCIPE 234 mulheres e 276 crianças, entre as quais 105 mulheres e 116 crianças em acolhimento de emergência.

O tempo de acolhimento oscila entre os oito e os 12 meses, sendo que entre as 129 mulheres em regime de acolhimento prolongado, 96 (74%) conseguiram “autonomizar-se de forma minimamente estruturada” e reconstruir as suas vidas.

Para assinalar os 10 anos da casa ALCIPE, a APAV promove o seminário “Práticas e reflexões para o futuro no acolhimento de vítimas de violência doméstica”, a decorrer esta quarta-feira, 29 de março, em Lisboa.